quarta-feira, 31 de maio de 2017

A TEOLOGIA PIROMANÍACA





Os escolhidos
Lucas 9

As coisas de Deus nem sempre ficam claras para nós, não porque haja falta de transparência da parte de Deus, mas porque a nossa visão limitada nos impede de compreender com absoluta clareza a sua vontade e o seu agir. Sem a ação do Espírito Santo, somos incapazes de discernir as coisas espirituais e aplicar de forma correta o conteúdo das Escrituras. Os discípulos de Jesus deram uma demonstração desse conhecimento limitado. No início da narrativa do capítulo nono do Evangelho se Lucas, Jesus envia os seus discípulos para pregar o Reino de Deus e lhes dá poder e autoridade para expulsar demônios e para curar, o que eles executam prontamente (Vs. 1-6). Depois disto, eles presenciaram o grande milagre da multiplicação dos pães para uma multidão faminta (vs. 12-17). Todos esses sinais e milagres não deixaram dúvidas de que eles estavam diante de Cristo, o Filho do Deus vivo, como declarou Pedro (vs. 18-21). Oito dias após estes episódios, os apóstolos Pedro, Tiago e João presenciaram a transfiguração de Jesus (vs. 29-36) e a aparição de Moisés e Elias ao lado dele. Descendo eles do monte onde estavam, no dia seguinte, outro fato miraculoso foi presenciado; a expulsão do demônio de um menino a pedido do seu pai (vs. 37-43). Logo depois, após anunciar que a sua morte estava próxima, percebendo um questionamento entre os seus discípulos de quem seria o maior, o Senhor deu-lhes um exemplo de humildade ao chamar para perto de si uma criança, afirmando que o menor seria o maior (vs. 46-48). Vemos quantos sinais, maravilhas e ensinamentos os apóstolos tiveram a respeito da natureza e da missão de Jesus em tão pouco tempo. Eles não eram apenas espectadores, mas aprendizes que viviam na prática as lições dadas pelo Mestre. Aquilo que Jesus era e os sinais que Ele fazia haveriam de acompanhá-los também em seu ministério. Eles eram os “escolhidos”.


Desejo equivocado
Lucas 9:54

Como apóstolos, os doze haviam sido chamados com a mesma autoridade daquele que os chamara e com esta mesma autoridade eram enviados a pregar o Evangelho. Eles possuíam uma identidade com Cristo não somente porque foram comissionados por Ele, mas porque andavam com Ele e criam na sua natureza messiânica. Muitos são chamados, mas poucos os escolhidos, e eles possuíam essas duas prerrogativas (Jo 15:16; Mt 4:17,19; 10:2-4; Mc 3:13-19; Lc 6:12-16). Parece-nos, porém, que nem sempre todos eles compreenderam totalmente a natureza daquele que os chamou nem a razão do seu chamamento. O evangelista Lucas relata algo inusitado: após Jesus ter sido rejeitado em Samaria, por onde deveria passar em viagem a caminho de Jerusalém, Tiago e João, tomando as suas dores, perguntam ao Senhor se Ele queria que eles mandassem descer fogo do céu para consumir aquelas pessoas. Talvez por terem sido escolhidos, por terem presenciado e também operado tantos sinais e maravilhas, os dois discípulos se acharam imbuídos de um poder tal que lhes dava autoridade para destruir quem ou o que desejassem. Como judeus, a sua relação com os samaritanos não era nada boa, porque ambas as partes se odiavam e se evitavam. Estava ali uma oportunidade para por fim a essa desavença histórica, destruindo o fruto do desafeto dos judeus. Não era essa, todavia, a natureza do Cristo, o Filho do Deus vivo. Tiago e João são chamados na Bíblia por Jesus de “filhos do trovão” (Mc 3:7) e agora parecem querer se utilizar disso para punir os samaritanos. Olhando para o Evangelho de João e as suas epístolas, vemos como ocorreu uma transformação radical na maneira de enxergar as pessoas desse apóstolo do Senhor e, com certeza, também de Tiago. João escreve que quem ama a Deus, ama de igual forma a seu irmão (1 Jo 4:21).


A pregação do fogo
Lucas 9:55,56

Algumas versões, como a Bíblia de Jerusalém, omitem o conteúdo da repreensão de Jesus: “vós não sabeis de quê espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as vidas dos homens, mas para salvá-las” (vs. 55,56), que a ARA coloca entre colchetes, mas que é mantida na King James. Pensa-se ser um acréscimo dos copistas, talvez Marcion. Todavia, isso não é conclusivo. Sendo ou não um acréscimo, esta fala de Jesus revelou aos dois discípulos uma verdade: o objetivo de Deus não era destruir, mas salvar; não era condenar, mas oferecer-se a si mesmo como oferta para a justificação do pecador. Os sinais que seguiam as pregações de Jesus apontavam para o seu Reino de amor, onde os mais indignos de misericórdia poderiam alcançá-la. Hoje encontramos muitos cristãos e muitas teologias que se assemelham à intenção dos “filhos do trovão” de incendiarem aqueles que não creem em Cristo. Muitas músicas evangélicas colocam o crente num patamar superior, no palco, sendo aplaudidos pelos que estão na plateia. Prega-se que os inimigos do povo de Deus serão destruídos e envergonhados, enquanto o crente será exaltado. A missão de Cristo é fruto do amor de Deus (Jo 3:16) e a mesma deve ser a missão da Igreja. O Evangelho que pregamos fala de salvação, embora também fale sobre juízo (Jo 3:36). Deus não fará descer fogo do céu sobre o descrente, mas enviou o seu Espírito Santo para dar poder e autoridade à sua Igreja para pregar o Evangelho (At 1:8). Se queremos que o fogo de Deus alcance aqueles que rejeitam a Palavra – e isto num sentido figurado – devemos arder em amor para com eles, praticando a Missão Integral, importando-nos com o seu sofrimento, pregando a verdade que pode libertá-los. Esse é o verdadeiro fogo: o fogo das boas obras, da doação, da solidariedade, do testemunho, do compromisso irrestrito com o Reino de amor.


Mizael de Souza Xavier 

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