XIV – A comunhão dos santos
Havia
no mosteiro de Reichensberg um cônego regular, por nome Arnaldo, muito devoto
da Santíssima Virgem. Estando para morrer, chamou, após a recepção dos santos
sacramentos, os religiosos e pediu-lhes que não o abandonassem naquele último
momento. Apenas isto dissera, começou a tremer, a revirar os olhos e a suar
frio. Irmãos – perguntou com voz trêmula – não vedes os demônios que me querem
levar para o inferno? Invocai, meus irmãos, invocai por mim o auxílio de Maria;
eu nela confio; ela me fará triunfar. Rezaram então os presentes a Ladainha da
Mãe de Deus, e às palavras “Santa Maria, rogai por ele”, disse o moribundo:
Repeti o nome de Maria, pois já estou perante o tribunal de Deus. Parou um
pouco e depois acrescentou: É verdade, eu cometi este pecado, mas também dele
fiz penitência. Dirigindo-se à Santíssima Virgem, suplicou: Ó Maria, assisti-me
e eu serei salvo. De novo o assaltaram os demônios, mas Arnaldo se defendia com
o Santo Crucifixo e com a invocação do nome de Maria. Assim passou a noite
inteira. Ao alvorecer, completamente sereno, exclamou com alegria: Maria, minha
Senhora e meu refúgio, obteve-me o perdão e a salvação. Olhando em seguida para
a Virgem que o convidava a segui-la, disse: Já vou, Senhora, já vou. E fez um
esforço para levantar-se. Não podendo contudo segui-la com o corpo, seguiu-a
com a alma, ao reino da glória eterna, expirando docemente.[1]
História
Dentro da trilogia
indulgência-purgatório-comunhão-dos-santos, esta terceira aparece como cerne
das outras duas, isto é, a necessidade romanista de cultuar seus mortos e
garantir a eles e através deles, passagem segura para o céu. Parece-nos que a
relação do catolicismo com os defuntos (fiéis comuns, mártires e santos) é bem
mais profunda que a sua relação com o Deus “Vivo” e o Cristo “ressuscitado”,
embora afirmem que o fim de todos os seus dogmas e cultos são as três Pessoas
da Trindade. Todavia, conforme já tivemos a oportunidade de estudar, o fim da
adoração dos santos e dos mortos são eles próprios, procurando-se, através
deles, adquirir bênçãos e milagres.
Esta
relação com as almas desencarnadas tem as suas raízes nas religiões pagãs,
principalmente as egípcias, onde os mortos eram embalsamados para preservarem
seu corpo para a ressurreição. O cuidado que a Bíblia pede para com os defuntos
é bem mais simples e não demanda tantos rituais e cultos como apregoa o
catolicismo romano. Talvez o culto aos mortos (“comunhão dos santos”) seja um
reflexo da paganização da igreja romana que teve início com a oficialização do
cristianismo pelo imperador Constantino[2],
onde foi permitida a entrada de muitos pagãos no seio da igreja sem uma real
conversão, mas apenas por conveniência, muitas vezes política. Entrando os
pagãos, entraram também seus costumes e rituais que foram agregando-se ao que
já vinha sendo praticado, formando o que conhecemos hoje como Igreja Católica
Apostólica Romana.
Certo é que
o culto aos mortos foi introduzido na igreja romana por volta do ano 400,
juntamente com o sinal da cruz. Até então não era mencionado nos concílios e
outros documentos da igreja. Ele se manifesta, principalmente, através da Unção
dos Enfermos, que antigamente recebia o nome funéreo de Extrema Unção. Esta
prática é testemunhada nos dois primeiros séculos por Orígenes e Tertuliano.
A
“Tradição Apostólica” de Hilário (século III) faz menção da Unção dos Enfermos,
bem como o “Eucólogo de Serapião”, no século IV (...) No século VI, ano 416,
uma carta ao Papa Inocêncio I diz: “Este óleo abençoado pelo bispo não é
unicamente destinado ao uso pelos sacerdotes, como também por todos aqueles
fiéis que possuem autorização de usá-lo nas unções que se fizerem necessárias”.
Assim, houve um tempo em que era concedida a leigos a faculdade de ungir os
doentes. Depois a administração da Unção dos Enfermos ficou restrita aos
sacerdotes (...) No século VI, Cesário de Arles escrevia: “O doente que recebe
o corpo e o sangue de Cristo, peça humildemente e fielmente o óleo bento aos
sacerdotes, depois unja seu corpo, a fim de que se cumpra o que está escrito em
Tg 5, 13-14.”[3]
Mais adiante veremos com mais detalhes o que significa esta
doutrina e como ela é bem mais que um ato de caridade para com os mortos, mas
um verdadeiro culto e sacramento que pode dar-lhes a vida eterna.
Tanto a Unção dos Enfermos como é praticada
pela catolicismo romano quanto os outros tipos de culto que ainda veremos, não
são uma doutrina bíblica, embora o texto-base para a oração pelos mortos
encontre-se no Apócrifo de 2 Macabeus. Outros textos retirados do Novo
Testamento tentam de alguma forma provar a existência de tal doutrina, mas
servem apenas para denunciar o seu erro, porque todos apontam para uma comunhão
direta e intrínseca entre os cristãos rumo à eternidade, não contando nesta
comunhão os mortos, que descansam aguardando o dia do juízo final.
A comunhão do
corpo místico de Cristo
Como dissemos no início, a igreja romana mantém estreita
comunhão com seus fiéis que já partiram para o outro lado da vida. Esta
comunhão está muito além da simples lembrança dos que já se foram, da saudade
de um ente querido que partiu ou o cuidado que se deve ter com o seu enterro. É
uma união realmente mística, sobrenatural, onde ambos mantém contato direto
através de aparições e orações que são feitas pelos vivos em favor dos mortos.
Estes, por sua vez, influenciam diretamente no mundo dos vivos, guiando-os e
abençoando-os, intercedendo também por eles junto a Deus e a Cristo, mesmo as
almas menos santas. Não poucas vezes são protagonistas de milagres e sinais
maravilhosos aos olhos, que confirmam cada vez mais a fé dos que neles depositam
a sua confiança e esquecem-se de Deus. Eles são, também, um caminho para chegar
a Deus, em maior ou menor grau, dependendo do defunto.
O Catecismo da Igreja Católica afirma que os cristãos vivos
estão unidos aos cristãos mortos numa unidade sobrenatural do corpo místico de
Cristo. Esta comunhão tem dois significados: “comunhão das coisas santas” (os
tesouros da igreja que estão a disposição do pecador penitente) e “comunhão
entre as pessoas santas” (tanto os vivos quanto os mortos se ajudam mutuamente
através da intercessão, sacrifícios, etc.).[4]
Esta comunhão entre os católicos vivos e os que expiam suas penas no purgatório
redunda em benefício para ambas as partes, permitindo ao pecador contrito ser
purificado, mais cedo e mais eficazmente, das penas do pecado.[5]
Este tesouro a que a doutrina romanista se refere são os
méritos de todos os santos, em especial da Virgem Maria, conquistados em vida,
juntamente com os méritos de Jesus em sua morte vicária. Eles estão guardados
nos “cofres” da igreja, sendo liberados conforme a vontade do papa para aliviar
as dores das almas do purgatório, principalmente através das indulgências
plenárias. Como portador das chaves e detentor do poder de ligar-desligar, o
sumo pontífice utiliza-se deste tesouro da forma que bem lhe convier.
“Pertence,
além disso, a esse tesouro o valor verdadeiramente imenso, incomensurável e
sempre novo que têm junto a Deus as preces e as obras da Bem-aventurada Virgem
Maria e todos os Santos que, seguindo as pegadas de Cristo Senhor, por sua
graça se santificaram e totalmente acabaram a obra que o Pai lhes confiara, de
sorte que, operando para a própria salvação, também contribuíram para a
salvação de seus irmãos na unidade do corpo místico”.[6]
Esta comunhão, como se pode ver, está muito além do
saudosismo, mas ambos, vivos e mortos, podem contribuir para a salvação da
comunidade inserida neste corpo místico de Jesus através de suas orações e
sacrifícios, tendo o benefício do tesouros da igreja Mãe. Já o Compêndio do
Vaticano II apresenta os seguintes motivos para a veneração dos mortos: 1) eles
fazem parte do corpo místico de Cristo (seç. 134); 2) deve-se rezar por eles
(seç. 134); 3) os mártires e os santos estão no céu, estreitamente unidos a
Cristo (seç. 134); 4) eles nos servem de inspiração na nossa vida cristã (seç.
135); 5) a sua veneração é um exercício da caridade fraterna (seç. 136); 6)
devemos invocá-los e recorrer a eles, à sua intercessão com nossas orações e
súplicas (seç. 136). Entende-se que, como os mortos já estão no céu e mantém
contato mais próximo com a Trindade, a eles fica mais facilitada a aquisição de
bênçãos físicas e espirituais, bem como da salvação da alma. A sua estreita
união com Cristo confere-lhes o poder de atuar como intercessores e mediadores
entre os vivos e Deus, principalmente a Virgem Maria, tida como medianeira e
imperatriz do céu e da Terra.
O medo da
morte
Embora mantenham tal confiança nos mortos, é patente o medo
que os católicos romanos sentem da morte. É certo que não são todos, mas como vimos
no texto citado no início deste capítulo, muitos santos descrevem com pavor a
hora de sua passagem, mostrando a sua insegurança com relação ao porvir. Em sua
humanidade Cristo também tremeu diante da morte que deveria sofrer – morte de
cruz – chegando a suar sangue em sua agonia. Mas Ele aceitou pacificamente o
seu destino, porque sabia da glória que estava para ser revelada. A sua missão
como Cordeiro de Deus, a salvação da humanidade, a sua ressurreição e ascensão
para junto do Pai confortavam-no. Ele morreria com um propósito santo e
salvador, sabendo da grande obra que se realizaria através do seu sacrifício
voluntário. Ele tinha esperança em Deus e certeza da glória, a sua glória como
Rei.
Todavia, mesmo os maiores santos católicos deixam transparecer
em seus escritos as suas dúvidas quanto ao seu destino pós-morte. Não é errado
temer a morte, pois todos os que vivem amam a vida, principalmente uma vida em
abundância dada pelo Espírito Santo de Deus. Mas quando se pára para imaginar o
que é estar na presença do Senhor, num Reino sem lágrima ou sofrimento, a vida
terrena perde o sentido, o materialismo perde a importância e, como o apóstolo
Paulo, sente-se o desejo de partir para estar com Deus. Todavia, os que não tem
esta segurança, esta certeza de partir e encontrar com Deus, e o que é pior,
sabem que devem primeiro passar pelo fogo purificador do purgatório, sentem-se
amedrontados. Jesus, certamente, não temia a morte em si, mas a forma como ela
se daria, através do terrível castigo da crucificação. Morrer para Jesus era
estar com o Pai, mas o que será para o católico romano?
Podemos enumerar dois motivos para que os fiéis romanistas
temam a morte:
1. Mesmo
depois de uma vida inteira dedicada a Deus e à Santa Madre Igreja, rezando por
si mesmo e pelos mortos, praticando a caridade, mortificando-se e se
sacrificando, vivendo “piedosamente”, o católico romano não tem segura a sua
salvação. A salvação católica romana não é exclusivamente pela fé, mas é um
processo que começa com o batismo e se desenvolve no decorrer da vida do fiel,
através dos outros sacramentos[7] e
de uma vida dedicada à caridade. Todavia, mesmo depois de batizado, mesmo
depois de ter vivido piedosamente dentro da igreja de Roma – uma das condições
para a salvação – o fiel ainda sente-se inseguro, pois não sabe se tudo o que
fez foi o bastante, o suficiente; não sabe se conseguiu alcançar o grau máximo
de santidade exigido pela igreja para ingressar no Reino de Deus. Quem o
saberá? Somente algumas pessoas que morreram depois de viver um exemplo de
santidade e tiveram a sorte de serem martirizadas ou canonizadas pelo papa, são
consideradas como moradores do céu, sem precisarem passar pelo sofrimento do
purgatório. Mas existe nisso um dificuldade: os santos católicos são
canonizados somente após a sua morte, por meio de milagres comprovados pelo
Vaticano, o que demanda anos. Isto quer dizer que, no momento de sua morte, não
eram assim consideradas, embora já dessem estes sinais de santidade. O que nos
leva a pensar que também morreram sem saber o seu destino, ou crendo que ainda
sofreriam muito no purgatório. Ainda: a canonização os transporta imediatamente
ao céu? Ou considera-se que eles já estão no céu e por isso são canonizados?
2. Todas
estas dificuldades, estas dúvidas do pós-morte, este medo da eternidade são
causados pela doutrina romanista que afasta as almas da certeza da salvação,
criando um lugar de purificação no qual todos têm de passar entes de “merecer”
o céu. Esta ida para o purgatório cria um certo medo da morte. Na catequese,
desde cedo, ensinam sobre este lugar, sobre o fogo purificador que ali existe.
Não um “inferno em miniatura”, como disse certo autor, mas de qualquer forma um
lugar com fogo, e fogo queima. Quem já sofreu alguma queimadura com fogo sabe o
quanto deve ser terrível este lugar, por mais brandas que as coisas sejam por
lá. Contudo, ainda existem aqueles fiéis que não temem ir para o purgatório,
pois consideram-se dignas do inferno ou acham que suas obras ainda não foram o
suficiente para merecer pelo menos o estágio intermediário.
Uma oração
chamada “Oração à Nossa Senhora para obter uma boa morte” é um exemplo de como,
mesmo os mais renomados santos católicos, tremeram diante da morte, não da
forma como iriam morrer, mas da dúvida e do medo do seu destino que, apesar de
sua vida santa, parecia ainda não estar selado pelo Espírito Santo.
Ó Maria, doce refúgio dos pecadores, quando soar para
a minha alma a hora de sair deste mundo, vinde em meu socorro com vossa
misericórdia, ó Mãe cheia de doçura. Fazei-o pelas dores que sentistes aos pés
da cruz na qual morria vosso Filho. Afastai então de mim o infernal inimigo, e
vinde receber a minha alma e apresentá-la ao eterno Juiz.
Ó minha Rainha, não me desampareis. Vós haveis de ser,
depois de Jesus, meu conforto neste terrível momento. Obtendo-me da bondade de
vosso Filho a graça de morrer eu abraçado a vossos pés e de exalar minha alma
dentro de suas sacratíssimas chagas, dizendo: Jesus e Maria, eu vos dou o meu
coração e a minha alma.[8]
Ora, embora pregasse que Maria
era poderosa para livrar as almas do purgatório e mesmo do inferno, e embora
este santo católico garantisse em seu livro que os fiéis servos e devotos de
Maria mereceriam o céu clamando por seu nome, ele ainda temia os demônios virem
buscar a sua alma na hora de sua morte. Por quê? Porque a sua confiança não
estava depositada no único capaz de salvar totalmente: Jesus Cristo. Neste medo
os católicos procuram se apegar ao máximo com os que já morreram, por estarem
mais perto de Cristo, para verem suas próprias dores aliviadas.
A unção dos
enfermos
Vimos anteriormente como foi surgindo durante os primeiros
séculos da era cristã a doutrina da Unção dos enfermos, embora em seu início
ela não tivesse o caráter de sacramento que tem hoje. Quando tratamos sobre o
tema Superstição tecemos alguns comentários sobre o “azeite da unção” que, no
catolicismo romano, é benzido pelo padre. Esta prática, embora encontre
respaldo bíblico como veremos mais adiante, chegou aos dias de hoje totalmente
deturpada, voltada mais para um culto aos mortos que o benefício da unção em
si, como terapia e perdão dos pecados cometidos. Além disso, o poder que
realmente opera no momento da unção – a fé – foi transferido para o óleo e o
sacramento que está sendo realizado, confundindo a Palavra de Deus e induzindo
os fiéis católicos a uma prática pagã e antibíblica.
Se hoje esta unção é considerada como um sacramento,
devemos, antes de tudo, voltar nosso entendimento para o que significam os
sacramentos para o catolicismo romano. Entre outras inúmeras coisas, os
sacramentos[9]
: são necessários à salvação (1129); são ações do Espírito Santo (1116); nos
unem a Cristo (950); proporcionam crescimento e cura aos membros de Cristo
(798); são sinais da remissão de Deus (2839); comunicam a graça da salvação por
eles significada (1127-29); prenunciam a glória futura da vida eterna (1130);
constituem a unidade dos cristãos (1126); comunicam o Espírito Santo aos
membros do corpo de Cristo (739); perdoam os pecados (977, 987); tornam os
cristãos filhos de Deus (1692). Cada sacramento age, desta forma, dentro da sua
especificidade, sendo que a unção dos enfermos, segundo nos parece, tem o poder
de curar os enfermos e livrar a sua alma do inferno, ou amenizar as suas dores
no purgatório. Além disso, é patente o seu poder regenerador, santificador e
salvítico.
Antigamente, sob o nome de “Extrema Unção”, a Unção dos
Enfermos era ministrada somente nos casos mais graves, onde a morte era tida
por certa, ou em pessoas de idade mais avançada. Atualmente, esta Unção visa,
também, a cura do doente, mas não é o seu foco principal. É bastante
conveniente que este sacramento seja celebrado dentro da Eucaristia, como
último sacramento da peregrinação terrestre, pelo presbítero da igreja
(1517-1519). Os seus efeitos são: um dom particular do Espírito Santo, curando
o corpo e a alma do enfermo (1520); união com a paixão de Cristo, tornando o
sofrimento em participação na obra salvítica de Jesus (1521); uma graça
celestial, que está diretamente ligada à “Comunhão dos Santos” (1522); uma
preparação para a última passagem, fortalecendo o fim da vida terrestre e
fornecendo forte baluarte para a entrada no céu (1523).
A
“Extrema Unção”, que também e melhor pode ser chamada “Unção dos Enfermos”, não
é um Sacramento só daqueles que estão nas vascas da morte. Portanto, tempo
oportuno para receber a Unção dos Enfermos é certamente o momento em que o fiel
começar a correr perigo de morte, por motivo de doença ou de idade avançada.[10]
Toda esta absurda doutrina romanista está baseada em um
único texto da Bíblia: Tiago 5:14,15. Este texto, porém, é insuficiente para o
entendimento de tais afirmações, levando o catolicismo romano a apelar para a
Tradição. O que podemos entender do referido texto é o seguinte:
1. Esta
passagem sugere que os “presbíteros” e não os “sacerdotes” orem pela cura dos
doentes. Embora o padre também seja chamado de “presbítero” – dependendo da
conveniência – está claro que a sua função é estritamente sacerdotal. Assim se
expressa o Concílio de Trento:
910.
Quando se trata de designar quais são os que devem receber e quais os que devem
administrar este sacramento, explica-se também [isto] nas sobreditas palavras
com clareza. Porque nelas se mostra que os verdadeiros ministros deste
sacramento são os presbíteros da Igreja [cân. 4]; e sob esta denominação não se
devem entender, neste contexto, os mais idosos ou os magnatas do povo, mas os
bispos e os sacerdotes validamente por eles ordenados pela imposição das mãos do presbitério (l Tim 4, 14) [cân. 4].
2. Esta
oração não é um rito sacramental nem tem o poder de conferir salvação ao
doente. Certamente a unção era praticada entre “as doze tribos que encontram-se
dispersas” (v. 1), isto é, a igreja que estava dispersa devido à grande
perseguição. No versículo 14 ele indaga: “Está alguém entre vós doente?”, o que nos leva a crer que o enfermo seria
alguém que já fazia parte da igreja, um convertido. Se era convertido, já
estava salvo, de modo que a Unção não teria poder ou necessidade de salvá-lo do
inferno.
3. Desta
forma, Tiago trata da cura e restabelecimento do enfermo e não de uma possível
salvação após a morte. A salvação da alma aqui nem está em questão. Ainda que
estivesse, seria através do arrependimento e da fé e não pelo simples passar de
um óleo ou a oração de outrem, pois a salvação é uma decisão pessoal. Ao
contrário disto, assim se expressa o Concílio de Trento:
909.
Na verdade o fruto e o efeito deste sacramento vêm explicados nestas palavras: E a oração da fé salvará o enfermo e o
Senhor o aliviará; e se estiver em pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tg 5,
15). Este fruto é a graça do Espírito Santo, cuja unção purifica as culpas, se
houver ainda alguma para expiar, e apaga os remanescentes do pecado,
fortalecendo e confirmando a alma do enfermo [cân. 2], excitando nele grande
confiança na divina misericórdia, alívio que faz com que sejam menos penosos os
incômodos e os trabalhos da enfermidade, podendo assim mais facilmente resistir
às tentações do demônio que traiçoeiramente
o persegue (Gên 3, 15); e ainda algumas vezes, quando assim é conveniente à
salvação da alma, concede [esta unção] a saúde do corpo.
4. Há
grande diferença, portanto, entre a unção recomendada por Tiago aos enfermos e
aquela praticada pelo catolicismo romano. Em Tiago o que está em vista é a recuperação
do doente. Não há indícios de que esta unção era para ser ministrada somente em
pacientes muito velhos ou em estágio avançado de doença, já próximos à morte,
como ocorre na doutrina romanista. Embora creiam que possa haver a recuperação
do doente, a Unção dos Enfermos é ministrada claramente com o intuito de
garantir ao paciente uma boa “passagem”.
Também se declara que esta unção se deve aplicar aos
enfermos, principalmente àqueles que jazem em tal perigo, que parecem estar no
fim da vida, donde vem, aliás, o chamar-se sacramento dos que partem
(sacramentum exeuntium).[11]
5. A
doença a que Tiago se refere também pode estar associada à causas espirituais,
como um castigo divino pelos pecados cometidos. Mas a cura aqui é primeiramente
física. O rei Davi enfrentou sérias enfermidades decorrentes de pecados
(doenças psicossomáticas?): envelhecimento dos ossos, gemidos constantes e
sequidão (Salmo 32:3,4). Somente depois que confessou o seu pecado e recebeu de
Deus o perdão é que a sua saúde foi restabelecida (v. 5). Tanto a cura física
quanto a espiritual apresentada por Tiago seguem-se após a “oração de fé”. O
perdão dos pecados é conseqüência da confissão e oração: “Confessai, pois, os
vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados.
Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (v. 16). Problemas
espirituais devem ser tratados no campo espiritual. O óleo – em conjunto com a
fé – cura a enfermidade do corpo e a confissão dos pecados cura as enfermidades
da alma.
6. Embora
tenha exortado aos presbíteros que orem pelo enfermo, Tiago não formulou
nenhuma maneira específica, nenhuma fórmula de recitação da oração de cura.
Contudo, quando o sacerdote, em qualquer parte do mundo, reza por um enfermo,
utiliza-se de uma oração pré-formulada pela igreja de Roma:
Por
esta santa unção e por sua puríssima misericórdia, o Senhor venha em teu
auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele
te salve e, em sua bondade, alivie teus sofrimentos.[12]
É, portanto, equivocada a unção que pretende conferir
salvação da alma ao enfermo sem que este necessite de uma confissão cheia de
arrependimento e fé em Jesus Cristo. Não nos prenderemos neste assunto, pois já
foi discutido no capítulo referente à “salvação pessoal”. Esta doutrina,
todavia, ainda se desdobra em mais uma: a oração pelos mortos, pois pode
acontecer do enfermo não resistir à doença e morrer. Começa aí outra
peregrinação de doutrinas em direção ao culto aos mortos, ou “comunhão dos
santos”, como a igreja romana costuma chamar.
Oração pelos
mortos
O culto aos mortos
parece ser o centro de toda a fé do catolicismo romano. Cultuam os santos
(pessoas já mortas) e pedem a sua intercessão, rezam por eles e lhes prestam
homenagens. Mesmo afirmando que todo o fim deste culto é a glorificação do Nome
de Deus, o que vemos é que os defuntos ocupam maior espaço que a própria
Trindade na fé de seus fiéis. Rezar pelos que já morreram, pelas almas, é uma
prática que o fiel católico aprende desde a mais tenra idade. Conforme vai
crescendo, os fantasmas dos que já morreram o acompanham nos enterros, nas
missas de sétimo dia, nas promessas (feitas a santos mortos) e nos sacramentos,
principalmente na Eucaristia. Rezar pelos que já se foram é sinônimo de
caridade cristã, além de uma forma eficaz de aliviar a pena deles do purgatório
e dos que rezam, antes de irem para lá.
O texto áureo para a compreensão desta doutrina é o apócrifo
2 Macabeus, capítulo 12, versículos 43 a 45. Sobre este texto sustenta-se toda
a base da oração pelos mortos e dos sacrifícios em seu favor. A ele vêm-se
juntar outros textos igualmente insuficientes para asseverar tal doutrina
antibíblica. Para compreendermos o seu significado dentro do catolicismo
romano, precisamos rever tudo o que já vimos sobre o purgatório e as
indulgências. Conforme estudamos em capítulo anterior, o purgatório é um lugar
de purificação através do fogo, onde aqueles cristãos que cometeram pecados
leves (veniais) após o batismo e não tiveram a oportunidade de pagarem o mal que
causaram a Deus e às suas almas vão para repararem o mal causado, dependendo,
assim, das missas rezadas pelos vivos e das esmolas e sacrifícios oferecidos em
sua lembrança. Não vão para o purgatório aqueles que cometeram pecados mortais;
estes, nos parece, vão direto para o inferno, a não ser, é claro, que Maria
tenha piedade deles e os introduza diretamente no paraíso, mesmo que, em vida,
jamais tenham buscado a Deus e se arrependido dos seus pecados, como os que
pecam contra o Espírito Santo.
Nos documentos pesquisados, o texto de Macabeus parece ser o
único do Antigo Testamento (lembrando que é um apócrifo) apresentado pela
igreja romana para asseverar a doutrina da oração pelos mortos. Parece ser,
também, o único a falar diretamente sobre o assunto, delineando-o claramente.
Todavia, devemos analisá-lo em todo o seu contexto, levando em conta o que já
citamos sobre o purgatório e as indulgências. Se é para este lugar de
purificação que as almas vão, é certo que o livro de Macabeus faz aí alguma
referência a tal doutrina, ainda que os sacrifícios do Antigo Testamento e o
sacrifício de Cristo na cruz sejam totalmente diferentes no que diz respeito à
salvação e o perdão dos pecados, e embora os sacrifícios que os antigos faziam
sejam diferentes dos que são praticados hoje no catolicismo romano.
Contexto e refutação
2 Macabeus 12 é o relato de uma batalha travada entre o povo
judeu e Górgias, governador da Iduméia (v.32), que saiu para enfrentá-los
comandando três mil soldados de infantaria e quatrocentos cavaleiros (v. 33).
Assim que começou a batalha, alguns judeus caíram mortos (v.34). Porém, a
vitória veio após Judas ter invocado o nome do Senhor, expulsando os soldados
de Górgias (vs. 36, 37). Após a purificação e a celebração do Sábado, os homens
de Judas foram recolher os que haviam sido mortos em batalha à fim de
sepultá-los. Foi então que encontraram, por debaixo da roupa de cada um dos
mortos, objetos consagrados aos ídolos de Jamnia, coisa proibida pela Lei para
os judeus (v. 40). Ficou manifestado, então, o motivo da morte daqueles homens,
o que levou os outros a louvarem a maneira de Deus agir com relação às coisas
ocultas (vs. 40, 41). Até este ponto poderíamos concordar com todo o relato do
texto, pois a idolatria sempre foi um pecado condenado por Deus, muitas vezes
culminando com a pena de morte. Entretanto, a reação de Judas e do povo de
Israel foi se colocarem em oração para suplicar a Deus pelo pecado cometido por
aqueles homens (v. 42). Fazendo uma coleta, reuniram duas mil moedas de prata e
enviaram a Jerusalém a fim de que fosse oferecido um sacrifício pelo pecado (v.
43; aqui podemos fazer uma ponte até as indulgências). O texto afirma a
esperança de Judas e de todo o Israel na ressurreição dos que tinham morrido em
batalha (v. 44), considerando que existe uma recompensa guardada “para aqueles
que são fiéis até a morte”, por isso mandou Judas oferecer um sacrifício pelos
mortos para que fossem libertos do pecado (v. 45).
Sobre este texto, o comentário de rodapé da Bíblia Sagrada,
edição pastoral, da editora Paulus, declara:
Pela
primeira vez neste livro fala-se da morte dos judeus em pleno combate e da
oração pelos mortos. O texto discorre sobre a ressurreição no mesmo contexto de
7, 1-42[13]
(cf. nota). Esses que morreram na luta são considerados fiéis (v. 45) e,
portanto, dignos da ressurreição. Entretanto, o v. 40 coloca uma questão: a
morte deles teve outro motivo, além da luta pelo projeto do povo. Então, para
que o erro deles não seja empecilho na participação da vitória final, é oferecido
o sacrifício pelo pecado (cf. Lv 5), reintegrando esses irmãos mortos à
comunidade de vida. É possível que o mesmo sacrifício tenha sido oferecido para
a purificação da comunidade (cf. Js 7).
Como apócrifo que
é, este livro não nos oferece nenhuma credibilidade espiritual, nem mesmo
reivindica ser divinamente inspirado. O modo como Deus age em muitas situações
descritas pelo autor difere de maneira acentuada dos escritos canônicos aceitos
pelo protestantismo e mesmo pelo judaísmo. Voltando nossos olhos para as
Sagradas Escrituras e todos os seus textos divinamente inspirados e aceitos
também pela igreja católica romana, veremos que este ensinamento que acabamos
de transcrever em nada confere com o que Deus disse e fez no meio do seu povo.
De fato não encontramos em nenhuma outra parte da Bíblia alguma alusão à oração
pelas pessoas que já morreram, santas ou não, principalmente para que sejam
purificadas dos erros cometidos em vida. O que a Palavra de Deus nos mostra é
que nossos pecados, se não expiados por Cristo através da fé, nos acompanham na
eternidade, o que pode nos custar o inferno como morada derradeira.
É necessária uma
rápida análise de 2 Macabeus 12:43-45 para que possamos entender o que de fato
a Palavra de Deus diz sobre o assunto. Se for possível e necessária a
intercessão pelos mortos, em algum lugar da Bíblia deveremos encontrar.
1 – O v. 45 afirma que há uma
bela recompensa para aqueles que são fiéis até a morte. Mas aqueles homens que
morreram foram fiéis a quê ou a quem? Eles partiram para a batalha pelo ideal
do povo como todos os outros e aí pode estar a sua fidelidade. Fiéis à sua
causa, à causa de seus companheiros, de seu líder, mas não fiéis a Deus. O v.
40 deixa claro que a morte daqueles homens foi pelo pecado da idolatria. Ora, a
Palavra de Deus trata o pecado da idolatria como um pecado de infidelidade e
desobediência contra Deus (Levítico 26:30). Como, portanto aqueles homens foram
fiéis até a morte? Eles carregavam debaixo de suas vestes ídolos; talvez os
tivessem furtado ou o estivessem utilizando como talismãs para lhes proteger
naquele momento de luta. Seja como for, o caso é que estavam de posse daqueles
objetos proibidos pela Lei de Deus aos judeus. Como poderiam, então, participar
da ressurreição?
2 – O v. 45 também nos mostra
a tolerância de Judas para com o pecado da idolatria. Em outros textos do
Antigo Testamento a forma como Deus trata este pecado é bastante diferente. Por
exemplo:
a) O livro de Gênesis em seu
capítulo 32 mostra a impaciência do povo de Israel ante a demora de Moisés no
Monte Sinai (v. 1). Eles não sabiam o que havia acontecido com seu líder e
decidiram agir por conta própria, fabricando o seu próprio deus, dizendo: “São
estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito” (vs. 2-4),
colocando-o sobre um altar (v. 5). O dia seguinte foi de festas e holocaustos,
assentando-se o povo para comer e beber e levantando-se para se divertir (v.
6). Mas Deus viu que seu povo estava trilhando caminhos errados e disse a
Moisés que descesse do Monte e fosse ver, pois Ele acenderia contra eles o seu
furor e os consumiria, fazendo de Moisés uma grande nação (vs. 7-10). Neste
momento “houve intercessão pelos que cometeram o pecado da idolatria por parte
de Moisés” (vs. 11-13). “Então, se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia
de fazer ao povo” (v. 14). Todavia, ao descer do Monte com as tábuas da Lei,
foi a ira de Moisés que se acendeu contra o povo em sua festa idólatra (vs.
15-19). Arão, interpelado por Moisés, reconheceu que aquele povo era propenso
para o mal e havia arquitetado tudo aquilo (vs. 21-24). O final desta história
foi trágico, mesmo depois de suplicar Moisés pelo povo. Ele mesmo ordenou que
aqueles que haviam se contaminado com a idolatria fossem mortos, irmãos, amigos
e vizinhos (vs. 25-28), caindo do povo, naquele dia, uns rês mil homens.
Este texto nos mostra claramente a intolerância de Deus para
com aqueles que o trocam por ídolos mortos. Embora tenha “se arrependido” do
mal que disse que iria fazer contra o povo, ouvindo a intercessão de Moisés, a
sua palavra se cumpriu através do próprio Moisés, que mandou matar os
idólatras. Aqui existem muitas diferenças da forma como o líder Moisés conduz o
povo e a forma como Judas Macabeu conduzia o seu. O primeiro zelava pelo Nome de
Deus, o segundo era tolerante com os idólatras. Outro fato que devemos observar
é que Moisés intercedeu pelo povo de Israel enquanto ainda estavam vivos e
tinham condições de se arrepender, como mostra o v. 26. No caso do livro de
Macabeus, Judas oferece sacrifício pelos que já haviam morrido, sem condições
de se arrependerem do mal que causaram.
Mais
adiante no livro de Gênesis, capítulo 32, os vs. 30-35 mostram nova intercessão
de Moisés pelo povo: “Vós cometestes grande pecado; agora, porém, subirei ao Senhor
e, por ventura, farei propiciação pelo vosso pecado” (v. 30). Esta nova
intercessão, todavia, recebeu de Deus uma reprimenda, pois Deus riscaria a
todos os que pecaram contra Ele do seu livro (v. 33): “Feriu, pois, o Senhor ao
povo, porque fizeram o bezerro que Arão fabricara” (v. 35). Não houve por parte
de Moisés nenhum sacrifico pelo povo que havia morrido para que seus pecados
fossem perdoados após a sua “passagem”; também não houve sacrifico pelos
pecados daqueles que ficaram vivos, porque Deus já decretara a sua sentença. O
que o catolicismo romano pretende com a oração pelos mortos é tentar mudar a
sentença de Deus, isto é, tentar introduzir à força no céu aquelas pessoas que,
para Deus, devem ir para o inferno. Para isso contam com os santos já mortos e
com Maria, mãe de Jesus. Talvez eles que estão tão próximos de Deus podem
conseguir tal “milagre”.
b) O livro de Deuteronômio
mostra a preocupação de Deus com o seu povo quando este invadia as cidades e as
tomava pelo Seu poder. Ele sabia, assim como Arão no texto anterior, que o seu
povo era propenso ao mal, principalmente à idolatria. Por isso exorta que, caso
haja alguém no meio do povo que praticou abominação, procedendo mal aos olhos
do Senhor, transgredindo a sua aliança, servindo a outros deuses, adorando o
sol, a lua ou a todo o exército do céu[14],
seja levado às portas da cidade e apedrejado (17:1-7). Não foi instituído aqui
nenhum sacrifício por este pecado, mas este levaria ao perigo de uma morte
judicial, onde testemunhas deporiam contra o que praticara a idolatria[15].
c) A idolatria jamais trouxe
boas conseqüências para o povo de Israel. Em Jeremias 8:2,3 e, principalmente,
16:1-11 vemos que terríveis conseqüências ela lhes causou, de modo que nem
mesmo pranto deveria haver pelos que morriam por este pecado. Em outros textos
ela é punida com o banimento[16]
(Oséias 8:5-8; Amós 5:26,27).
d) É no Novo Testamento,
porém, que a punição ao pecado da idolatria se mostra mais severa, pois os
idólatras são excluídos do céu (1 Coríntios 6:9,10; Apocalipse 22:15) e,
finalmente, partem para o seu destino final, os tormentos eternos do inferno
(Apocalipse 14:9-11; 21:8). Entretanto deve-se salientar que não estamos mais
debaixo da Lei e sim da Graça, de modo que o idólatra que se arrepender e se
converter ao Deus vivo e Verdadeiro pela fé em Cristo Jesus, abandonando a
idolatria, tem o seu ingresso no céu garantido pela Palavra de Deus. E esta é
uma decisão a ser tomada ainda em vida, pois depois que a morte chega, iremos
para o destino que escolhemos: céu ou inferno, sem chance de oração pelos
mortos e purgatório para pagar pelo que não pôde ser pago a tempo.
3 – Se compararmos estes
textos com o de Macabeus, veremos que em momento algum eles se equiparam. Pelo
contrário, o apócrifo utilizado pelo catolicismo romano contradiz as verdades
bíblicas e anula a Palavra de Deus. Nos textos inspirados os idólatras pagam
pelo seu pecado; já no texto apócrifo, apesar do aparente castigo sofrido pela
ocultação das coisas proibidas na Lei, existe uma chance para o perdão após a
morte, através de sacrifícios pelos pecados, mesmo sem arrependimento por parte
dos pecadores que trocaram o Deus vivo e verdadeiro por ídolos mudos.
4 – O texto de Levítico 5
citado pelo comentarista da bíblia católica diz respeito aos sacrifícios pelos
pecados ocultos (vs. 1-13), pelo sacrilégio (vs. 14-16) e pelos pecados de
ignorância (vs. 17-19). Os três sacrifícios estão relacionados àqueles pecados
cometidos pelo povo de Israel, mas nada nos leva a crer que eles adiantariam
para os que já morreram. Pelo menos não há relatos bíblicos de Deus entregando
a Moisés mandamentos referentes aos sacrifícios pelos pecados dos defuntos.
Aqui, inclusive, necessita-se da confissão dos pecados (v. 5). Após o
sacrifício, o pecado era imediatamente perdoado (vs. 10,16 e 18). Estando já
mortas, como poderiam as pessoas se arrepender do pecado que haviam cometido?
Mesmo que se arrependam (e isto provavelmente pode acontecer assim que enxergam
a Glória de Deus e pensam em quanto tempo perderam podendo se emendar e não o
fizeram, estando agora destinados à tortura eterna), o seu tempo já passou, a
sua chance já foi dada e desperdiçada.
5 – Outro texto citado (Josué
7) mostra que a ira do Senhor se acendeu contra o povo de Israel, porque Acã,
da tribo de Judá, havia tomado coisas condenadas (v.1). O relato aqui possui
algumas semelhanças com os fatos ocorridos em 2 Macabeus. Josué enviara alguns
homens até Ai para espiar aquela terra (v. 2). Ao voltarem aqueles homens,
disseram a Josué que não enviasse todo o povo, mas apenas uns dois ou três mil
homens (v. 3). Estes foram e fugiram diante dos homens de Ai (v. 4). Foram
feridos uns 36 e o restante foi perseguido até que foram derrotados (v. 5).
Então Josué rasgou suas vestes e pranteou junto com os anciãos de Israel,
murmurando pelo que acontecera, chegando a dizer que deveriam ter permanecido
além do Jordão (vs. 7-9). Deus, então, o repreendeu, dizendo que Israel havia
violado a sua aliança, roubando as coisas proibidas e chegando a ocultá-las
debaixo da sua bagagem, por isso Deus já não era por eles e permitiu que fossem
derrotados (vs. 10-12). Disse, também, o Senhor a Josué que deveriam se
santificar, pois não estaria com eles até que eliminassem do seu meio as coisas
proibidas que estavam escondidas (v. 13). Disse-lhes ainda que lançassem a
sorte sobre as tribos e, sobre quem a sorte caísse, deveria ser eliminado, ele
e tudo quanto tiver, porque violou a aliança do Senhor e fez loucura em Israel
(vs. 14,15). A sorte caiu sobre aquele que havia cometido tal pecado. Disse,
então, Josué: “Filho meu, dá glória ao Senhor, Deus de Israel, e a ele rende
louvores; e declara-me, agora, o que fizeste; não mo ocultes” (vs. 18,19). Acã
reconheceu o seu erro (vs. 20,21), mas ainda assim pagou pelo que fez diante de
Deus (vs. 22-26). O desfecho desta triste história mostra a intolerância de
Deus para com o povo idólatra. Não houve aqui, como houve em Gênesis 32,
intercessão pelo pecador, muito menos oração pela sua alma após a morte, como
em Macabeus. Ao contrário, o povo saiu para guerrear e voltou vencedor (cf.
capítulo 8).
Esta breve explanação nos mostra que a idolatria é um pecado
condenado por Deus e que no Antigo Testamento Deus se mostrava muitas vezes
radical contra aqueles que a praticavam, como forma de zelar pelo seu Nome e
pela santidade do povo que Ele escolhera. Ainda hoje a idolatria é condenada e
os seus praticantes são chamados ao arrependimento. Deus não pede mais que
sejam exterminados, queimados, apedrejados, mas seu destino, se não se
converterem ao Deus vivo e verdadeiro, será muito pior do que isso: o lago a
arder eternamente com fogo e enxofre. Para estes não cabem orações,
indulgências ou mortificações e esmolas, pois em vida escolheram o seu destino
pós-morte. A oração de intercessão cabe aos vivos pelos vivos que ainda tem a
chance de se emendarem de seus pecados e voltarem-se para Deus, aceitando pela
fé a Cristo Jesus e buscando cumprir a sua Palavra.
Um outro texto nos revela a insistência romanista em
apregoar a oração a favor dos mortos, como uma tentativa última e extremada de
ver seus entes queridos gozando da paz do Paraíso, mesmo sem haver, em vida,
crido em Deus e na sua Palavra. Mas não é somente isto. Como já vimos
anteriormente, a relação dos fiéis católicos romanos com os mortos é bastante
conveniente do ponto de vista do Vaticano, pois através desta relação é que
surgem as Missas e indulgências pagas em favor dos defuntos, rendendo verbas
para a Santa Sé. O texto abaixo mostra que a oração também tem poder
“retroativo”, isto é, pode-se orar hoje por coisas que aconteceram ontem,
podendo, portanto, um vivo orar pelo pecado que o morto cometeu antes de
falecer.
E
sabemos que a oração tem efeito retroativo, isto é, vale também para o passado.
Podemos rezar hoje para que uma pessoa falecida à dez anos tenha encontrado o
perdão junto de Deus na hora de sua morte. A oração não está presa no tempo.
Ela vale para o passado, para o futuro e para o presente (...) Sem dúvida,
rezar pelos defuntos é certo e bom. Mas tem uma coisa: o mais importante é a
nossa vida (...) Creio firmemente no poder da oração, mas não sei se alguém que
viveu como pagão, desprezando a graça de Deus, será salvo com missa de sétimo
dia e aquela cruz sobre a sepultura.[17]
A incerteza do autor expressa a certeza bíblica da salvação
pela fé em Cristo Jesus, nosso Senhor e Salvador. Mas como o catolicismo romano
não permite a seus fiéis terem certeza do perdão de Deus e da sua salvação, a
oração pelos mortos aparece como uma forma de abrandar o sofrimento deles no
purgatório e abreviar suas dores, além de reparar os “estragos” causados pelos
pecados cometidos em vida, como afirma Pe. Artur Betti:
Além
das orações a Deus pelos falecidos, cujos pecados não são “... para a morte” (1
Jo 5,16-17), existe outra dimensão da oração pelos mortos, esquecida ou
ignorada por muitos. É a oração pelos
falecidos em razão do pecado perdoado, ou melhor, em razão das marcas, dos
estragos que, por acaso, o pecado tenha deixado na pessoa.[18]
O que podemos extrair deste texto? Simplesmente que, mesmo
depois que Deus perdoa o pecador, ainda resta a restauração pelo estrago que o
pecado lhe causou, isto é, o perdão de Deus não tem poder regenerador e
purificador, mas apenas judicial: a dívida é perdoada, mas as conseqüências
acompanham a alma no além-túmulo. Mas que estragos são esses? Se formos pensar
em termos de pecado original, as marcas que carregamos são do próprio pecado em
si, que macula a nossa alma e a deixa suja diante de Deus. Assim exclamou o
profeta Isaías ao contemplar a Deus: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou
homem de lábios impuros, habito no meio dum povo de impuros lábios, e os meus
olhos vira mo Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Isaías 6:5). Todavia, o profeta
teve os seus lábios purificados pela brasa viva do altar e os seus pecados
perdoados (vs. 6,7). Da mesma forma temos o nosso coração purificado pelo
sangue de Cristo de todo pecado (1 João 1:7), obtendo através dele remissão e
redenção (Efésios 1:7). Conforme já tivemos a oportunidade de aprender no breve
estudo sobre o perdão de Deus, as nossas faltas são perdoadas, esquecidas e não
mais levadas em conta.
Se pensarmos em termos de pecados praticados após a
conversão do pecador ao Evangelho da Salvação, devemos levar em conta a
natureza humana pecaminosa. Não é o ato pecaminoso que macula a alma do
cristão, como se ele se tornasse impuro somente depois de cometer adultério,
por exemplo. O pecado já está dentro dele, esperando o momento de aflorar, a
oportunidade de se pôr em prática. Não é necessário que ele peque para sujar seu
coração, pois este já é naturalmente sujo (cf. Mateus 15:17-20). Dentro dele há
uma (ou algumas) cobiça específica que o tenta a fazer o que é errado. No
entanto, Deus se compadece do pecador que se arrepende e se aproxima dEle com
coração humilde em busca de perdão; mesmo que este esteja tendencioso a cair
novamente, o ato praticado é perdoado e esquecido, não deixando marca alguma na
alma. O perdão de Deus alivia nossa alma e a deixa preparada para fazer a sua
vontade. A misericórdia de Deus – como já vimos várias vezes aqui – é eterna e
perfeita. O pecador pode morrer em paz, sabendo que suas vestes já foram
alvejadas e que seu Advogado, Jesus Cristo, pleiteia a sua causa. Como
argumento ao nosso favor Ele usa a sua própria morte vicária, que pagou nossa conta
com o Pai Celeste.
No dia do juízo cada um dará conta de si a Deus. Mas quando
estiverem diante do seu tribunal, já estarão julgados: os que creram em Jesus
irão para a vida eterna e os que se mantiveram rebeldes à salvação gratuita de
Deus, irão para o inferno. São duas ressurreições: a ressurreição da morte e a
ressurreição da vida (cf. Apocalipse 20:1-6,14; 21:8; 1 Tessalonicenses 4:16;
João 6:40; Judas 7; etc.) Os que morreram com Cristo morreram resgatados
(Gálatas 3:13; 4:5; 1 Pedro 1:18; 2 Pedro 2:1; Mateus 20:28; 1 Timóteo 2:6;
Efésios 1:14), regenerados (1 Pedro 1:23), santificados (Atos 26:18; 1
Coríntios 6:11; 1 Tessalonicenses 5:23; Hebreus 2:11; 10:10,14; 13:12),
purificados (2 Coríntios 7:1; Efésios 5:26; Hebreus 9:14; Tiago 4:8; 1 Pedro
1:22; 1 João 3:3) e salvos (Romanos 1:16; 5:9; 10:9; 1 Tessalonicenses 5:9;
Hebreus 9:27; 1 Coríntios 15:2; 2 Timóteo 1:9;
2:4; Tito 3:5). Das trevas passaram para a luz e da vontade da carne
para a verdade de Deus.
Pois
nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de
toda sorte de paixões e prazeres, vivendo em malìcia e inveja, odiosos e
odiando-nos uns aos outros. Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus,
nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça
praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador do Espírito Santo, que
ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus, nosso Salvador, a fim de
que, justificados por graça, nos
tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna (Tito 3:3-7;
grifo nosso).
Não há mais o que reparar,
pois toda reparação foi efetuada por Cristo na cruz do Calvário através da fé,
pelo Santo Espírito de Deus. Dizer que, mesmo depois de perdoado, já falecido,
o cristão necessite de obras de purificação (feitas por outros, deve-se
salientar), é negar o perdão de Deus, o sangue de Cristo e o poder do Espírito
Santo (Gálatas 4:6). No purgatório o defunto está em estado “passivo”, isto é,
nada mais pode fazer por si mesmo ou pelos vivos. Se nossas orações, esmolas,
missas e sacrifícios pelos mortos surtissem algum efeito, estaríamos fazendo a
obra do Espírito Santo!
Missas em
favor dos mortos
A missa em favor dos que já morreram não está descolada da
comunhão dos santos, da unção dos enfermos e da oração pelos mortos; ela é, na
verdade, o ápice e o centro destas primeiras, onde a comunidade católica se
reúne com mais ênfase na celebração do culto aos mortos e na memória de seus
entes queridos, com vários intuitos, sendo o principal oferecer-lhes
indulgências através da Eucaristia. A Eucaristia, como veremos mais
detalhadamente em capítulo posterior, é muito mais que a recordação do
sacrifício de Cristo na cruz, mas em cada missa celebrada, o Filho de Deus é sacrificado
novamente: na cruz de forma cruenta
(com derramamento de sangue) e na missa de forma incruenta (se derramamento de sangue, embora o sangue de Cristo
esteja “transubstanciado” no vinho). Da mesma forma que o sacrifício de Cristo
na cruz perdoou os nossos pecados e nos aproximou novamente de Deus, o
sacrifício eucarístico pretende o mesmo, pelos vivos ou pelos mortos, conforme
assevera o Concílio de Trento:
940.
E como neste divino sacrifício, que se realiza na Missa, se encerra e é
sacrificado incruentamente aquele mesmo Cristo que uma só vez cruentamente no altar da cruz se ofereceu a si mesmo (Heb 9, 27), ensina o santo Concilio que
este sacrifício é verdadeiramente propiciatório [cân. 3], e que, se com coração
sincero e fé verdadeira, com temor e reverência, contritos e penitentes nos achegarmos a Deus, conseguiremos misericórdia e acharemos graça no auxilio oportuno (Heb
14, 16). Porquanto, aplacado o Senhor com a oblação dele e concedendo o dom da
graça e da penitência, perdoa os maiores delitos e pecados. Pois uma e mesma é
a vítima: e aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo
que, outrora, se ofereceu na Cruz, divergindo, apenas, o modo de oferecer. Os
frutos da oblação cruenta se recebem abundantemente por meio desta oblação
incruenta, nem tão pouco esta derroga aquela [cân. 4]. Por isso, com razão se oferece, consoante a Tradição apostólica, este
sacrifício incruento, não só pelos pecados, pelas penas, pelas satisfações e
por outras necessidades dos fiéis vivos, mas também pelos que morreram em
Cristo, e que não estão plenamente purificados [cân. 3]. (Grifo nosso)
O Concílio do Vaticano II, por sua vez, afirma:
É,
portanto, na celebração do sacrifício eucarístico que certamente nos unimos
mais estreitamente ao culto da igreja celeste, uma vez que a ela nos unimos
sobretudo venerando a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, bem como do
bem-aventurado José, dos bem-aventurados Apóstolos e Mártires e todos os santos
(137).
O mesmo concílio informa o
motivo da oração pelos mortos e da celebração eucarística:
Este
ensinamento[19]
apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, da qual já a Sagrada
Escritura fala: “Eis porque ele [Judas Macabeus] mandou oferecer esse
sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos
de seu pecado (2Mc 12,46). Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória
dos defuntos e ofereceu sufrágio em seu favor, em especial o sacrifício
eucarístico, a fim de que, purificados, eles possam chegar à visão beatífica de
Deus. A igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras de
penitência em favor dos defuntos (1032; cf. 1479).
Aqui encontramos novamente as doutrinas do purgatório e das
indulgências. Na verdade é uma cadeia de doutrinas que se entrelaçam e caminham
na mesma direção, sempre na contramão da Palavra de Deus. Cultuando os seus
mortos a igreja católica projeta para o futuro uma esperança na ressurreição.
Quer ela de todas as formas garantir que seus fiéis cheguem a herdar a vida
eterna, mesmo sem jamais terem vivido o Evangelho de Cristo. O perdão dos
pecados cometidos em vida para os que já morreram é a última cartada, o último
investimento para garantir o paraíso: purifica-se aqui, mas também purifica-se
no purgatório para não deixar brecha que Deus possa utilizar para mandá-los ao
inferno. Deste modo fazem pouco caso da salvação total oferecida por Cristo e
da regeneração geral operada pelo Espírito, todas suficientes e necessárias.
Mais adiante, ao tratarmos sobre a Missa, veremos o quanto
estes sacrifícios eucarísticos pelos vivos ou pelos mortos são inúteis e
antibíblicos. Um só foi o sacrifício pelos pecados e somente a fé viva nos Deus
vivo poderá introduzir o pecador no Paraíso. Os subterfúgios do catolicismo
romano servem apenas para aprisionar e escravizar seus fiéis, alienando-os da
verdade que salva e liberta, gratuitamente e eternamente. Se os mortos pudessem
mudar sua situação no além-túmulo através da intercessão humana, não haveria
motivos para uma vida santa diante de Deus; todos viveriam segundo a sua
própria vontade, fazendo todas as obras da carne livremente, sabendo que, após
a morte, poderiam ser perdoados de seus pecados para irem para o céu. Após a
sua morte, antes de o caixão baixar à sepultura, um discurso exaltando suas
“qualidades” e uma oração prepararia seu caminho rumo ao céu, bem como as
missas de sétimo dia, um mês, um ano...
Refutações
Apresentamos aqui alguns textos bíblicos que nos servirão
para refutar tais doutrinas. A comunhão dos santos, a unção dos enfermos, a
oração pelos mortos e a eucaristia em favor dos defuntos, todas elas encontram
seu final diante das Sagradas Escrituras; nenhuma resiste a um estudo
minucioso, ou mesmo superficial, da Palavra de Deus. Através destes textos
poderemos compreender qual seja a vontade de Deus para os vivos e se há
possibilidade de influenciarmos em alguma coisa em favor dos que já nos
deixaram. Estes textos, em sua grande maioria, são os utilizados pelo
catolicismo romano para firmar suas doutrinas, mas são eles mesmos que a
contradizem.
1. 1 Timóteo 2:1,2. A utilização deste
texto como comprovação da oração pelos mortos só tem sentido do ponto de vista
da doutrina da Comunhão dos Santos, porque nele não encontramos nenhuma base
para seu sustento. Não é necessária muita exegese para compreender que a oração
a que o apóstolo Paulo se refere é direcionada aos vivos, não aos mortos ou aos
dois em conjunto. O objetivo da oração é “para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito” (v.
2). É uma oração para o dia-a-dia, a vida prática do cristão, sem a qual nada é
possível, nem a paz nem o respeito. Longe desta comunhão, já no céu ou no
inferno, já não há mais necessidade de oração, pois não há mais o que viver, a não ser a espera pela
ressurreição dos mortos. Após esta ressurreição, nó céu, já não haverá mais
necessidade de orações, pois Deus estará presente nos suprindo de tudo com a
sua Glória e Majestade.
2. 2 Timóteo 1:18. Aqui encontramos a
intercessão de Paulo a favor de Onesíforo, para que, naquele Dia, Deus lhe
conceda misericórdia. É uma oração que projeta um desejo do apóstolo para o
futuro, o Dia do Senhor. Muitos católicos romanos oram assim pelos seus mortos,
para que Deus lhes conceda misericórdia e os aceite no Paraíso perdoando seus
pecados não expiados em vida, purificando-os pelo fogo do purgatório. No
entanto, este texto não fornece base alguma para tal pensamento, por um simples
motivo: Onesíforo estava vivo quando Paulo intercedeu por ele. Se esta
intercessão valesse para após a morte do amigo solícito, Paulo o teria
explicitado; talvez ao invés de “o Dia do Senhor” tivesse dito “o dia do
Juízo”.
3. Lucas 16:19-31. Este texto apenas
bastaria para refutar completamente todas as doutrinas romanistas referentes
aos mortos. Todavia, ele mesmo é usado com a finalidade de asseverar todas
elas. A explicação cairia sobre os vs. 27 e 28, onde o rico intercede em favor
dos seus entes, pedindo que Abraão envie a Lázaro até os seus para preveni-los
contra aquele lugar de tormentos. Mas Abraão lhe dá uma resposta negativa:
“Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos” (v. 29). Isto é, eles tinham os
vivos que deveriam olhar pelos vivos, pregando-lhes a Palavra de Deus para que
se arrependessem e não viessem a parar naquele lugar onde o rico agora se
encontrava. E este lugar não é um estágio intermediário, o purgatório, mas o
estágio final. Diante da insistência do rico de que enviasse alguém dentre os
mortos para exortar os vivos, Abraão disse-lhe: “Se não ouvem a Moisés e aos
Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os
mortos” (v. 31). Isto significa que a única forma de alguém que já morreu
influenciar no mundo dos vivos seria através da ressurreição, mas aí já não
mais estaria morto, mas vivo.
4. 1 Tessalonicenses 4:13-18. Encontramos
aqui um momento de tristeza que a igreja estava passando com relação aos seus
mortos. Talvez o motivo fosse quanto a ressurreição, pois no v. 14 o apóstolo
Paulo os conforta afirmando que, em sua ressurreição, Cristo trará também os
que dormem. Esta preocupação com as pessoas que amamos não é pecaminosa nem
anormal do ponto de vista bíblico. É salutar que cultivemos a memória daqueles
que já partiram, as alegrias que nos deram em vida, seu exemplo de caráter,
seus ensinamentos. O próprio Jesus, durante a última ceia, instituiu que se
partisse o pão e se bebesse o cálice em sua memória, até que ele venha. Os
mortos na fé também virão com Ele, por isso não há nada que nos leve a crer que
devamos esquecê-los. Mas esta relação termina aí, não se estende ao culto aos
mortos e à comunhão dos santos que o catolicismo romano prega. Paulo consola os
tessalonicenses com estas palavras (v. 18), pois eles deveriam crer na
ressurreição e aguardar o momento de encontrar os irmãos que já haviam morrido
(v. 17). Este encontro é nos céus, não na Terra.
5. Deuteronômio 18:11 (cf. 1 Timóteo 4:1).
O catolicismo romano não pode negar que toda tentativa de contato com os mortos
é de uma certa forma uma prática espírita. Falar com os mortos, ver aparições,
interceder por eles, prestar-lhes culto, oferecer-lhes indulgências, missas e
orações... Tudo isso é condenado no texto acima. Todas as tentativas de contato
com os mortos são fúteis e proibidas, por causa da possibilidade de enganos
demoníacos. Quando se consulta uma necromante e esta fala em nome de um
defunto, é bem possível que quem esteja falando pela sua boca seja um demônio,
pois não existe relato algum na Bíblia que Deus tenha permitido os mortos
encorporarem em médiuns. O que vemos no catolicismo romano, inclusive, são
santos mortos que incorporam em imagens de escultura, fazendo-as chorar e
sangrar, e muitas vezes falando e operando sinais.
6. 2 Samuel 12:15-25. O rei Davi, com o
rosto em terra, ora durante uma semana pelo seu filho, fruto de um adultério,
que adoecera gravemente, pois Deus assim o quis (vs. 15,16). Ao sétimo dia a
criança morreu, mas seus servos não queriam lhe dar a notícia por medo de que
ele ainda mais se afligisse em sua oração (v. 18). Todavia, ao saber da morte
da criança, a atitude de Davi foi totalmente diferente: ele levantou-se,
lavou-se, ungiu-se, trocou de vestes e entrou na casa de Deus para adorar;
depois voltou a sua casa e comeu (v. 20). Vendo isso os seus servos lhe
disseram: “Que é isto que fizeste? Pela criança viva jejuaste e choraste;
porém, depois que ela morreu, te levantaste e comeste pão” (v. 21). A resposta
de Davi soa como uma refutação inquestionável à doutrina romanista que insiste
na busca pelos mortos: “Vivendo ainda a criança, jejuei e orei, porque dizia:
Quem sebe se o Senhor se compadecerá de mim, e continuará viva a criança? Porém, agora que é morta, porque jejuaria
eu? Poderei eu fazê-la voltar? Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim”
(v. 23, grifo nosso). Este trecho demonstra a despreocupação com os que já
foram. Deus já os levou. O que devemos fazer é nos preocupar com os vivos,
assim como Davi, que seguiu com a sua vida (v. 24,25). É certo que Deus poderia
ter ressuscitado a criança, mas está patente que esta não era a sua vontade.
7. João 11:1-46. A humanidade de Jesus é
toda demonstrada neste texto, onde ele chora por um querido amigo que morrera.
Como Deus também choraria, por isso quer fazer algo por ele, quer
ressuscitá-lo. Ao receber a notícia de que Lázaro havia morrido, ele não parte
de imediato, mas espera alguns dias. Havia uma crença judaica que dizia que a
alma permanecia rondando o corpo da pessoa até poucos dias depois de morta,
vindo a subir então para o céu. Jesus queria mostrar que o poder de Deus é
tremendo, que aquele homem havia realmente morrido e seria ressuscitado por
este poder. Ele ora então a Deus, não intercede pelo morto, não pede que perdoe
seus pecados nem que lhe abrevie suas dores no purgatório; não oferece
sacrifícios eucarísticos em seu favor, apenas ora ao Pai e agradece por tê-lo ouvido
(vs. 41,42). Ele não orou por Lázaro, simplesmente o ressuscitou (vs. 43,44).
Se o próprio Jesus agiu assim, por que o catolicismo romano não faz o mesmo?
8. 1 João 2:1,2. O que este texto nos
ensina em suas entrelinhas é que, orar pelos mortos visando sua purificação e
perfeição post morten é declarar a
insuficiência do sacrifício de Cristo. Não é necessário repetirmos todos os
versículos que falam sobre a salvação pessoal, o perdão de Deus e a purificação
e santidade produzidos pelo Espírito Santo. Voltamos a frisar que a intenção do
catolicismo romano é garantir que seus fiéis entrem no céu de qualquer forma,
mesmo que tenham sido cristãos apenas nominais. Então, não se conformam em não
poderem fazer mais nada; não suportam cruzar os braços e pensar nas pobres
almas destinadas ao fogo eterno. Para isso criaram o purgatório, a oração pelos
mortos, as indulgências, as missas... Precisa haver um jeito, uma nova chance,
um escape! Mas não há.
9. João 19:30; 17:4; Hebreus 10:14. Ao
consumar a nossa salvação na cruz, Jesus Cristo aperfeiçoou para sempre todos
os que estão sendo santificados, de modo que não resta mais reparação pelos
pecados cometidos. Os mortos em Cristo já gozam da bem-aventurada eternidade no
Reino dos Céus, preparado por Deus desde a fundação do mundo. Se morremos com
Cristo, já morremos salvos e santificados, não necessitando mais de orações e
sacrifícios pelos nossos pecados. Nossa alma já seguiu o caminho escolhido em
vida e nada que os que ainda estão vivos possam fazer redundará em seu benefício.
Ao sentar-se à direita de Deus, não havia mais absolutamente nada a acrescentar
para a nossa salvação (Hebreus 1:3). Ele nos libertou da morte e do pecado
através do derramamento do seu próprio sangue (Apocalipse 1:5) e se tornou
nosso sacerdote eterno (Hebreus 7).
10. Romanos 8:26,27. O Espírito Santo de
Deus tem o ministério da intercessão. Ele nos assiste em nossas fraquezas com
gemidos inexprimíveis. Mas não existe nenhuma indicação escriturística de que
esta intercessão relacione-se também com os mortos. Por que o Espírito
intercederia por eles? Que fraquezas eles teriam após deixarem este corpo de
pecado? Ainda: orar pelos mortos pedindo a sua intercessão por nós junto a Deus
por estarem mais próximos dEle, é ir contra o ministério do Espírito (cf.
Efésios 2:18), é fazer dos defuntos os “Espíritos Santos” de Deus. Ninguém pode
tomar o lugar de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Ninguém pode ser
mais eficaz do que eles, nem os mortos leigos, nem os “santos”, nem Maria e nem
os mártires (cf. 1 João 2:1,2).
11. Salmo 103:20,21. Este é um dos textos
utilizados por alguns teólogos romanistas para firmarem a doutrina da oração
pelos mortos. Todavia, o salmista aqui não está fazendo uma oração à natureza,
aos anjos, aos santos ou aos mortos. O objetivo aqui é a exaltação de Deus. Ele
exorta que todas as criaturas de Deus o louvem. Não está cultuando os anjos,
mas dizendo-lhes que exaltem ao Senhor que os criou e do qual eles são
ministros.
12. Mateus 17:3,4. Na transfiguração
apareceram a Jesus Moisés e Elias, e conversavam com Ele. Os discípulos que
haviam acompanhado Jesus também viram estas duas figuras bastante conhecidas e
conjeturaram armar tendas para eles. Deve-se notar que em momento algum os
discípulos se dirigiram a Moisés ou a Elias, mas falaram somente com Jesus. Não
houve aqui qualquer contato entre ambos. Ainda que tivessem falado, este texto
não daria base alguma para a oração em favor dos mortos nem pela sua
intercessão.
13. Salmo 30:9; 115:17. Os mortos não
louvam a Deus da sua sepultura. Existe entre estes dois textos bíblicos e a
doutrina da comunhão dos santos uma incoerência muito grande. Se os que estão
mortos não podem louvar a Deus é sinal de que o seu contato com Ele é
extremamente limitado. Se for assim, já não estão tão perto dEle como o
catolicismo romano prega. E se não estão, como poderão realizar todas as coisas
que o catolicismo romano propõe? Deus mesmo não cobra louvor deles. O Salmo
150:6 diz: “Todo ser que respira louve ao Senhor. Aleluia!”. Não os mortos, mas
os vivos devem louvar a Deus, buscá-lo e servi-lo. Os mortos já deverão ter
feito isto em vida; se não o fizeram, não são as orações dos vivos que vão
reparar seu erro. Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos (Marcos 12:57). E
se pensarmos os mortos estando bem próximos de Deus, no seio de Abraão, já não
cabe a necessidade de intercessão por eles.
14. Êxodo 20:2-4; Deuteronômio 6:13. Concluímos
dizendo que Deus proíbe a prática de orar a outras criaturas, vivas ou mortas.
Nossas orações devem ser dirigidas somente a Ele (cf. Apocalipse 4:11; 22:20;
Gênesis 4:26; Mateus 6:9; Isaías 45:22). Esta oração é uma oração de louvor,
agradecimento e petição, podendo o cristão colocar diante do Pai celeste seus
pedidos, por si e pelos outros, sendo estes outros cinda vivos.
[1] S.
AFONSO de Ligório, op. cit., p. 127 e 128. Nota-se que, ao contrário do que
vimos no capítulo “A Virgem Maria e o purgatório”, Maria só livrou seu servo depois
de muita luta de oração. Isto significa que a sua devoção e a sua fé na Virgem
não lhe valeu passagem direta para o céu, muito menos para o purgatório.
Deve-se notar, também, que neste episódio não aparece em momento algum a obra
redentora realizada por Cristo, a sua glória e a sua salvação, bem como a sua
vitória sobre a morte, sobre o pecado e sobre o diabo. A Trindade encontra-se
completamente excluída da “salvação” deste religioso. Além disso, o que vemos é
Deus cobrar-lhe de um pecado cometido.
[2] Imperador
romano nascido em Naisso, Mésia, atual Iugoslávia. Converteu-se ao cristianismo
em 312, percebendo nesta religião a única força ideológica capaz de manter o
seu império coeso. Legalizou a religião cristã em 313, pelo edito de Milão (cf.
José Antonio Jorge, op. cit.).
[3] JOSÉ
Ribólla, Os mandamentos trocados em miúdos, p. 234.
[4] Seções
1474, 948, 1476.
[5] Seção
1475.
[6] Seção
1477.
[7] A
doutrina da salvação através dos sacramentos gera várias dificuldades. A
principal é que desta forma ninguém jamais poderá se salvar, porque é
impossível cumprir ou receber todos os sacramentos que a igreja obriga. Se um
fiel decide receber o sacramento da ordenação, jamais poderá receber o do
matrimônio. Por outro lado, se receber o do matrimônio, jamais poderá receber o
da ordem. E se morrer sem lhe ser dado sacramento da “unção dos enfermos”,
poderá se salvar ainda assim?
[8] S.
AFONSO de Ligório, op. cit., p. 32.
[9] Os
números entre parentes são as seções em que a doutrina se encontra no Catecismo
da Igreja Católica.
[10] Vaticano
II, SC. 638.
[11] Concílio
de Trento, seç. 910.
[12] Catecismo
da Igreja Católica, seç. 1513.
[13] A
citação deste texto pelo comentarista é equivocada. No texto em questão, vemos
a história de uma mãe que perdeu todos os seus filhos, vindo ela mesma a morrer
depois, porque não quiseram comer carne de porco que lhes era obrigada. Ao
invés de comê-la e ferir a Lei de Deus, preferiram ser fiéis até a morte, após
muitas torturas. Neste texto, sim, podemos ver a fidelidade até o último
instante de vida.
[14] Podemos
aqui pensar sobre o prática romanista do “culto aos anjos”.
[15] Esta prática de obterem-se
testemunhas contra os hereges foi amplamente utilizada pelo catolicismo romano
durante a “Santa” Inquisição.
[16] Também aqui a Inquisição aparece,
trazendo um novo nome ao banimento: a excomunhão. Esta foi praticada não
somente na Inquisição, mas durante toda a história do catolicismo romano, como
uma forma de manter o poder, obter lucros financeiros e favores políticos ou
mesmo manipular reis e imperadores, incucando-lhes o medo de estarem
desprovidos dos santos sacramentos e da salvação eterna (esta também facilmente
comprada a preços exorbitantes).
[17]
PE. LUIZ Cechinato, A Missa parte por parte, p. 138 (Aqui
se deve levar em conta duas coisas: 1) normalmente a igreja católica romana
considera como pagãos aquelas pessoas que não se batizam quando crianças e
insistem em não receber o batismo de seus sacerdotes; 2) podemos crer que
desprezar a graça de Deus aqui esteja ligado à participação efetiva nos
sacramentos e a uma permanência constante na igreja católica romana que,
segundo consta em suas doutrinas, é a despenseira de todas as graças de Deus e
fonte segura de salvação).
[18]
Op. cit., p. 166.
[19] A
purificação final ou purgatório.
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