- Seu delegado, abra
esta cela. Hoje eu vim me entregar.
- Mas o que você fez,
rapaz? Sente, comece a falar.
- Sou um ladrão,
assassino, criminoso.
- Se é assim algeme o
rapaz, pois pode ser que ele seja perigoso.
- Faz bem, doutor
delegado, em amarrar essas mãos cruéis. Não mereço viver em liberdade. Sou um
descrente no meio dos fiéis.
- Mas pelas suas lágrimas
vejo que você está arrependido. Então me conte: o que faz de você um perigoso
bandido?
- Como é cruel esta
minha sina. Estar entre os viventes é coisa que não mereço.
- Acabe com essa
agonia e me conte tudo desde o começo.
- O meu castigo chega
tarde. É por causa de uma mulher que a minha alma agora arde.
- Já vi que o negócio
é sério! Quem faz mal a uma mulher, chamo logo de covarde. Não honra a calça
que veste, é pior do que a peste e se morrer, já vai tarde.
- Espere, doutor
delegado, antes de me dar a sentença. Sei que de Deus não mereço nem a virtude
da minha nascença.
- Então encurte a
história, porque hoje estou sem paciência.
- Já faz mais de ano,
doutor delegado, que conheci a minha perdição. Uma mulher tão formosa, que de
tão maravilhosa fez tremer meu coração. Achei que nunca na minha vida me
apaixonaria daquele jeito. Mas ela não me deixou escolha, arrumou as suas
coisas e fez morada no meu peito.
- Nem precisa dizer
mais nada. Se eu não entendi mal, está tudo explicado: é crime passional.
- Antes fosse dessa
qualidade e que eu fosse o vitimado. Mas no meu crime sou condenado a vagar
pela eternidade como cão abandonado.
- Agora não entendi
mais nada. Por favor, seja mais direto.
- Tudo bem, doutor
delegado, o senhor está certo. Aquilo sim era mulher, dava gosto de olhar.
Morena da cor de ébano e seus cabelos eram negros como a noite em que a lua não
sai com preguiça de levantar. O seu corpo tão formoso era capaz até de parar o
sol e todas as nuvens apenas para lhe admirar. E quando ela falava, ai, eu via
o céu. A sua voz era tão suave e mais adocicada do que o mel.
- E que crime você
cometeu contra essa tão linda mulher?
- É coisa de fazer o
homem estremecer e deixar o cabelo em pé.
- Isso parece mais
história de novela mexicana. Homem, fale logo, rápido, desencana!
- Eu e ela nos
apaixonamos, o seu nome era Joana. Toda vez que eu perguntava: “Meu amor, você
me ama?”, ela dizia assim: “Não precisa perguntar, basta apenas você sentir que
em todos os minutos do dia eu não canso de te amar”. Tudo ela fazia por mim,
era a minha companheira; mulher de fé e oração; da perfeição, a derradeira.
Quando ela me via triste, dizia: “Homem, coragem, insiste”. Era amante e amiga
verdadeira.
- Rapaz, como você
tem sorte! Daqui até a minha morte eu jamais encontrarei mulher assim. Já fui
casado três vezes e em nenhum dos meus casamentos a felicidade sorriu para mim.
Mas continue a falar. Estou curioso para ver aonde você vai chegar.
- Quem dera chegasse
a algum lugar. A minha vida não tem mais nenhum sentido.
- Prossiga. Ânimo,
meu amigo!
- Eu levei Joana para
minha casa, lá montamos o nosso ninho. Depois de tanto tempo sozinho agora eu
estava feliz. Encontrei uma esposa querida que era muito mais do que eu sempre
quis.
- Eu só encontrei
problema. Nenhuma valeu à pena.
- Então, seu doutor
delegado, Deus tinha me agraciado que uma mulher que era uma glória. Mas enfim
chegou o momento mais triste e crucial dessa minha desastrosa história.
- Estou ouvindo,
prossiga.
- Vou contar da minha
desdita. Nós éramos tão felizes na nossa casinha singela. Eu trabalhava e dava
duro, ganhava muito pouco, mas de tudo dava para ela. Nos domingos íamos à
igreja assistirmos juntos ao culto. De mãos dadas nos orávamos, a Bíblia
estudávamos e da desgraça não tinha nem vulto.
- Você veio me contar
um crime, mas até agora só falou de coisas abençoadas. Não me faça perder o meu
tempo ou te jogo numa cela escura e imundiçada.
- Não fique com
raiva, doutor. Vou agora lhe contar a minha dor. Imagina só o senhor o que foi
que me aconteceu. Abandonei a minha fé, deixei de ir à igreja e o mundo me
recebeu. Passei a tomar cachaça com uns amigos que são uma desgraça e iam até a
minha casa me buscar para eu me perder na mesa de um bar. Comecei a maltratar
Joana com palavras e palavrões. Parei de trabalhar e a bebida apertou seus
grilhões. Quando dei por mim estava perdido num mar escuro e sombrio, rodeado
de tubarões.
- Deixou a mulher de
lado para viver bêbado pela rua.
- Essa é a verdade
nua e crua.
- Então termine a sua
história, camarada.
- Camarada eu não
sou, sou apenas uma alma penada.
- Então antes que o
juiz aumente a sua pena, desfia todo o rosário, termine logo a novena.
- Eu abandonei,
doutor, a mulher que me amava. Um dia cheguei de madrugada em casa e lá ela não
estava. Procurei por todo canto, perguntei pela vizinhança, fui na casa dos
parentes, mas logo me veio a desconfiança: Joana me abandonou, a minha cachaça
não suportou. Perdi a minha esperança.
- Que pena, meu
amigo, eu só tenho a lamentar. E posso lhe garantir: não queria estar no seu
lugar. Mas ainda não entendi por que crime você quer se entregar. Disse que era
ladrão, assassino e criminoso, mas agora eu só vi um homem amargurado com o
coração pesaroso.
- Eu quero ser preso,
julgado e condenado pelo crime de não saber amar! Roubei o coração de Joana e
os seus sonhos abençoados. Assassinei suas esperanças, mereço ser amaldiçoado!
Me coloca na cela mais escura ou na mais fria sepultura, pois na vida já sou
danado!
- Você não me disse
seu nome.
- Firmino, vossa
excelência.
- Firmino, sinto
muito, mas apesar da sua insistência, a prisão não é lugar pra você, bote a mão
na consciência.
- E como irei pagar o
mal que causei à minha amada, a surra que eu dei nela, a palavra amaldiçoada?
Por favor, prenda-me logo. Minha vida está desgraçada.
- Não preciso lhe
prender, pois na prisão você já está, condenado a vagar com um remorso a lhe
consumir. Teve a bênção de possuir uma mulher maravilhosa, mas ao invés de
dar-lhe rosas, carinhos e orações, deu-lhe indiferença, bofetões e palavras dolorosas.
- Oh, Deus, o que
farei agora sozinho, sem Joana no meu caminho, sem minha flor, minha princesa?
Ela é o amor da minha vida e para sempre essa ferida vai me consumir, tenho
certeza.
- Amigo, se me
permite um conselho, esqueça a prisão. Abra o seu coração e volte ao primeiro
amor. Se Jesus era teu Senhor e seu casamento ia tão bem, então o melhor que
lhe convém é deixar de ser covarde. Ore, peça um milagre, reveja seu proceder.
Nenhum caminho é tão torto que Deus não possa consertar, nenhum muro está tão
destruído que Deus não possa restaurar, nenhuma vida está tão errada que Deus
não possa inverter.
- Está certo, doutor
delegado, Terei de volta a minha Joana. Eu sei que ela me ama e haverá de me
perdoar. Por onde devo começar?
- Comece primeiro com
Deus, refaça o seu caminho. Abandone essa cachaça que só te fez ficar sozinho.
Maior que Joana é Deus, é dele que você necessita. Faça isso, Firmino,
transforme em bem a sua desdita.
- Obrigado, doutor
delegado, vou sair dessa prisão, reconstruir a minha fé, renovar o meu coração.
E se for da vontade de Deus a minha Joana vai voltar. Adeus, eu irei agora e
tudo vai se acalmar.
- Adeus, meu amigo,
Deus te leve na sua graça.
- E com ele fique o
Senhor.
- Ah, quando falam de
amor eu me derreto todinho. Meu Deus, o que eu não daria para nunca mais viver
sozinho.
MIZAEL XAVIER
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