sexta-feira, 15 de março de 2013

RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM DESAFIO PARA A IGREJA HOJE




Um desafio para a Igreja hoje


“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”
(Mateus 5:2-10)



Qual a nossa posição?

Quanto custa salvar uma vida? Esta pergunta bastante sugestiva e que sucinta um sem-número de reflexões é o título do livro de Peter Singer publicado recentemente. É uma questão que devemos meditar quando pensamos em solidariedade e responsabilidade social. Será que estamos dispostos a pagar o preço para salvar uma vida da miséria, da aniquilação, do absurdo de não ter o que comer durante um dia inteiro ou por vários dias consecutivos? A pergunta de Peter Singer nos leva a alguns questionamentos com os quais podemos introduzir a conclusão deste livro:

·         O que a Igreja do Senhor tem feito com todas as bênçãos que tem recebido de Deus?
·         Qual tem sido o papel da Igreja diante do sofrimento de muitos crentes pobres?
·         Qual tem sido o envolvimento da Igreja com as questões sociais do mundo?
·         Em que a Igreja tem contribuído para a diminuição do sofrimento humano e da opressão?
·         De que forma temos equilibrado aquilo que cremos com aquilo que fazemos?

Salvar uma vida torna-se fácil a partir do momento em que nos dispomos a olhar menos para os nossos próprios interesses e começamos a dar lugar a uma preocupação genuína e santa com as pessoas e os seus problemas. Enquanto discutimos teologicamente a relação que pode haver entre Igreja e ação social, milhares de pessoas morrem todos os anos sem comida, sem condições dignas de subsistência e sem Jesus. Os argumentos a favor de uma intervenção transformadora da Igreja na sociedade pela prática do amor de Cristo são mais sólidos que qualquer tentativa de negar esta necessidade. Não é necessário apelar para a nossa intuição nem esperar que o nosso coração se desmanche em compadecimento pelos pobres. A Bíblia já é por si só a nossa bússola e o Espírito Santo, a nossa motivação e estímulo.
Além dos argumentos bíblicos que já conhecemos e estudamos aqui, existem argumentos lógicos que devem nos estimular a agir em favor do pobre e do necessitado, principalmente aqueles que vivem na pobreza extrema, que estão em constante risco social. Estes argumentos são apresentados por Peter Singer (2010, 35) na seguinte forma de premissas:

Primeira premissa: O sofrimento e a morte decorrentes da falta de comida, moradia e assistência médica são ruins.
Segunda premissa: Se temos o poder de evitar que algo ruim aconteça, sem sacrificar coisa alguma de importância comparável, é errado não fazê-lo.
Terceira premissa: Ao doar a instituições beneficentes, é possível evitar o sofrimento e a morte resultantes da falta de comida, moradia e assistência médica, sem sacrificar nada que tenha importância comparável.
Conclusão: Portanto, se você não doar para instituições beneficentes, está fazendo algo errado.

            Estas premissas e a conclusão de Singer nos lembram o texto de Tiago 2:15-17 e 4:17, que diz: “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não faz, nisso está pecando”. As necessidades sociais são reais e urgentes; quanto mais tempo investimos em não fazer nada, mais pessoas morrem de fome, de doenças, de suicido e vítimas da violência. Se nós, como cristãos que pregam o amor e a justiça de Deus, enxergamos as misérias do mundo, temos consciência que devemos fazer algo e nos recusamos a fazê-lo, algo está errado com a nossa teologia, com a nossa espiritualidade. Se as nossas orações, as nossas ofertas, os nossos dons, os nossos talentos e os nossos esforços não têm servido para impactar o mundo de nenhuma maneira com a luz do Evangelho de Cristo, temos sido os mais inúteis cristãos de todos os tempos.
            O Senhor Jesus disse: “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lc 17:10). O que dizer, então, quando não fazemos nem aquilo que deveríamos ter feito? Cada crente deve aprender a se colocar no lugar dos outros, como Cristo se colocou no nosso lugar na cruz, e enxergar o sofrimento que as pessoas enfrentam, desde aqueles que convivem conosco, até mesmo dentro das quatro paredes da nossa congregação, até os que jamais vimos. O Senhor Jesus disse ainda: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7:12). Certamente, algo que não queremos para nós é não ter o que comer nem onde morar, muito pelo contrário: temos e exigimos os nossos direitos a uma boa alimentação e moradia digna. Algumas perguntas surgem no limiar da nossa insensibilidade:

·         Por que não lutamos, também, pelos direitos dos desassistidos a estas coisas?
·         Por que tantos crentes diariamente exigem de Deus os seus direitos às bênçãos de prosperidade e não levantam a voz para clamar às autoridades seculares por justiça social?
·         Por que engordamos os cofres da Igreja com nossos dízimos na esperança de receber duas ou cem vezes mais de Deus e não doamos uma moeda sequer – ou tempo e talento – a algum orfanato, sem esperar receber nada em troca?
·         Por que, ao olharmos para as misérias do mundo, nos contentamos em culpar o diabo, o pecado e as autoridades como uma forma de negarmos nossa responsabilidade e nos isentar de qualquer envolvimento?
·         Por que paz, justiça social, igualdade e liberdade não causam a mesma comoção que temas como prosperidade e poder?

            A Igreja está sendo desafiada a repensar a sua teologia, a mostrar na prática o amor e a justiça que tanto preenche as suas pregações. Quem desafia a Igreja todos os dias? O próprio mundo com as suas injustiças sociais. Olhar para o mundo a nossa volta, enxergar pais de famílias desesperados para oferecer ao menos uma refeição diária às suas famílias, meninas vendendo seu corpo nas esquinas, adolescentes se entregando às drogas e ao álcool, o crescimento da violência doméstica e urbana, o avanço da corrupção e tantas outras mazelas nos desafia a tomar uma posição: passiva ou ativa? Quem somos nós e o que faremos com aquilo que Deus tem colocado em nossas mãos? Por quem temos chorado? Que paz temos buscado? É possível dizer “eu tenho paz” assistindo no noticiário as notícias sobre o consumo de crack que assola famílias inteiras, degrada o ser humano e corrompe ainda mais a sociedade?


Injetando esperança no mundo

Não existe modo mais coerente de terminarmos este estudo do que falando de esperança. Recapitulando, vimos a importância da solidariedade e da responsabilidade social da Igreja a começar pela vida individual de cada membro, depois da sua família, dos necessitados da Igreja e, por fim, dos oprimidos e miseráveis do mundo. O que se esconde por detrás disso é muito mais que uma responsabilidade no sentido e obrigação, mas é fruto da nossa compreensão do Evangelho, da Igreja e do Reino; é um reflexo do nosso relacionamento com Deus e do tipo de fé que depositamos em sua Palavra. Todas estas coisas juntas geram em nós a motivação e o estímulo que precisamos para espalhar esperança em um mundo que se corrói sempre mais a cada dia. Nós temos esta esperança e o amor de Cristo nos impulsiona a apresentá-la, fomentá-la e implementá-la no mundo sofredor.
            Falando a cerca da palavra de Esperança que a Igreja do Senhor tem para oferecer ao mundo sofredor antes da volta de Cristo que colocará fim a todas as dores, Serguem Jesui Machado da Silva escreve:

Mas enquanto o Senhor não vem, sua Igreja precisa ter a palavra que aponta os métodos, caminhos e possibilidades. Precisa ter a palavra que anuncia que Ele está no meio de nós. Que anuncia sua completa insatisfação com todas as formas de injustiças. Que dá concretude a uma solidariedade que não somente se compadece, mas que se traduz, por exemplo, em apoio efetivo aos irmãos e irmãs de nossos sertões e ribeirinhos. Uma palavra que nos pequenos gestos demonstre apoio às missões, às organizações e aos militantes que se colocam ao serviço do Senhor.[1]

            A Igreja tem a palavra de esperança, porque prega a Palavra da esperança, a Bíblia. Ela possui os métodos, os caminhos e as possibilidades para uma sociedade desorientada, perdida em si mesma e que busca, de todas as formas mais erradas possíveis, sobreviver ao seu próprio mal. Esta inserção no mundo, porém, só será possível com verdade e eficácia quando a Igreja abandonar os seus guetos, romper as barreiras denominacionais e se enxergar como apenas um único corpo de Cristo no mundo, com uma única e comum missão de evangelizar o mundo pela prática do amor. Mais do que viver no corredor da morte a espera de um milagre – porque igrejas ensimesmadas são inoperantes e a fé sem obras é morta – a Igreja do Senhor precisa assumir a sua vocação profética, a sua missão de agente transformador da sociedade.
            Como sabemos bem, o termo grego para Igreja é ekklesia, uma assembléia de “chamados para fora”. A Igreja é enviada a pregar o Evangelho a um mundo doente, às ovelhas que andam desgarradas e sem pastor. O pastor das nossas almas – Jesus Cristo – é a nossa esperança e deseja ser a esperança de muitos. Agostinho dizia que quando um homem bate à porta de um bordel, ele está a procura de Deus. Não que Deus esteja num bordel, mas o vazio existencial do homem, a sua angústia, a sua real busca só pode encontrar o seu termo em Deus. A felicidade que o mundo precisa e que busca encontrar nos lugares mais errados da vida está em Deus; quando o homem encontrar Deus, deixará de bater nas portas dos bordéis. O ser humano tem sede de Deus, tem uma necessidade inconsciente de reatar a comunhão perdida com Ele na Queda. O ser humano caído anseia pelo paraíso do qual foi expulso e crê que é capaz de construir esse paraíso aqui na terra por meio do prazer, da ganância, das drogas e tantos outros artifícios.
            Esse vazio existencial natural do ser humano gera muito mais do que tristeza, gera violência, injustiça social, abusos de poder, corrupção e toda sorte de males sociais que cercam a Igreja por todos os lados, acima de tudo porque os seus membros estão inseridos num contexto de mundo caído e sujeitos a passar pelos mesmos apertos dos descrentes. A grande diferença é que a Igreja conhece a sua esperança, sabe que mesmo que tudo pareça perdido, Deus está sempre presente. A Igreja precisa tomar posse da sua missão empreendedora da paz e da justiça no mundo, agindo como um instrumento poderoso no fomento da esperança numa sociedade desesperançada, desacreditada e perdida. Ela é o mecanismo idealizado por Deus para essa tarefa. Deus leva esperança ao mundo por meio da sua Igreja. Este é o seu papel.
            O que temos feito? Infelizmente, muitas vezes temos agido como o povo de Israel que ensimesmou-se por ser o povo escolhido, quando deveria ter sido luz para os outros povos. Deus havia dito ao patriarca Abraão: “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3). No v. 2, Deus já havia dito: “Sê tu uma bênção”. Este é também um chamado para a Igreja: ser uma bênção, levar o Evangelho da graça de Cristo a todos os povos, não um evangelho teologizado, mas algo vivo, palpável, verdadeiro. As pessoas talvez não saibam nada sobre a “maldição adâmica”, muito menos dominem as regras da hermenêutica bíblica, mas uma coisa elas entendem: o amor. Os oprimidos do mundo talvez fiquem confusos diante de um culto de “fogo”, onde as pessoas cantam e dançam freneticamente enquanto falam em línguas estranhas, mas elas entenderão sempre um ato de solidariedade, de misericórdia e de amor abnegado. Esta é a porta para o Evangelho ser pregado, esta é a forma mais correta de apresentar Cristo ao mundo como Senhor e Salvador.
            Todavia, como levaremos esperança ao mundo se estivermos presos à nossa religiosidade, à nossa prática litúrgica que, na tentativa de nos aproximar de Deus, acaba por nos afastar cada vez mais das pessoas? Que esperança pode haver para um mundo que não recebe luz nem sente o gosto do sal, porque os crentes iluminam apenas a si mesmos e acrescentam sabor apenas às suas próprias vidas? O imperativo de Jesus para nós é “ide”, portando não devemos ser egoístas, guardando o nosso tesouro celestial, a nossa pérola de grande valor nos cofres do nosso individualismo.
A nossa preocupação com o mundo acaba sendo a mesma do profeta Jonas para com Níneve: “Ainda quarenta dias, e Níneve será subvertida” (Jn 3:4). E assim como Jonas, saímos do mundo e nos sentamos ao longe, à sombra, confortavelmente, aguardando pacientemente o que acontecerá com o mundo. A notícia que Deus tem para nós é que hoje Ele tem pelas pessoas do mundo a mesma preocupação que tinha com a grande cidade de Níneve e as mais de 120 mil pessoas que lá viviam (4:11), que não sabiam discernir entre a mão direita e a mão esquerda. Hoje, Deus quer encher o mundo com a esperança viva do Evangelho da cruz. É o desejo de Deus que o mundo o conheça, conheça o seu amor e possa se arrepender dos seus pecados. O mundo espera por esta esperança em meio à dor e ao sofrimento que a Queda lhe impõe.
A minha oração é que este livro tenha servido para aumentar a reflexão a cerca da responsabilidade social cristã e despertar na Igreja um impulso empreendedor, que possa levar a Palavra de Deus até as pessoas, não apenas pela pregação oral, mas também pela pregação com a própria vida cristã. As pessoas são muito mais que um dado estatístico de quantas almas ainda não aceitaram a Jesus. Elas são seres humanos repletos de sofrimentos causados pelo pecado, elas possuem carências, desejos, sonhos, aspirações, projetos de vida. A Igreja precisa se mobilizar, porque mesmo que muitas dessas pessoas jamais se convertam a Jesus, a nossa missão é amá-las, e não existe meio melhor de fazermos isso do que nos importando com elas.
Que o Senhor nos ilumine a mente e faça transbordar de amor o nosso coração.
Amém.



Mizael de Souza Xavier



[1] In Evangelização e responsabilidade social, p. 13, prefácio geral.

O TEXTO A SEGUIR É A PARTE CONCLUSIVA DO MEU LIVRO: 

Missão Integral

Evangelismo e Responsabilidade Social na
dinâmica solidária do Reino de Deus


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