quarta-feira, 16 de outubro de 2024

MARIA E OS LIVROS APÓCRIFOS

MARIA E OS LIVROS APÓCRIFOS

Quando questionados sobre seus dogmas e doutrinas que não podem ser explicados unicamente por meio das Escrituras Sagradas, os católicos são unânimes em dizer que: (1) nem tudo está na Bíblia e Jesus não mandou escrever nada; e (2) que, além da Bíblia, a igreja católica possui outras duas fontes com o mesmo peso revelacional e autoritativo da Bíblia, que são: a Sagrada Tradição e o Santo Magistério. Destas duas fontes emana grande parte daquilo que o fiel católico professa, além, claro, dos livros que fazem parte do seu cânon e que as igrejas reformadas (por motivos históricos, gramaticais, autorias e inspiracionais) rejeitam como divinamente inspirados. Deles, também partem inúmeras doutrinas e dogmas católicos, como a oração pelos mortos e o purgatório, por exemplo.

O que a maioria dos católicos desconhece é que existe outra fonte para muitos dos seus dogmas e doutrinas: os livros apócrifos, embora não reconhecido oficialmente. Estes livros sequer fazem parte do cânon oficial da igreja! Não estamos falando de livros como os escritos dos Pais Apostólicos, do Pastor de Hermas, da Didaquê, entre outros, mas de livros fantasiosos, pseudoepígrafos, sem contexto histórico e sem qualquer peso revelacional ou autoridade espiritual. São verdadeiras falsificações que não transmitem nada da fé cristã verdadeira.

Os dogmas e doutrinas católicas sobre Maria, como a Imaculada Conceição, a Assunção, a virgindade perpétua e o título de Mãe de Deus (Theotokos), não são oficialmente baseados em livros apócrifos, mas bebem deles. Essas doutrinas foram desenvolvidas a partir de uma interpretação dos Evangelhos canônicos, da tradição da Igreja, dos concílios ecumênicos e dos escritos dos Padres da Igreja. O que não podemos esquecer é que a hermenêutica católica romana é histórico-crítica e possui um forte apelo alegórico. Em suma, o texto Sagrado nem sempre diz o que ele diz, mas conduz a um tipo de interpretação que, por sua vez, leva a entendimentos diferentes. Por exemplo, a personificação feminina da sabedoria no livro de Provérbios é relacionada com Maria. Na verdade, qualquer texto bíblico acaba por se transformar em um texto mariológico (a arca da Aliança, a árvore da vida, etc.). 

No entanto, certos textos apócrifos marianos, embora não aceitos como canônicos, influenciaram a tradição popular e a iconografia sobre Maria, além de terem fornecido detalhes adicionais que fomentaram a devoção a ela ao longo da história. Como sabemos que Joaquim e Ana eram os pais de Maria e avós de Jesus? Como sabemos que Maria foi assunta aos céus? Estas e outras estórias estão em livros que a própria igreja católica rejeita. Aqui estão alguns textos apócrifos marianos que, embora não tenham força doutrinária oficial, influenciaram a visão de Maria em diversos aspectos:

1. Protoevangelho de Tiago (ou Evangelho da Natividade de Maria)

Doutrinas relacionadas: Virgindade perpétua de Maria, Nascimento e infância de Maria.

Conteúdo: Este texto apócrifo, datado do século II, apresenta uma narrativa detalhada sobre o nascimento e infância de Maria, sua dedicação ao templo, e a concepção e nascimento de Jesus, reforçando a crença na virgindade perpétua de Maria. Ele também conta a história do nascimento milagroso de Maria por seus pais, Joaquim e Ana, que influenciou a devoção a São Joaquim e Santa Ana.

Influência: Embora não faça parte do cânone, o Protoevangelho de Tiago influenciou a tradição popular e iconográfica sobre a vida de Maria, como a ideia de sua dedicação ao templo e a concepção virginal de Jesus.


2. Evangelho do Pseudo-Mateus

Doutrinas relacionadas: Virgindade perpétua, Nascimento de Jesus.

Conteúdo: Similar ao Protoevangelho de Tiago, este texto expandiu detalhes sobre a infância de Maria e a fuga para o Egito, além de apoiar a ideia da virgindade perpétua de Maria, mesmo após o nascimento de Jesus.

Influência: Enriquecendo a tradição popular sobre a vida de Maria e a Sagrada Família, particularmente durante a fuga para o Egito, este evangelho apócrifo é frequentemente citado na arte e devoções medievais.


3. Evangelho Árabe da Infância

Doutrinas relacionadas: Virgindade perpétua, Nascimento de Jesus, Milagres na infância de Jesus.

Conteúdo: Este texto descreve vários milagres atribuídos ao menino Jesus e também reforça a crença na virgindade perpétua de Maria. Ele menciona a purificação de Maria após o nascimento de Jesus e detalhes sobre sua maternidade.

Influência: Embora seja considerado apócrifo, suas histórias influenciaram as tradições marianas e algumas práticas de devoção na Igreja Oriental.


4. Dormição de Maria (Transitus Mariae)

Doutrinas relacionadas: Assunção de Maria.

Conteúdo: Este apócrifo, datado dos séculos IV a VI, descreve os eventos em torno da morte de Maria, sua assunção corporal ao céu e sua coroação como Rainha do Céu. A tradição da Assunção de Maria foi amplamente influenciada por esse tipo de literatura, embora a doutrina oficial tenha sido definida independentemente desses textos.

Influência: A crença na Assunção de Maria foi mais tarde definida como dogma pelo Papa Pio XII em 1950, mas textos como o "Transitus Mariae" ajudaram a moldar a tradição e as celebrações em torno da Assunção na Igreja Católica.


5. Evangelho de Tomé (Infância)

Doutrinas relacionadas: Não diretamente relacionado a dogmas, mas influenciou tradições sobre a infância de Jesus e, por consequência, Maria.

Conteúdo: Embora focado nos milagres e eventos da infância de Jesus, este texto menciona a maternidade de Maria de maneira que reforça sua imagem como uma figura especial, mãe de um ser milagroso.

Influência: Contribuiu para o desenvolvimento da imagem popular de Maria como mãe de um Jesus miraculoso, embora não tenha influência direta sobre dogmas marianos.


6. Evangelho de Nicodemos (Atos de Pilatos)

Doutrinas relacionadas: Não diretamente doutrinas marianas, mas a presença de Maria no contexto da Paixão de Cristo é destacada.

Conteúdo: Este texto apócrifo narra o julgamento e a crucificação de Jesus, com foco em sua mãe Maria, enfatizando seu sofrimento e destacando seu papel próximo à Paixão de Cristo.

Influência: Embora não tenha impacto dogmático, esse texto ajudou a desenvolver a imagem de Maria como a Mater Dolorosa, uma figura central de devoção na tradição católica, especialmente em relação ao sofrimento de Jesus.


Resumo

Esses textos apócrifos não têm autoridade oficial para a formulação de doutrinas ou dogmas marianos dentro da Igreja Católica. No entanto, eles influenciaram a tradição e a devoção mariana ao longo dos séculos, especialmente em termos de arte, liturgia e práticas devocionais. As doutrinas marianas oficialmente aceitas pela Igreja Católica, como a Imaculada Conceição e a Assunção, são fundamentadas na tradição, Escrituras canônicas e no desenvolvimento teológico da Igreja, não nos apócrifos. No entanto, como vimos, tais dogmas não partem de uma interpretação ortodoxa da Bíblia, mas alegórica e influenciada pela Tradição e o entendimento do Magistério, na pessoa de doutores da igreja e papas ao longo dos séculos.

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