“Você
tem que chegar e se impor. Tem que mostrar (ao fiel) que se quiser ajudar amém,
Se
não quiser ajudar Deus vai arrumar outra pessoa a ajudar...
Se
não quiser que se dane. Ou dá ou desce...
Você
nunca pode ter vergonha. Peça, peça, peça...
Se
tiver alguém que não dê, tem um montão de gente que vai dar.[1]”
(Bispo
Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus)
As
pregações mais amenas acerca do dízimo afirmam que quando o crente o paga não
está dando nada a Deus, porque Deus de nada precisa. O crente está apenas
devolvendo uma pequena parte daquilo que Deus lhe deu. Não custa nada devolver
10% do que ganhamos a Deus, já que ficamos com a maior parte, isto é, 90%.
Então, se esses 10% significam o valor que damos a Deus e a sua obra, os 90%
mostram o quanto podemos ser egoístas. A despeito disso, mesmo as pregações
mais despretensiosas acerca do dízimo não escondem alguns fatores de suma
importância para algumas igrejas:
- o crente só é considerado
fiel a Deus quando paga o dízimo regularmente;
- a recusa ou a
impossibilidade de dizimar impede que o crente seja abençoado por Deus.
Não dar o dízimo significa “reter a bênção”;
- não dizimar denuncia que o
crente está em pecado, é rebelde, ou está sob influência satânica;
- o crente que não dá o dízimo
atrai maldição sobre a sua vida, porque sem receber o dízimo, Deus não
pode repreender o “devorador”;
- o lado positivo é que, se
pagar o dízimo regularmente, o crente será cumulado de ricas bênçãos e
receberá de volta duas ou cem vezes mais aquilo que ofertou.
Esta
matemática estranha esconde muitas controvérsias. Uma delas é o fato de que
estamos devolvendo a Deus parte do que Ele nos deu para que Ele nos devolva o
dobro ou o cêntuplo do que lhe demos. É um ótimo negócio, melhor que a
poupança, aplicações na Bolsa, o rendimento do dólar. Ora, se estamos
devolvendo a Deus esperando receber muito mais em troca, estamos realmente
devolvendo alguma coisa a Ele ou aplicando nosso dinheiro numa conta no banco
celestial? Quem dá algo espera receber de volta alguma coisa?
Mas
existem questões muito mais profundas que envolvem o dízimo. A teologia formada
em torno dele e que o sustenta não tem nada de despretensiosa. Quando falamos
na teologia do dízimo não estamos nos referindo àquilo que a Bíblia ensina de
maneira clara (ver Ml 3:6-12; 2 Co 9:6 e 9:7). Estamos, na verdade, falando
daquilo que a Teologia da Prosperidade ensina e pratica através dos seus
maiores divulgadores no Brasil e no mundo inteiro e que não tem nada a ver com
o ensino sadio das Escrituras Sagradas. Como bem sabemos, o evangelho da
prosperidade é um evangelho distorcido da realidade bíblica, uma nova
revelação, como atestam os seus próprios criadores. E, infelizmente, muitas
denominações que desaprovam a Teologia da Prosperidade, fazem uso do sistema de
dízimos. É claro que nem todas as igrejas que se utilizam do dízimo o fazem com
base nessa teologia.
Absolutamente
todas as questões que envolvem o dízimo partem de um princípio: “Deus prometeu”.
As promessas de Deus presentes na Bíblia que mostram a sua disposição em
abençoar o seu povo são tomadas ao pé da letra pelos teólogos da prosperidade,
não considerando qualquer contexto em que foram escritas – histórico, cultural,
circunstancial – nem o fato de a maioria dessas promessas fazerem parte do
Velho Testamento e já terem se cumprido em Jesus Cristo. As promessas de Deus
são o atestado que os mestres da prosperidade possuem para comprovar que os
crentes têm direito às bênçãos celestiais (de saúde total, felicidade plena e
prosperidade financeira) e devem tomar posse delas, exigindo de Deus o
cumprimento da sua Palavra. Essas bênçãos estão guardadas no céu e esperam
apenas pela fé do crente. Sem fé é impossível agradar a Deus, por isso é
preciso crer, não em Deus, mas em si próprio, na sua capacidade de decretar,
profetizar, exigir e obter o maior número de bênçãos possível.
O
missionário R. R. Soares (2009:29) chega a afirmar:
A Palavra de Deus fará apenas aquilo que você
determinar, o que você crer que lhe pertence e que, em Nome de Jesus,
reivindicar. Se, nesse momento, você assumir a sua posição e exigir, em Nome de
Jesus, os seus direitos, a Palavra de Deus realizará aquilo para o qual foi
enviada.
Desta
forma, basta crer que Deus tem reservado inúmeras bênçãos nos céu, conquistadas
por Cristo na cruz, e que essas bênçãos estão disponíveis para nós. O fiel
dizimista, que tem fé nas promessas de Deus apenas decreta a sua bênção, e
Deus, obrigado por sua Palavra e suas promessas, dá aquilo que o crente exigiu,
decretou e declarou.
Evangelho da oferta e da procura
A
Teologia da Prosperidade tira a ênfase no amor de Deus que perdoa os nossos
pecados em Cristo por meio do arrependimento e da fé, e a coloca sobre a
necessidade e o direito do ser humano de ser feliz. O objetivo principal do
Evangelho de Cristo, segundo esta linha teológica, é ajudar o homem nos seus
problemas e solucioná-los de maneira rápida e definitiva, sem levar em conta,
no entanto, o seu maior problema, que é o pecado. Esse evangelho é de tal forma
comercial que bem cabe na lei da oferta e da procura: ele oferece aquilo que as
pessoas mais necessitam e procuram, como prosperidade financeira, sucesso
profissional, status e uma vida isenta de tribulações e doenças. Dessa forma,
não há como colocar a culpa somente naqueles que ofertam a mercadoria, pois se
não houvesse quem comprasse, não haveria lucro. Se as bênçãos do Senhor são
negociadas nas igrejas que pregam tal teologia, é porque a demanda é garantida
e existem pessoas dispostas a comprar tal “evangelho” a qualquer custo.
Como
tais pessoas se dizem “evangélicas” e não se sentem a vontade em fazer um
despacho numa encruzilhada ou se prostrar aos pés de uma imagem de santo para
fazer promessas, a Teologia da Prosperidade é a melhor saída. A benção é
garantida juntamente com a paz de consciência. E qual o preço a pagar por essa
mercadoria? O preço é o dízimo, além de muitas outras formas de arrecadação. A
lógica corrente é supostamente baseada na Bíblia: quanto mais o fiel der,
maiores serão as suas bênçãos. E é bom mesmo ter cada vez mais bênçãos, pois “a
quem muito tem, muito lhe será dado”. E se Deus foi capaz de dar o seu bem mais
precioso – a sua própria vida por meio de Cristo – não nos dará com ele
graciosamente todas as coisas? Então, o que estamos esperando para tomar posse
desse maravilhoso tesouro?
Esse
evangelho encontra respaldo numa sociedade conturbada como a nossa, onde as
desigualdades sociais e a desesperança alcançam as classes menos favorecidas
que buscam formas de se superar e subsistir. Os benefícios oferecidos atendem
perfeitamente aos anseios desta sociedade. Não existe uma área sequer da vida
do crente que não possa ser transformada por esse evangelho. Mas para tão
grandes benefícios não existem sacrifícios proporcionais, como luta, trabalho
árduo, formação acadêmica, tratamentos médicos contra as doenças, tudo sob a
direção e a graça de Deus. Tudo acontece por meio da Confissão Positiva.
Mas
como toda mercadoria é negociada há sempre um alto preço a ser pago e é o que
estamos estudando: o dízimo. Se o crente é massa de manobra, o evangelho é
moeda de troca. Todavia, o alto preço está muito além de pagar dízimos. O preço
mais alto a pagar por esse evangelho é a salvação da alma. Esta não se vende
nos púlpitos nem pode surgir a partir de uma confissão positiva, mesmo na
presença dos 70 anciãos, carregando o manto santo diante da fogueira santa no
dia santo do ano santo. O dízimo e os seus múltiplos “benefícios” prendem os
fiéis a uma vida de realizações terrenas e impede que eles enxerguem a
eternidade.
O princípio de tudo
O
dízimo, na perspectiva da Teologia da Prosperidade, nada mais é do que uma
sociedade firmada entre Deus e os homens, onde cada sócio procura fazer a sua
parte na sociedade para que todos tenham lucro. Segundo essa perspectiva, quando
Adão e Eva estavam no paraíso, gozando das delícias que o Senhor criou, o diabo
se intrometeu e desfez a sociedade entre o homem e Deus. Somente quando Deus
enviou o seu Filho para salvar a humanidade é que esta sociedade foi refeita.
Se estudarmos a fundo a Confissão
Positiva, aprenderemos que a doutrina áurea da Teologia da Prosperidade é que o
crente possui bênçãos que lhe foram garantidas por Jesus quando morreu e
ressuscitou. Ele não só venceu a morte e o pecado para nos dar a salvação, como
também nos garantiu prosperidade financeira e uma vida isenta de doenças e
sofrimento. Kenneth Hagin, um dos maiores nomes dessa teologia, vai mais além e
afirma que Jesus conquistou este direito quando desceu ao inferno após a sua
morte, recebendo a natureza satânica e experimentando a morte espiritual.
Depois de sofrer por três dias no inferno, Jesus renasceu vitorioso, porque
conseguiu derrotar o Diabo em seu próprio território. Ricardo Mariano[2],
estudioso do movimento neopentecostal brasileiro, conclui:
Desse
modo, foram necessários o sacrifício de Jesus na cruz e sua vitória sobre o
diabo no próprio inferno para o restabelecimento desta sociedade, na qual os
homens, se cumprirem sua parte no contrato firmado na Bíblia por Deus, isto é,
se pagarem fielmente o dízimo – o “sangue da igreja”, para Edir Macedo – e
exigirem o que a Palavra declara pertencer-lhes, tornam a adquirir o direito à
“vida abundante”.
Pagar
o dízimo é, então, parte do contrato firmado entre Deus e o homem e sancionado
pela ida de Cristo ao inferno, quando transformou-se em Satanás e derrotou o
Diabo depois de ter morrido espiritualmente (Mariano). Isto é: o Deus Soberano,
Onipotente, se humilhou ao ponto de se tornar homem, depender de uma mulher
para se alimentar, foi humilhado, surrado e morto vergonhosamente numa cruz
para pagar por pecados que Ele não cometeu, mas que a humanidade inteira
cometeu contra Ele, para salvar o pecador miserável e ainda ficou lhe devendo!
Deus dá a si mesmo pela salvação da humanidade e ainda fica lhe devendo!
O
que entendemos de fato através disto é que antes de Jesus Cristo morrer e
ressuscitar, éramos nós que tínhamos uma dívida impagável para com Deus – o
pecado. Mas agora, é Deus quem tem uma eterna dívida para conosco – as bênçãos
que Ele nos prometeu. Isto é: Cristo morreu na cruz por nós, o Justo pelos
injustos (1 Pe 3:18), sendo nós ainda pecadores (Rm 5:8) e ainda ficou nos
devendo dinheiro, saúde, sucesso e poder. O absurdo desta heresia só nos faz
ter ainda mais certeza de que estamos tratando com algo terrivelmente demoníaco
ao lidarmos com a Teologia da Prosperidade.
Nesta sociedade inventada pelos
gurus da prosperidade, nós damos a Deus aquilo que é nosso, acima de tudo
nossos bens e nossas finanças, e recebemos em troca aquilo que pertence a Ele e
que passa a nos pertencer, e que pode ser resumido em saúde plena, felicidade
total e prosperidade financeira. O missionário R. R. Soares pensa da seguinte
forma:
O
negócio que Deus nos propõe é simples e muito fácil: damos a Ele, por
intermédio da Sua Igreja, dez por cento do que ganhamos e, em troca, recebemos
d’Ele bênçãos sem medida[3].
Mesmo
que muitas igrejas históricas que costumam cobrar o dízimo não acreditem nem
preguem desta forma, o princípio permanece: o dízimo é uma moeda de troca, uma
forma de barganhar com Deus as bênçãos que Ele tem para nos dar e que são
direitos nossos legalmente adquiridos por Jesus. Embora as igrejas evangélicas
sérias jamais deem crédito à ida de Cristo ao inferno para metamorfosear-se em
Satanás, a grande maioria “toma posse” das bênçãos que Ele conquistou na cruz.
A lei do dar e receber
Como
dissemos anteriormente, o dízimo cabe bem na lei da oferta e da procura. Os
pastores só mercadejam as bênçãos de Deus porque existem pessoas dispostas a
investir o que tem e o que não tem para consegui-las. E este investimento é o
dízimo. Sem dar, o crente não poder receber; sem plantar, ele não pode colher;
sem investir, ele jamais poderá receber retorno algum. É a lei do dar e
receber: é dando que se recebe, como podemos atestar no seguinte texto:
Campanha
do Cheque da Abundância: Depois de cânticos, orações e exorcismos, o pastor
pede as contribuições. Diante do silêncio, desânimo e constrangimento dos
fiéis, pontifica: “Se Deus abençoasse sem que ninguém tivesse de fazer algo em
troca, estariam todos contentes, é ou não é? Mas existe uma lei, é a lei do dar
e receber. A lei do dízimo e da oferta é de Deus, não de homens, pastores,
bispos, o Papa. O plantar e o colher, o dar e o receber é lei de Deus para os
homens. Sem o dar nunca a verá o receber. Se você quiser ganhar dinheiro tem
que trabalhar. Não é de mão beijada. Para receber, precisa dar. O que Deus
pede? O dízimo e mais uma oferta. Quando você dá, pode exigir em troca. Quando
não dá desobedece a lei de Deus. A desobediência é o pecado diante de Deus.
Deus manda dar segundo a condição de cada um. Todos devem dar, porque é dando
que se recebe. A Bíblia diz que as pessoas devem fazer ofertas a Deus. Deus
prometeu abençoar financeiramente aquele que desse para Ele. Quem quer receber
muito deve dar muito. Quem quer receber pouco deve dar pouco. Quem não quer
receber nada, não dá nada”. Em seguida ele ora pelas ofertas recebidas até
então. E, de imediato, desafia: “Quem tem fé para dar tudo o que tem venha para
a frente”. Várias pessoas aproximam-se do púlpito, retiram dinheiro das
carteiras e bolsos e o depositam sobre a Bíblia. “Este é o sacrifício maior, o
sacrifício de fé”, garante o pastor. Em seguida, estipula valores para a
assistência levar ao púlpito. Poucos fiéis o fazem. A medida que diminui
progressivamente o valor dos pedidos, aumenta o número dos que se prontificam a
contribuir. Ao atingir valores muito baixos, adverte: “Se a pessoa tem muito e
dá pouco, isto não vale nada, isto é um desprezo a Deus.” “Eu não posso julgar
porque não conheço ninguém, mas Deus conhece. Você deve dar o que for o seu
sacrifício e não as sobras. Deus tem sentimentos, quem despreza a Deus será por
Ele desprezado. Nunca dê o resto para Deus”. Ao orar para a prosperidade, ele
roga a Deus para que abençoe cada um conforme a sua oferta. Pede 100% a mais
para quem fez os maiores sacrifícios, 60% e 30%, respectivamente, para quem se
sacrificou menos.[4]
Note-se
na pregação do referido pastor – da IURD – a pressão psicológica realizada
sobre os fiéis para que eles ofertem. Esta pressão vai muito além disso e
inclui acusar os fiéis de estarem em pecado ou sob influência de Satanás quando
não querem contribuir. Muitos crentes chegam a ser humilhados, tendo a sua
condição de pobreza exposta diante de todos os presentes e ridicularizado. Além
disso, existe o medo de não ser abençoado, o medo de estar desobedecendo a Deus
e por isso estar em pecado. Não é o Espírito Santo que dirige o coração dos
fiéis e os leva a contribuir amorosamente com a obra do Senhor, mas a pressão
exercida pelos pastores e o medo de ir para o inferno ou não ter a bênção tão
desejada.
Esta lei do “dar para receber”
contrasta com aquilo que o Senhor Jesus ensinava e com o que os seus apóstolos
nos repassaram: “Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister
socorrer aos necessitados, e recordar as palavras do próprio Senhor: Mais
bem-aventurado é dar que receber” (At 20:35). Se estudarmos 2 Coríntios 9:6
veremos mais aprofundadamente esta questão. O dízimo não existe para barganhar
com Deus ou para exigir nada dele em troca. O dízimo “existia” no antigo
Testamento para suprir as necessidades do Templo e dos necessitados daquela
época. A oferta nos moldes do Novo Testamento não são para abençoar a vida do
ofertante, mas a daqueles que a receberão.
As promessas de Deus: o grande
trunfo
O
maior trunfo da Teologia da Prosperidade para cobrar de tal forma o dízimo e
garantir aos seus fiéis que Deus cumprirá com a sua parte no contrato e eles
receberão a bênção prometida, são justamente as promessas de Deus: “Deus não é
homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa. Porventura,
tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23:19).
Outros pregadores não ligados a esta teologia também baseiam a sua segurança na
mesma premissa. A ideia é que Deus está preso àquilo que Ele prometeu e não
pode voltar atrás. As declarações do bispo Edir Macedo já são o suficiente para
explicar esta questão:
“Comece
hoje, agora mesmo, a cobrar dele tudo aquilo que Ele tem prometido (...) O
ditado popular de que ‘promessa é dívida’ se aplica também a Deus. Tudo aquilo
que Ele promete na sua Palavra é uma dívida que tem para com você (...) Dar
dízimos é candidatar-se a receber bênçãos sem medida, de acordo com o que diz a
Bíblia (...) Quando pagamos o dízimo a Deus, Ele fica na obrigação (porque
prometeu) de cumprir a Sua Palavra, repreendendo os espíritos devoradores (...)
Quem é que tem o direito de provar a Deus, de cobrar d’Ele aquilo que prometeu?
O dizimista! (...) Conhecemos muitos homens famosos que provaram a Deus no
respeito ao dízimo e se transformaram em grandes milionários, como o Sr.
Colgate, o Sr. Ford e o Sr. Caterpilar”.[5]
E
acrescenta ainda:
“Nós
ensinamos as pessoas a cobrar a Deus aquilo que está escrito. Se Ele não
responder, a pessoa tem de exigir, bater o pé, dizer ‘tou aqui, tou precisando”.[6]
Entendemos
através destas declarações do fundador da IURD, que o homem, um ser miserável e
pecador, que só pode tornar-se algo melhor que isto quando a misericordiosa
graça do Senhor o encontra e muda a sua natureza, se vê no direito de olhar
para Deus, encostá-lo contra a parede e “exigir” que Ele cumpra com o
prometido. Deus, preso na própria armadilha das suas promessas, não encontra
outra saída senão atender o dizimista, porque ele quer porque quer. Mas que
promessas são estas que a Bíblia fala?
Ao
estudarmos 2 Coríntios 9:7, vemos que existe uma grande diferença entre aquilo
que Deus exigia no Antigo Testamento por meio da lei mosaica e aquilo que Ele
espera de nós no Novo Testamento, através da sua maravilhosa Graça. Não somente
as leis de Deus devem ser tomadas dentro do seu contexto histórico, religioso e
circunstancial, mas também as suas promessas. Nem todas as promessas da Bíblia
são para os dias de hoje. Um exemplo claro está em Deuteronômio 28:1-14. Deus
não tem para nós uma terra que emana leite e mel, mas a sua promessa para o seu
povo na Nova Aliança é uma pátria celestial (Fp 3:20). As bênçãos de
prosperidade prometidas aos judeus não são as mesmas prometidas aos cristãos.
Se estas coisas não forem levadas em conta, estaremos cobrando de Deus aquilo
que Ele prometeu apenas a um povo, num tempo específico e num contexto
histórico.
Não
podemos generalizar, afirmando que absolutamente todas as promessas da Bíblia
são para o nosso contexto. É claro que mesmo no Antigo Testamento existem
promessas para nós hoje, como as conseqüências da obediência, do amor à
Palavra, da confiança em Deus, da esperança em Cristo. Mas a grande maioria das
promessas bíblicas era apenas sombra daquilo que a veria de vir e já veio:
Jesus Cristo. Todavia, muitas promessas referentes a Cristo ainda estão para se
cumprir, como Isaías 53:4, que se cumprirá quando Jesus vier em glória buscar
os seus e levá-los para um lugar onde este versículo se tornará realidade e não
a verá mais dores nem enfermidades, embora podemos crer que estas coisas dizem
respeito ao pecado que Ele pagou por nós na cruz (cf. Ap 21:1-4).
A dura realidade
As
grandiosas promessas de bênçãos proferidas pelos pastores da Teologia da
Prosperidade nem sempre aparecem como os seus fiéis esperam. Na verdade, nesta
sociedade, apenas os intermediários entre os dízimos dos fiéis e Deus – os
líderes dessas igrejas – é que saem lucrando, tendo os seus bolsos e as suas
contas bancárias engordando a custa das contribuições que são feitas. O crente
simples, aquele que não ocupa nenhum cargo eclesiástico e está ali simplesmente
porque lhe disseram que todos os seus problemas estariam resolvidos e ele iria
enriquecer, dificilmente vê os frutos do seu investimento aparecerem. Ele
amarga prejuízos e mais prejuízos, tendo vendido os seus bens e as suas
propriedades, esvaziado a sua poupança, feito empréstimos a juros muito altos,
entrado no cheque-especial. A bênção desejada não vem e ele ainda tem de ouvir
do pastor: “A sua fé é muito pequena, por isso você não ganhou nada. Precisa
dar mais.” Ou: “Você está com um encosto e é ele quem está te impedindo de
prosperar”.
A revista Veja, que em 19 de abril
de 2009 publicou uma matéria denunciando a roubalheira dentro da IURD,
mostrando a acusação do Ministério Público de São Paulo contra Edir Macedo e
mais nove integrantes da igreja Universal pelo uso do dinheiro de doações dos
seus fiéis para fazer negócios e engordar o próprio patrimônio, trouxe o
testemunho de algumas pessoas que foram iludidas pelo discurso triunfalista
desta Igreja, vindo a perder tudo. Destacamos dois:
“Em
2007, eu estava em dificuldades financeiras e pedi aconselhamento a um pastor
da Universal. Ele disse que minha vida só melhoraria se eu doasse dinheiro à
igreja. Contei a ele que meu marido estava com 2800 reais guardados em casa,
pois havia vendido um carro. O pastor disse que era pouco e perguntou se eu não
conseguiria mais. Respondi que havia também 400 reais separados para o aluguel.
Ele pediu que eu inteirasse 3000 reais e levasse à igreja na mesma hora. Fiz o
que ele mandou. Quando meu marido descobriu, ficou muito bravo. No dia
seguinte, fomos ao templo pedir ao pastor para devolver o dinheiro. Ele disse
que era impossível, falou que eu estava com um encosto e ainda mandou meu
marido fazer um BO contra mim por furto. Hoje me arrependo de ter caído naquela
conversa.” (Simone Vitório, 31 anos).
“Fiquei
muito decepcionada com a Igreja Universal. Dei tudo o que podia em busca de uma
vida mais feliz. Lá, me diziam que a fé se mede com dinheiro – quem tem mais fé
doa mais à igreja. Quem tem fé pequena doa pouco. Numa das campanhas da
Fogueira Santa, quando os fiéis dão o que podem e o que não podem, fiz um
esforço enorme. Vendi uma chácara que eu tinha e dei tudo para a igreja. Também
entreguei meus salários, 13º, férias, vale-transporte e tíquete-refeição.
Pegava empréstimos em bancos para dar aos bispos. Eu só queria levar uma vida
normal, curar minha depressão, casar, ter filhos. Fiz de tudo, mas nada
aconteceu. O que restou foi tristeza e angústia. E muitas dívida também.”
(Edson Luis de Melo, 45 anos).
Testemunhos
como esses publicados em uma revista de alcance nacional somam-se a milhares de
outros que envolvem pessoas decepcionados com a igreja e com Deus, porque lhes
foi prometido algo que no fim não receberam. Disseram que bastava apenas dar
tudo o que tinham e Deus lhes faria enriquecer, resolveria todos os seus
problemas físicos, emocionais e profissionais e nada aconteceu, a não ser para
a pior. Com certeza algo muito bom aconteceu com aquele pastor que recebeu e
embolsou os 3000 reais da fiel: as cifras da sua conta bancária se multiplicaram.
Essa é a verdadeira prosperidade escondida detrás do dízimo: a prosperidade dos
charlatães que diariamente enganam o povo simples e desinformado, e muitas
pessoas abastadas e cultas.
Entretanto,
as conseqüências são ainda piores. A maioria das pessoas que se decepciona com
a Igreja por qualquer coisa ruim que tenha lhes acontecido – e isto não
acontece somente nas igrejas da prosperidade – não saem decepcionadas apenas
com a denominação, com o pastor, com os irmãos, mas com a igreja enquanto
criação divina, corpo de Cristo, e com o próprio Deus. Muitas pessoas desejam
jamais voltarão a freqüentar uma igreja porque sofreram nas mãos de líderes
inescrupulosos e se sentiram lesadas em sua moral e seus bens financeiros. O
testemunho que levam para o mundo é que a Igreja é uma empresa, um antro de
ladrões, um foco de toda sorte de problemas. Quem quer participar disto além de
pessoas interesseiras? As essas que se submetem para verem as suas necessidades
e ambições satisfeitas.
Por fim, quem sai prejudicado é o
testemunho do Evangelho, da verdadeira pregação que não envolve dízimos
exorbitantes, mas a oferta voluntária, o sacrifício da própria vida a Deus,
como veremos posteriormente. As igrejas sérias, que vivem piedosamente o
Evangelho da Graça de Cristo, acabam sendo vitimadas por essas igrejas da
prosperidade, que tratam a relação entre homem e Deus como um negócio
comercial, onde cada sócio faz a sua parte e investe para que os frutos cheguem
rápido. As pessoas acabam julgando todas as igrejas pelos atos escusos de muitas
pseudo-igrejas que mercadejam a Palavra de Deus sem qualquer pudor, temor ou
tremor.
Aquelas igrejas que não estão
ligadas ao esquema da Teologia da Prosperidade não podem ser enquadradas nessas
observações ao cobrarem o dízimo, mas ainda assim pecam por cobrar o dízimo,
mesmo com o discurso mais ameno. Acabando de vez com a cobrança indevida do
dízimo e mudando o discurso teológico da contribuição financeira à Igreja,
muitos excessos serão extintos e lobos em peles de pastores não terão mais base
alguma para continuar agindo.
[1]
Diálogo entre Edir Macedo e seus obreiros, transcrito no livro Ou dá o dizimo ou desce ao inferno, p.
17 e 18.
[2]
Neopentecostais, sociologia do novo
pentecostalismo no Brasil, p. 161
[3]
Idem, p. 161.
[4]
MARIANO, Ricardo, op. Cit., p. 167 e 168.
[5]
MARIANO, Ricardo, op. Cit,. P. 162.
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