O que não é o amor?
Explicar o amor é uma tarefa difícil
para seres humanos tão limitados e imperfeitos como nós. Quando tentamos
teorizar o amor, as nossas explicações vêm repletas de pressupostos e
carregadas com as nossas próprias experiências. O conceito de amor para quem
jamais se sentiu amado ou para quem teve a sua vida marcada pelo abandono, não
será o mesmo daquele que desde cedo experimentou o amor na sua vida e soube o
que é amar e ser amado. Psicólogos, sociólogos, antropólogos e filósofos
possuem as suas teorias e a religião acrescenta as suas. Cada um com o seu pensamento,
cada qual com a sua experiência, e todos tentando definir o que é o amor.
Enquanto alguns falam de amor referindo-se a cuidado e fidelidade, outros
demonstram o seu amor sendo infiéis e violentos, e acham que, assim, estão
amando.
Então,
será muito melhor que iniciemos a nossa caminhada por este assunto tão
empolgante nos perguntando: o que não é o amor? É normal confundirmos alguns
sentimentos e atitudes com amor. Quando estamos carentes afetivamente e
buscamos suprir essa carência através de uma relação, costumamos dizer que
estamos amando. Mas na verdade podemos apenas estar usufruindo da segurança e
do carinho que tanto necessitamos e que alguém pode nos oferecer naquele
momento. Também quando temos a vida de uma pessoa em nossas mãos, quando nos
sentimos donos dela e fazemos de tudo para mantê-la “a salvo”, “em segurança”,
longe de outros olhares e afetos, achamos que estamos amando. Mas será que possessividade
combina com amor? E quando ardemos em ciúmes, chegando a agredir física e
verbalmente a pessoa que dizemos amar, privando-a de sua liberdade e
individualidade, será que podemos dizer que agimos por amor?
Entender o que é não é o amor é uma
boa ideia, porque só assim saberemos se estamos sendo amados ou não. E sabendo
disso, já não nos sujeitaremos a tantas situações que só fazem nos machucar.
Alguém diz “eu te amo, por isso quero que você seja assim” ou “não quero que
você se porte desta maneira”. Será isso mesmo amor? Sentimentos egoístas e
castradores da personalidade e da individualidade do outro não podem ser
confundidos com o amor. O amor é exclusivista no sentido que não tolera a
traição, mas não no sentido de penetrar na vida do ser amado ao ponto de
arrancar-lhe até a alma, esvaziando-o de si mesmo para enchê-lo de nós. Isso
não é amar, mas ser dono, e os donos dificilmente amam. Eles possuem e usam o
que possuem, mas não precisam amar aquilo de que tomam posse.
O amor não é, também, apenas um sentimento; ele é uma forma de poder. Os
sentimentos são volúveis, sujeitos a alterações constantes do nosso ânimo. Se
hoje estamos nos sentindo alegres, amanhã poderemos estar tristes. Se agora
sentimos carinho por alguém, amanhã poderemos desprezá-lo, pois estamos sujeitos
a variações, muitas vezes circunstanciais. Se dominados por nossos sentimentos,
dificilmente experimentaremos o amor em todo o seu poder renovador, criador. O
poder que o amor possui está distante do nosso controle, embora possamos
apagá-lo, esfriá-lo dentro de nós. Mas o que ele pode causar num relacionamento
não está sujeito a variações. Não é o amor que se apaga, somos nós que o apagamos.
Nossos sentimentos controversos é que fazem com que os frutos do amor não
cresçam.
Outra coisa que impede que o poder do amor, ou o amor-poder, aconteça, é
a ideia errada que o mundo nos passa do que vem a ser o amor. Ele é tido como
apenas uma mera satisfação sexual, uma força espiritual nata, algo que se possa
e deva controlar. Se temos uma visão distorcida do amor, certamente viveremos o
amor de uma forma errada, imprópria. O amor não está ligado a uma satisfação
egoísta nem pode ser comercializado. Ele não é mágico nem pode caber em manuais
de auto-estima, que ensinam que tudo pode acontecer com a força do pensamento.
O amor é um poder que não necessita de baterias para recarga, apenas de
cuidado. Mas por si só o amor se mantém vivo. Nós é que nos distanciamos dele.
O amor existe independente de nós. O que precisamos entender é a manifestação
do amor em nós em suas variáveis.
Além de entender de maneira errada o
que é o amor, cometemos o erro de buscá-lo nos lugares errados, nas formas
erradas. Muitos autores espiritualistas, em especial os orientais, afirmam que
o amor está dentro de cada um de nós e todos nós somos o amor. Mas uma leitura
bíblica do amor nos mostrará que ele procede de Deus e que Deus é amor. Ainda
na Bíblia aprenderemos que é impossível o amor brotar do coração humano, pois
dele procede apenas aquilo que é mau. Embora de natureza divina, criado por
Deus a sua imagem e semelhança, o homem caiu da sua condição divina e passou a
possuir a semente do pecado, que o impede de ser uma fonte de amor. Ainda assim,
buscamos encontrar amor nas outras pessoas, acreditamos que elas podem nos dar
tudo aquilo que somente o amor pode nos oferecer. São dois seres humanos
repletos de defeitos sustentando-se um ao outro. Não que não devamos buscar
sempre auxílio, compaixão, carinho, atenção, paixão no ser amado, mas essas
coisas só nos serão dadas se o amor fizer morada nele. É o amor que nos
proporciona tudo aquilo que, naturalmente, não poderíamos ter nem compartilhar.
Algumas atitudes nossas se parecem
com o amor e até dizemos que estamos amando quando as praticamos. Por exemplo,
estar com alguém apenas porque nos sentimos bem e esse alguém supre algumas
faltas afetivas nossas não têm a ver com amor, mas com carência. O outro serve
apenas como uma muleta na qual nos apoiamos para não cair, para nos
locomovermos com segurança. De certa forma estamos usando alguém, e isso não é
amar. Depender de alguém para ser feliz também não é amor. Realizar nossos
desejos sexuais e estar com alguém porque é “bom de cama” também não demonstra
amor. Muitos casais mantém uma união esfacelada por longos anos porque na cama
se entendem muito bem. Mesmo que não haja mais respeito e a infidelidade esteja
presente, o relacionamento prossegue, porque o sexo é bom. Tira-se o sexo e o
relacionamento se transforma em ruínas.
E
o que dizer do amor como um conceito religioso? Segundo a Bíblia, amar é um
mandamento. Mas quando amamos simplesmente para cumprir o mandamento divino,
será que nosso amor é verdadeiro? Se o que nos impulsiona a amar é o medo de um
castigo dos céus, será que amamos de fato? Além disso, existem aqueles
religiosos que praticam a caridade e o amor fraternal, amando a si mesmos, ao
próximo e ao inimigo, simplesmente como forma de aliviar seu Karma ou garantir
dias de refrigério no purgatório. Há quem se empenhe em amar apenas para
alcançar a salvação e os favores de Deus, porque quem ama conhece a Deus e dele
procede. Mas será que esse amor que age por puro interesse, por simples egoísmo
pode ser chamado mesmo de amor?
Quando colocamos nossas ambições
pessoais e nossa busca por felicidade acima de qualquer coisa ou pessoa; quando
viver para nós é um jogo de interesses, uma guerra onde mesmo nosso parceiro
pode ser um inimigo em potencial; quando tratamos as pessoas como coisas que
podemos usar e descartar mais tarde; quando não conseguimos olhar para outros
problemas que não os nossos, será que estamos amando? Já ouvi de uma pessoa a
seguinte declaração: “Eu quero é ser feliz e não estou nem aí se ele está feliz
ou não.” Isso é amor?
O amor nem sempre está presente em
certos sentimentos e atitudes. Todavia, estes devem ser frutos do amor
verdadeiro e abnegado. Alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade,
fidelidade, mansidão e domínio próprio são frutos do Espírito Santo e do amor
que ele gera em nós (Gl 5:22,23). Sabemos que estamos amando quando cultivamos
esses frutos dentro de nós. Não é a bondade que gera o amor, mas o amor que
gera a bondade. Isto é: se sentimos dificuldade em sermos bondosos com quem
dizemos amar, alguma coisa está errada. Mas se esta bondade tem como
direcionamento o que podemos obter de benefício dela, algo está mais errado
ainda.
Para amarmos plenamente, sem
reservas, condições, egoísmo, impedimentos emocionais, espirituais, físicos,
familiares, profissionais e/ou sociais, necessitamos saber o que significa amar
e ser amado. Não podemos transformar o amor numa busca incansável pela
satisfação de apetites meramente sexuais. Quanto mais sexo e com maior numero
de pessoas, melhor! Não. A prática sexual não é escada para o sucesso
espiritual e emocional. Muito pelo contrário! Uma vida sexual intensa, mas sem significado,
que transcenda o mero ato sexual, só tende a gerar frustrações e quebra da
auto-estima. O que muitos parceiros têm para nos oferecer e nós a eles além de
um momentâneo prazer? O que vem após o orgasmo? O pagamento da conta? Uma volta
a realidade, ao vazio costumeiro e insistente que dia e noite nos persegue?
Aquela famosa troca de casais é realmente a saída para reacender um amor
conjugal já apagado? Quem age simplesmente pelo impulso sexual alegando estar
praticando a “liberdade do amor”, vivendo dissolutamente, engana-se. Melhor
seria dizer: Adoro fazer sexo e é só isso o que me importa. Não quero saber
de compromisso e responsabilidades, quero apenas curtir o momento e gozar.
Seria muito mais honesto.
O amor também não é um apego
irracional, uma dependência emocional de outra pessoa, sem a qual dizemos não
conseguir viver ao ponto de destruirmos a nós mesmos em prol de um
relacionamento patológico. Sobre este assunto trataremos em um capítulo
especial. Depois de algumas aventuras amorosas e sofrimentos desnecessários,
descobri que a maioria das vezes em que estive amando, na verdade estava
alimentando uma dependência afetiva, transformando o ser amado numa droga que
não conseguia abandonar de forma alguma. Quando vinha o abandono, a síndrome da
abstinência era fatal e me lançava num mar de tristeza e angústia, num
sofrimento intenso causado pela perda da tão desejada “substância”, que me
trazia prazer e bem-estar.
O amor é muito maior do que tudo isso.
Na verdade, é infinito diante de algo tão fugaz quanto o sexo. E quando
envelhecermos e já não pudermos mais continuar essa vida de orgias sexuais? E
quando somos privados de nossa saúde física ou mental e não podendo mais
praticar o ato sexual? Ficamos impedidos de amar, de nos entregar à vida e à
felicidade? Para conhecermos o amor, precisamos nos esvaziar de nós mesmos.
Quando nos esvaziamos, permitimos que a verdade entre e impedimos que nosso
egocentrismo prevaleça sobre esta verdade. Sem a verdade que nos liberta para
amar, viveremos para sempre presos às teorias milenares, cuja finalidade é a
busca do homem por ele mesmo, pela sua felicidade, pelo seu
sucesso, pelo seu prazer. Quando conhecemos a verdade, o eu dá
lugar ao nós e o meu passa a ser nosso. Nessa matemática,
o indivíduo não se anula, mas soma-se a outro, mantendo sua individualidade e
respeitando a do ser amado. É isto que precisamos aprender.
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