“Bem-aventurados
os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.
Bem-aventurados
os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados
os mansos, porque herdarão a terra.
Bem-aventurados
os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.
Bem-aventurados
os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados
os limpos de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados
os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados
os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”
(Mateus
5:2-10)
Qual a nossa posição?
Quanto custa
salvar uma vida? Esta pergunta bastante sugestiva e que sucinta um sem-número
de reflexões é o título do livro de Peter Singer publicado recentemente. É uma
questão que devemos meditar quando pensamos em solidariedade e responsabilidade
social. Será que estamos dispostos a pagar o preço para salvar uma vida da
miséria, da aniquilação, do absurdo de não ter o que comer durante um dia
inteiro ou por vários dias consecutivos? A pergunta de Peter Singer nos leva a
alguns questionamentos com os quais podemos introduzir a conclusão deste livro:
·
O que a Igreja do Senhor tem feito
com todas as bênçãos que tem recebido de Deus?
·
Qual tem sido o papel da Igreja
diante do sofrimento de muitos crentes pobres?
·
Qual tem sido o envolvimento da
Igreja com as questões sociais do mundo?
·
Em que a Igreja tem contribuído
para a diminuição do sofrimento humano e da opressão?
·
De que forma temos equilibrado
aquilo que cremos com aquilo que fazemos?
Salvar uma
vida torna-se fácil a partir do momento em que nos dispomos a olhar menos para
os nossos próprios interesses e começamos a dar lugar a uma preocupação genuína
e santa com as pessoas e os seus problemas. Enquanto discutimos teologicamente
a relação que pode haver entre Igreja e ação social, milhares de pessoas morrem
todos os anos sem comida, sem condições dignas de subsistência e sem Jesus. Os
argumentos a favor de uma intervenção transformadora da Igreja na sociedade
pela prática do amor de Cristo são mais sólidos que qualquer tentativa de negar
esta necessidade. Não é necessário apelar para a nossa intuição nem esperar que
o nosso coração se desmanche em compadecimento pelos pobres. A Bíblia já é por
si só a nossa bússola e o Espírito Santo, a nossa motivação e estímulo.
Além dos
argumentos bíblicos que já conhecemos e estudamos aqui, existem argumentos
lógicos que devem nos estimular a agir em favor do pobre e do necessitado,
principalmente aqueles que vivem na pobreza extrema, que estão em constante
risco social. Estes argumentos são apresentados por Peter Singer (2010, 35) na
seguinte forma de premissas:
Primeira
premissa: O sofrimento e a morte decorrentes da falta de comida, moradia e
assistência médica são ruins.
Segunda
premissa: Se temos o poder de evitar que algo ruim aconteça, sem sacrificar
coisa alguma de importância comparável, é errado não fazê-lo.
Terceira
premissa: Ao doar a instituições beneficentes, é possível evitar o sofrimento e
a morte resultantes da falta de comida, moradia e assistência médica, sem
sacrificar nada que tenha importância comparável.
Conclusão:
Portanto, se você não doar para instituições beneficentes, está fazendo algo
errado.
Estas
premissas e a conclusão de Singer nos lembram o texto de Tiago 2:15-17 e 4:17,
que diz: “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não faz, nisso está
pecando”. As necessidades sociais são reais e urgentes; quanto mais tempo
investimos em não fazer nada, mais pessoas morrem de fome, de doenças, de
suicido e vítimas da violência. Se nós, como cristãos que pregam o amor e a
justiça de Deus, enxergamos as misérias do mundo, temos consciência que devemos
fazer algo e nos recusamos a fazê-lo, algo está errado com a nossa teologia,
com a nossa espiritualidade. Se as nossas orações, as nossas ofertas, os nossos
dons, os nossos talentos e os nossos esforços não têm servido para impactar o
mundo de nenhuma maneira com a luz do Evangelho de Cristo, temos sido os mais
inúteis cristãos de todos os tempos.
O
Senhor Jesus disse: “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi
ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos
fazer” (Lc 17:10). O que dizer, então, quando não fazemos nem aquilo que
deveríamos ter feito? Cada crente deve aprender a se colocar no lugar dos
outros, como Cristo se colocou no nosso lugar na cruz, e enxergar o sofrimento
que as pessoas enfrentam, desde aqueles que convivem conosco, até mesmo dentro
das quatro paredes da nossa congregação, até os que jamais vimos. O Senhor
Jesus disse ainda: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim
fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7:12). Certamente,
algo que não queremos para nós é não ter o que comer nem onde morar, muito pelo
contrário: temos e exigimos os nossos direitos a uma boa alimentação e moradia
digna. Algumas perguntas surgem no limiar da nossa insensibilidade:
·
Por que não lutamos, também,
pelos direitos dos desassistidos a estas coisas?
·
Por que tantos crentes
diariamente exigem de Deus os seus direitos às bênçãos de prosperidade e não
levantam a voz para clamar às autoridades seculares por justiça social?
·
Por que engordamos os cofres da
Igreja com nossos dízimos na esperança de receber duas ou cem vezes mais de
Deus e não doamos uma moeda sequer – ou tempo e talento – a algum orfanato, sem
esperar receber nada em troca?
·
Por que, ao olharmos para as
misérias do mundo, nos contentamos em culpar o diabo, o pecado e as autoridades
como uma forma de negarmos nossa responsabilidade e nos isentar de qualquer
envolvimento?
·
Por que paz, justiça social,
igualdade e liberdade não causam a mesma comoção que temas como prosperidade e
poder?
A
Igreja está sendo desafiada a repensar a sua teologia, a mostrar na prática o
amor e a justiça que tanto preenche as suas pregações. Quem desafia a Igreja
todos os dias? O próprio mundo com as suas injustiças sociais. Olhar para o
mundo a nossa volta, enxergar pais de famílias desesperados para oferecer ao
menos uma refeição diária às suas famílias, meninas vendendo seu corpo nas
esquinas, adolescentes se entregando às drogas e ao álcool, o crescimento da
violência doméstica e urbana, o avanço da corrupção e tantas outras mazelas nos
desafia a tomar uma posição: passiva ou ativa? Quem somos nós e o que faremos
com aquilo que Deus tem colocado em nossas mãos? Por quem temos chorado? Que
paz temos buscado? É possível dizer “eu tenho paz” assistindo no noticiário as
notícias sobre o consumo de crack que assola famílias inteiras, degrada o ser
humano e corrompe ainda mais a sociedade?
Injetando esperança no mundo
Não existe
modo mais coerente de terminarmos este estudo do que falando de esperança. Recapitulando,
vimos a importância da solidariedade e da responsabilidade social da Igreja a
começar pela vida individual de cada membro, depois da sua família, dos
necessitados da Igreja e, por fim, dos oprimidos e miseráveis do mundo. O que
se esconde por detrás disso é muito mais que uma responsabilidade no sentido e
obrigação, mas é fruto da nossa compreensão do Evangelho, da Igreja e do Reino;
é um reflexo do nosso relacionamento com Deus e do tipo de fé que depositamos
em sua Palavra. Todas estas coisas juntas geram em nós a motivação e o estímulo
que precisamos para espalhar esperança em um mundo que se corrói sempre mais a
cada dia. Nós temos esta esperança e o amor de Cristo nos impulsiona a
apresentá-la, fomentá-la e implementá-la no mundo sofredor.
Falando
a cerca da palavra de Esperança que a Igreja do Senhor tem para oferecer ao
mundo sofredor antes da volta de Cristo que colocará fim a todas as dores,
Serguem Jesui Machado da Silva escreve:
Mas
enquanto o Senhor não vem, sua Igreja precisa ter a palavra que aponta os
métodos, caminhos e possibilidades. Precisa ter a palavra que anuncia que Ele
está no meio de nós. Que anuncia sua completa insatisfação com todas as formas
de injustiças. Que dá concretude a uma solidariedade que não somente se compadece,
mas que se traduz, por exemplo, em apoio efetivo aos irmãos e irmãs de nossos
sertões e ribeirinhos. Uma palavra que nos pequenos gestos demonstre apoio às
missões, às organizações e aos militantes que se colocam ao serviço do Senhor.[1]
A Igreja tem a
palavra de esperança, porque prega a Palavra da esperança, a Bíblia. Ela possui
os métodos, os caminhos e as possibilidades para uma sociedade desorientada,
perdida em si mesma e que busca, de todas as formas mais erradas possíveis,
sobreviver ao seu próprio mal. Esta inserção no mundo, porém, só será possível
com verdade e eficácia quando a Igreja abandonar os seus guetos, romper as
barreiras denominacionais e se enxergar como apenas um único corpo de Cristo no
mundo, com uma única e comum missão de evangelizar o mundo pela prática do
amor. Mais do que viver no corredor da morte a espera de um milagre – porque
igrejas ensimesmadas são inoperantes e a fé sem obras é morta – a Igreja do
Senhor precisa assumir a sua vocação profética, a sua missão de agente
transformador da sociedade.
Como
sabemos bem, o termo grego para Igreja é ekklesia,
uma assembléia de “chamados para fora”. A Igreja é enviada a pregar o Evangelho
a um mundo doente, às ovelhas que andam desgarradas e sem pastor. O pastor das
nossas almas – Jesus Cristo – é a nossa esperança e deseja ser a esperança de
muitos. Agostinho dizia que quando um homem bate à porta de um bordel, ele está
a procura de Deus. Não que Deus esteja num bordel, mas o vazio existencial do
homem, a sua angústia, a sua real busca só pode encontrar o seu termo em Deus.
A felicidade que o mundo precisa e que busca encontrar nos lugares mais errados
da vida está em Deus; quando o homem encontrar Deus, deixará de bater nas
portas dos bordéis. O ser humano tem sede de Deus, tem uma necessidade
inconsciente de reatar a comunhão perdida com Ele na Queda. O ser humano caído
anseia pelo paraíso do qual foi expulso e crê que é capaz de construir esse
paraíso aqui na terra por meio do prazer, da ganância, das drogas e tantos
outros artifícios.
Esse
vazio existencial natural do ser humano gera muito mais do que tristeza, gera
violência, injustiça social, abusos de poder, corrupção e toda sorte de males
sociais que cercam a Igreja por todos os lados, acima de tudo porque os seus
membros estão inseridos num contexto de mundo caído e sujeitos a passar pelos
mesmos apertos dos descrentes. A grande diferença é que a Igreja conhece a sua
esperança, sabe que mesmo que tudo pareça perdido, Deus está sempre presente. A
Igreja precisa tomar posse da sua missão empreendedora da paz e da justiça no
mundo, agindo como um instrumento poderoso no fomento da esperança numa
sociedade desesperançada, desacreditada e perdida. Ela é o mecanismo idealizado
por Deus para essa tarefa. Deus leva esperança ao mundo por meio da sua Igreja.
Este é o seu papel.
O
que temos feito? Infelizmente, muitas vezes temos agido como o povo de Israel
que ensimesmou-se por ser o povo escolhido, quando deveria ter sido luz para os
outros povos. Deus havia dito ao patriarca Abraão: “Abençoarei os que te
abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as
famílias da terra” (Gn 12:3). No v. 2, Deus já havia dito: “Sê tu uma bênção”.
Este é também um chamado para a Igreja: ser uma bênção, levar o Evangelho da
graça de Cristo a todos os povos, não um evangelho teologizado, mas algo vivo,
palpável, verdadeiro. As pessoas talvez não saibam nada sobre a “maldição
adâmica”, muito menos dominem as regras da hermenêutica bíblica, mas uma coisa
elas entendem: o amor. Os oprimidos do mundo talvez fiquem confusos diante de
um culto de “fogo”, onde as pessoas cantam e dançam freneticamente enquanto
falam em línguas estranhas, mas elas entenderão sempre um ato de solidariedade,
de misericórdia e de amor abnegado. Esta é a porta para o Evangelho ser
pregado, esta é a forma mais correta de apresentar Cristo ao mundo como Senhor
e Salvador.
Todavia,
como levaremos esperança ao mundo se estivermos presos à nossa religiosidade, à
nossa prática litúrgica que, na tentativa de nos aproximar de Deus, acaba por
nos afastar cada vez mais das pessoas? Que esperança pode haver para um mundo
que não recebe luz nem sente o gosto do sal, porque os crentes iluminam apenas
a si mesmos e acrescentam sabor apenas às suas próprias vidas? O imperativo de
Jesus para nós é “ide”, portando não devemos ser egoístas, guardando o nosso
tesouro celestial, a nossa pérola de grande valor nos cofres do nosso
individualismo.
A nossa
preocupação com o mundo acaba sendo a mesma do profeta Jonas para com Níneve:
“Ainda quarenta dias, e Níneve será subvertida” (Jn 3:4). E assim como Jonas,
saímos do mundo e nos sentamos ao longe, à sombra, confortavelmente, aguardando
pacientemente o que acontecerá com o mundo. A notícia que Deus tem para nós é
que hoje Ele tem pelas pessoas do mundo a mesma preocupação que tinha com a
grande cidade de Níneve e as mais de 120 mil pessoas que lá viviam (4:11), que
não sabiam discernir entre a mão direita e a mão esquerda. Hoje, Deus quer
encher o mundo com a esperança viva do Evangelho da cruz. É o desejo de Deus
que o mundo o conheça, conheça o seu amor e possa se arrepender dos seus
pecados. O mundo espera por esta esperança em meio à dor e ao sofrimento que a
Queda lhe impõe.
A minha oração
é que este livro tenha servido para aumentar a reflexão a cerca da
responsabilidade social cristã e despertar na Igreja um impulso empreendedor,
que possa levar a Palavra de Deus até as pessoas, não apenas pela pregação
oral, mas também pela pregação com a própria vida cristã. As pessoas são muito
mais que um dado estatístico de quantas almas ainda não aceitaram a Jesus. Elas
são seres humanos repletos de sofrimentos causados pelo pecado, elas possuem
carências, desejos, sonhos, aspirações, projetos de vida. A Igreja precisa se
mobilizar, porque mesmo que muitas dessas pessoas jamais se convertam a Jesus,
a nossa missão é amá-las, e não existe meio melhor de fazermos isso do que nos
importando com elas.
Que o Senhor
nos ilumine a mente e faça transbordar de amor o nosso coração.
Amém.
Mizael
de Souza Xavier
[1] In Evangelização e responsabilidade social, p. 13, prefácio geral.
O TEXTO A SEGUIR É A PARTE CONCLUSIVA DO MEU LIVRO:
Missão Integral
Evangelismo e Responsabilidade Social na
dinâmica solidária do Reino de Deus
amem vamos hora para Deus nos da forças para saímos do comodismo
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