O "DOM DE SER SERVIDO"

O DOM DE "SER SERVIDO"

Mizael de Souza Xavier 

Há muitos anos conheço esta crítica bem humorada: "tem crente que tem o dom de ser servido". Podemos dizer que esta realidade (muito triste, por sinal) é cada vez mais verdade e mais presente no cristianismo moderno. Se é que se pode chamar isso de cristianismo ou tais pessoas de cristãs. Como é o "dom de ser servido"? Vejamos algumas características:

1. Aquele que tem esse "dom", geralmente, converteu-se por meio de promessas de bênçãos e prosperidade. "Venha para Jesus que Ele resolverá todos os seus problemas!", foi o que lhe disseram. Então, em sua mente, o seu único papel na igreja é estender as mãos para que o anjo lhe traga as bênçãos que ele decretou e pagou para recebê-las (leia-se: deu seus dízimos e ofertas). O mais terrível, neste caso, é que Deus transforma-se em um mero serviçal.

2. Quem também possui este "dom", pode até ser um crente sincero, mas acredita piamente que seus dízimos e ofertas são pagamentos dados por serviços prestados pelos "funcionários" da igreja: o pastor, os diáconos, os líderes de ministério, o zelador, e por aí vai. Ele não procura conhecer seu dom espiritual (além do dom de ser servido, claro), não se envolve em nenhum ministério, não se voluntaria para nada, não evangeliza. Sua participação é ir aos cultos e programações.

3. Alguns que possuem o "dom de ser servido" até servem de alguma forma, mas manifestam o "dom da evidência". Ou seja: querem estar em evidência, querem aparecer. Por isso o "dom de servir" chega a ser uma afronta para eles! Seus lugares preferidos são no louvor, na pregação, no ministério pastoral ou qualquer outra posição de liderança, onde possam ser úteis, contanto que estejam em evidência. Seus liderados são os seus "empregados". Ainda não entenderam que até o presidente da sua igreja é um mero servo dos servos de Deus.

4. Alguns daqueles que desenvolvem este "dom", fazem-no por causa da ideia equivocada de que servir é para poucos, para quem possui os dons do Espírito Santo e uma inteligência diferenciada. Eles não se veem fazendo nada porque se acham incapazes, desprovidos de talento, acima de tudo quando se comparam com seus líderes. Normalmente, esse tipo de pensamento leva em conta aqueles que estão lá na frente, não os que desenvolvem aqueles dons que atuam nos bastidores: misericórdia, serviço, fé, exortação, entre outros.

5. O "dom de ser servido", às vezes, é imposto pela própria liderança da igreja, que elege seus aliados mais proeminentes e relega o restante dos irmãos ao papel de meros coadjuvantes na igreja e na obra do Senhor. Isso tem a ver com a manutenção do poder e o medo de perder o controle sobre a igreja. Quanto mais passivas as pessoas forem, mais fáceis serão de serem manipuladas e dificilmente contestarão o status quo. O perfil dos líderes nunca muda e dificilmente aqueles que não fazem parte da "panela do pastor", farão algo além de sentar, receber e sair.

O "dom de ser servido" deveria ser chamado de "síndrome do parasita eclesiástico". Em parte, isso é culpa da própria igreja, quando não orienta os fiéis, não prega sobre a mordomia cristã, não ensina corretamente nem promove um discipulado bíblico. A igreja também peca em não provar os convertidos e a veracidade da sua conversão. Outro erro é a criação de uma cultura que centraliza todo o serviço nas mãos de poucos e não abre espaço para a participação da maioria. Pouco podemos falar sobre as seitas da prosperidade, cuja existência orbita em torno do dinheiro e tanto faz quem serve ou deixa de servir. Mas as igrejas cristãs e os cristãos dessas igrejas precisam acordar para realidade: quem não vive para servir, não serve para ser membro de uma igreja. É  melhor estar em um clube ou um restaurante.

Igreja é lugar de servos, não de majestades. Somente um é a majestade da igreja, e Ele disse de si mesmo: "Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Marcos 10:45). Como quem se considerava servo do Senhor (2 Coríntios 4:5), o apóstolo Paulo compreendeu a lição, e disse: "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz" (Filipenses 2:5-8). Aos gálatas, ele escreve: "Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Gálatas 5:13,14).

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Algumas orientações finais:

1. Se você optou por estar em uma igreja por causa de promessas mentirosas de bênçãos e é somente este o seu interesse na fé cristã, você ainda não é convertido e isso explica sua passividade. Essa fé te levará para o inferno, mesmo que você se sinta abençoado nesta vida. A Palavra de Deus para você é: "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados" (Atos 3:19).

2. Se você tem certeza da sua conversão (da maneira correta e pelos motivos certos), então você já possui um dom: o de servir, pois não há um salvo sequer que não tenha sido separado por Deus para servi-lo através do serviço às pessoas. A Palavra de Deus para você é: "Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas" (Efésios 2:10).

3. Se você se sente inferior aos outros e acha que somente alguns escolhidos podem trabalhar na obra do Senhor, saiba que você também é um escolhido. A diferença entre o pastor e o zelador é a função que ocupam e o nível de responsabilidade, mas ambos possuem o mesmo valor e propósito. A Palavra de Deus para você é: "Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários; e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior honra; também os que em nós não são decorosos revestimos de especial honra" (1 Coríntios 12:22,23). Como diz a canção: o Espírito Santo se move em você!

4. Se você faz parte do grupo que tem o "dom da evidência", talvez a primeira orientação também lhe caiba como uma luva. Mas considerando que você é um crente sincero, peça perdão a Deus e espelhe-se em Jesus Cristo, nosso Senhor. Não faça nada para aparecer, mas aja como João Batista, que disse a respeito de si mesmo em relação a Jesus: "Convém que ele cresça e que eu diminua" (João 3:30). A Palavra de Deus para você é: "Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado" (Mateus 23:10-12).

5. Por fim, se você é aquele líder centralizador, que não quer perder o controle nem a "posse" do rebanho, lembre-se que o rebanho não é seu, mas de Jesus. Lembre-se, também, que você prestará contas a Deus das almas que estão sob a sua responsabilidade (Hebreus 13:17). Ensine e estimule os dons e o serviço. Abra espaço para os vocacionados. Treine, capacite, envie e cuide. A Palavra de Deus para você é: "pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho" (1 Pedro 5:2,3).

Este é um tema abrangente, mas o que foi dito já é suficiente para sabermos que, embora exista o dom que capacite de forma sobrenatural e direcionada especialmente para o serviço (Romanos 12:7), todos os dons são para que sirvamos uns aos outros, conforme escreveu o apóstolo Pedro: "Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus" (1 Pedro 4:10). Creio que a palavra-chave que resume esta questão é "humildade": quando somos humildes, estamos sempre prontos para servir e para ser servidos em um amor mútuo. Por isso, termino este breve estudo com as palavras do apóstolo Paulo aos crentes de Filipos e a todos nós:

"Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros" (Filipenses 2:1-4).

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