TRECHO DO LIVRO "A MALDIÇÃO DOS INOCENTES", DE MINHA AUTORIA, AINDA A PUBLICAR.
Ao chegarem numa clareira no
interior da floresta, retiraram Aline da carroça e amarraram-na a uma árvore.
Pretendiam deixá-la ali. Mas poderiam esquecê-la? Como recostariam suas cabeças
no travesseiro para dormir à noite sabendo que sua filhinha havia sido
abandonada ali, sozinha? Estes pensamentos misturavam-se aos gritos das pessoas
do povoado, que ecoavam em suas mentes exigindo que fossem embora. Eles não
encontravam outra saída. Queriam resolver o problema, mas queriam, também,
proteger sua filha da fúria daquelas pessoas que pretendiam fazer-lhe mal. Era
melhor ela morrer ali do que nas mãos daquelas pessoas perversas de coração.
Foi
a decisão mais penosa que haviam tomado na vida. Suas muitas lágrimas
misturavam-se ao sereno. Após beijarem várias vezes o rosto e a testa de Aline,
seguiram seu caminho de volta, deixando-a ainda adormecida, entregue ao seu
destino, um destino que deveria ser construído a partir dali, caso ela
sobrevivesse. Os gritos, as maldades, os problemas e a revolta dos moradores
seriam sanados, mas o preço tinha sido alto, muito alto.
No
meio da madrugada, Aline acordou. Totalmente desorientada, ela viu que estava
amarrada a uma árvore. Olhou para os lados e apenas contemplou a mais profunda treva.
Aos seus ouvidos chegavam pios de corujas, cricrilar de grilos e coaxar de
sapos. Morcegos voavam incessantemente sobre sua cabeça. Então ela caiu em si e
se deu conta do que havia acontecido, e talvez pela primeira vez na sua vida,
seus olhos se encheram de lágrimas.
- Mamãe! Papai! Onde estão
vocês? Por que me deixaram aqui? Venham me buscar!
Aline
chamava enquanto derramava lágrimas sobre seu frágil corpo preso a árvore, mas
nenhuma resposta vinha da escuridão. Suas lágrimas de tristeza foram dando
lugar a um ódio que foi tomando conta de seu coração e ela começou a
esforçar-se para soltar as cordas que a prendiam. Pensava nos pais, sabia que
estavam sendo pressionados pelos moradores do povoado, pois sempre presenciou
as discussões entre eles e seus pais, onde era tratada como um monstro. Na sua
tenra idade, ela já compreendia seu abandono a não parava de pensar em quem
eram os culpados.
Enquanto
Aline lutava para se libertar ela ouviu algo que se mexeu na mata ao seu redor.
- Quem está aí? – perguntou ela
amedrontada, mas ninguém respondeu; forçou mais uma vez as cordas com ainda
mais força.
De repente, um vulto
passou apressadamente bem atrás dela, fazendo os seus cabelos balançarem. O
coração de Aline acelerou e o seu corpo todo gelou. Ela se esforçou ainda mais
para se desprender das cordas, forçando a cabeça para o peito na tentativa de
roe-las. Foi quando sentiu que algo ou alguém parara bem na sua frente. Quando
conseguiu erguer a cabeça, se deparou com uma figura estranha e sinistra que surgira
da escuridão. Era uma velha encurvada carregando um lampião. Durante toda a sua
vida ouvira falar da terrível bruxa que habitava aquela floresta e das
perversidades que estavam reservadas para aqueles que ousassem pisar ali. Assim
que a velha se aproximou mais de Aline, segurou o lampião bem próximo ao seu
rosto, iluminando seu olhar de espanto.
- Ora, ora, o que temos aqui no
meio da noite? – disse a velha segurando com uma de suas mãos enrugadas o
queixo de Aline – Uma menina! O que uma menina tão linda faz amarrada a uma árvore
bem no meio da minha floresta?
- Quem é você? Por favor, não me
faça mal – sussurrou Aline com as forças que ainda lhe restavam.
- Calma, minha criança. Como
você se chama?
- Eu me chamo Aline. Agora me
solte para eu voltar para casa!
- Aline? Já ouvi muito falar de
você nas vezes em que fui disfarçada até o povoado. Desconfio porque te
abandonaram aqui.
- Aqueles malditos moradores
obrigaram meus pais a deixar o povoado. Eles não tinham para onde ir e por isso
me deixaram aqui. Mas me solte e eu voltarei!
- Voltar? Se você voltar àquele
lugar você verá que ficar amarrada a uma árvore não é nada comparado ao que
farão com você, menina.
- Eles não podem fazer isso
comigo!
- Podem sim, você é um monstro.
- Eu não sou um monstro, sua...
- Sua o que? Por acaso você faz
ideia de quem sou?
- Não me interessa. Eu só quero
sair daqui e voltar para casa.
- Meu nome é Andregiana, minha
menina.
- Andregiana?!
Ao
ouvir esse nome, o coração de Aline disparou e sua pele gelou como a de um
cadáver. Então era ela mesma, a terrível Andregiana e estava ali, bem na sua
frente, conversando com ela! O que lhe aconteceria? Em que animal seria
transformada? Ficaria viva? Toda a sua vida passou diante dos seus olhos.
Lembrou-se imediatamente das histórias que ouvia sobre a terrível bruxa
comedora de crianças.
- O que pretende fazer comigo? –
murmurou Aline quase sem poder falar.
- Vou lhe dar três escolhas:
ficar aqui amarrada e ser comida pelas raposas e pelas onças, voltar ao povoado
e enfrentar a multidão enfurecida ou vir comigo para a minha caverna.
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