"SOBRE O AMOR E O AMAR"
AGUARDE LANÇAMENTO
Quando
sentimos falta de algo que quem amamos não pode nos suprir, são grandes
as chances do nosso relacionamento ruir. Como seres humanos limitados e
incompletos que somos, incapazes de satisfazer-nos naquilo que
necessitamos para ser felizes, nos vemos impossibilitados de completar o
outro de maneira perfeita. Ele, por sua vez, também não poderá
satisfazer todas as nossas ansiedades e desejos de maneira eficaz.
Haverá sempre algo faltando, sempre algo desejando ser preenchido, seja
uma estabilidade financeira ou um suporte emocional, seja segurança ou
uma parceria solidificada.
O
que acontece quando surge alguém oferecendo aquilo que tanto ansiamos e
nosso cônjuge não pode nos dar? O que acontece quando aquele carinho e
aquele romantismo que falta no casamento vêm por meio de um terceiro? O
ideal seria não acontecer nada, mas infelizmente a realidade é outra.
Quando surge alguém que nos oferece esse algo mais que está nos
faltando, a tendência é nos ligarmos a ele e investirmos numa nova
relação. Esta situação não é novidade para uma grande quantidade de
casais, acima de tudo nesses tempos de Internet, com todos os seus sites
de relacionamentos disponíveis que tem colocado todo mundo a disposição
de todo mundo o tempo todo.
Já
conheci pessoalmente muitos casos emblemáticos. A esposa reclama que o
marido não liga mais para ela, não a trata como no início do
relacionamento, mas sim de maneira bruta e injusta. Ela está sedenta por
um elogio, por uma estabilidade emocional, por alguém que perceba o
quanto ela é linda e a valorize. E ela encontra esse alguém. Aquela
relação primeira sede lugar a outra escondida, mas que a satisfaz,
porque o amante é e lhe dá tudo aquilo que ela esperava que o marido
fosse e lhe desse. O mesmo ocorre com o homem quando a mulher não
preenche as suas necessidades em algumas áreas, em especial na relação
sexual. Ele sente-se insatisfeito e precisa provar novas emoções e
sensações, experimentar posições que a sua esposa se recusa a fazer.
Estes são apenas alguns exemplos toscos de uma realidade muito mais
profunda e séria e que pode transformar uma relação a dois numa busca
desenfreada por sensações e necessidades que jamais poderão ser
satisfeitas, porque haverá sempre algo mais a ser preenchido.
Os
estudiosos possuem inúmeras formas de explicar esse fenômeno. Todavia,
algo que sempre parece escapar do entendimento de muitos quando se trata
desta situação de incompletude e da necessidade de satisfazer
necessidades que o parceiro não satisfaz, é que esta jamais foi uma
relação de amor verdadeiro. Isto é um fato. A maioria dos
relacionamentos não tem início no anseio de dois seres que desejam
completar um ao outro e fazer um ao outro feliz. Um dia tive uma
discussão com alguém com quem eu tinha me relacionado, alguém que
demonstrara ser um ser humano egocêntrico e interessado tão somente em
satisfazer as suas necessidades emocionais. Eu lhe disse que enquanto
não revisse a sua posição jamais conseguiria fazer alguém feliz. Ela
disse que não estava interessada em fazer ninguém feliz, mas em ser
feliz, o outro que se virasse pra lá.
O
que existe por detrás de muitas declarações de amor é apenas um desejo
egoísta de ser feliz através daquilo que o ser amado pode oferecer. A
carência afetiva, a necessidade de uma instabilidade emocional ou
financeira, a pressão da família, o desejo por libertar-se dos pais e
adquirir autonomia vem travestidos de amor. Não quero dizer que é errado
desejar e buscar a própria felicidade, o próprio bem-estar. Como
aprenderemos ainda com esse estudo, é preciso amar primeiramente a si
mesmo para poder amar o próximo. O erro está em envolver-se numa relação
a dois buscando satisfazer todas as nossas necessidades sem levar em
conta os anseios do outro, sem o desejo de contribuir para a felicidade
dele. Existem pessoas que a principio jamais deveriam ter se casado,
pois está patente que elas não nasceram para dar, mas somente para
receber e nada mais.
O
que acontece numa relação dessas quando quem deveria ser amado deixa de
dar e de ser aquilo que projetamos antes, quando aquela imagem de um
super-herói que nos livraria para sempre da sombra da infelicidade cede
lugar a imagem real de uma pessoa frágil e problemática como nós? O que
acontece quando não estamos mais certos que aquela pessoa com quem nos
casamos não “dará conta do recado”? Acontece o obvio. O vínculo tênue
que nos ligava a ele se rompe através da decepção e da ansiedade em
continuar bebendo de uma fonte inesgotável de alegria e prazer. Quando
esse vínculo é rompido, aquilo que está lá fora começa a nos chamar a
atenção e o relacionamento primeiro sede lugar a outro, onde
depositaremos as nossas novas esperanças.
Como
podemos perceber, o problema não está no percurso, mas no início da
caminhada. Quando entramos num relacionamento amoroso com a motivação
errada, a tendência é nos frustrarmos. E quando colocamos sobre alguém
uma carga injusta de “salvador da pátria”, a frustração pode ser ainda
maior. Criamos, no início da relação, a imagem de uma pessoa impar,
perfeita, capaz de nos dar o que precisamos, de ser o que esperamos e
fazer tudo que estiver ao seu alcance para que sejamos felizes. Mas aos
poucos essa pessoa fictícia vai cedendo lugar a sua verdadeira imagem,
aquilo que ela realmente é sem a tinta com que a pintamos no início. E
se essa nova imagem, essa nova pessoa não continua nos satisfazendo como
antes, a imagem anterior vai-se apagando aos poucos e o relacionamento
aos poucos se desgasta até ruir de vez.
A
realidade é que o que se desgasta não é a pessoa. Ela não mudou, não se
tornou ruim de um dia para o outro. É a nossa esperança de obter dela
aquilo que desejávamos que vai se esvaindo diante daquilo que ela
realmente é. Mesmo que aconteça de maneira inconsciente, o fato é que
entramos numa relação não para fazer os o ser amado feliz, mas para ser
felizes as suas custas. E quando ele deixa de representar o nosso ideal
de felicidade, torna-se obsoleto. Isso tem haver com aquilo que desde o
início temos falado: a nossa concepção de amor. Amar significa, entre
outras coisas, completar-se no outro. É claro que jamais poderemos
completar ninguém em toda a sua plenitude, porque somos incapazes de
completar a nós mesmos. Somente Deus pode ser tudo em todos. Mas em
algumas áreas que ele tem dificuldade e necessidade, procuraremos
preencher, dar o nosso melhor. Se amamos, compreenderemos as suas
deficiências e nos disporemos sempre a ajudar. Ele, por sua vez, fará o
mesmo por nós e ambos teremos o suficiente para permanecermos felizes,
mesmo que em algumas áreas ambos ainda sintam alguma deficiência.
A
nossa insatisfação provém da vontade que temos de apenas receber,
jamais dar. É claro que a história muda quando de fato o outro não está
cumprindo com o seu papel. Mas precisamos pensar: pode ser que eu seja
esse outro da relação. É um pensamento comum que só buscamos lá fora o
que não temos no nosso casamento. Pode até ser que isso seja uma
verdade, mas é algo que começa pela falta de amor. Quando não amamos,
queremos apenas alguém do nosso lado para cumprir o seu papel de
mantenedor, e se esse papel não é bem representado, buscamos na multidão
alguém que queira representá-lo. Alguns estudiosos encontram
legitimidade nessa forma de completar-se, insinuando que não há problema
em ter vários relacionamentos e ir completando-se aos poucos em cada um
deles. Maria não é boa de cama, mas Joana é; Joana não me dá segurança
emocional, mas Marina dá; Marina não é companheira, mas Ana é. E por aí
vamos colecionando retalhos na tentativa de nos vermos felizes e
completos.
Mas
quando saímos do conforto ou do desconforto do nosso relacionamento e
buscamos lá fora aquilo que julgamos não ter aqui dentro, outro fenômeno
se manifesta que complica ainda mais a situação. Esse fenômeno é
comprovado através de inúmeros casos de relações extraconjugais e
segundos casamentos: o outro pode suprir uma falta nossa por algum
tempo, mas não por todo o tempo. Ainda outro problema é: a sua
eficiência em algumas áreas não esconderá a sua deficiência em outras.
No fim o que restará é aquela velha teoria dos muitos amores com a
justificativa de que cada um suprirá um pedaço das nossas necessidades.
Isto é amor ou um uso das pessoas para dar aquilo que queremos?
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