Os
escolhidos
Lucas 9
As coisas de Deus nem sempre ficam
claras para nós, não porque haja falta de transparência da parte de Deus, mas
porque a nossa visão limitada nos impede de compreender com absoluta clareza a
sua vontade e o seu agir. Sem a ação do Espírito Santo, somos incapazes de
discernir as coisas espirituais e aplicar de forma correta o conteúdo das
Escrituras. Os discípulos de Jesus deram uma demonstração desse conhecimento
limitado. No início da narrativa do capítulo nono do Evangelho se Lucas, Jesus
envia os seus discípulos para pregar o Reino de Deus e lhes dá poder e
autoridade para expulsar demônios e para curar, o que eles executam prontamente
(Vs. 1-6). Depois disto, eles presenciaram o grande milagre da multiplicação
dos pães para uma multidão faminta (vs. 12-17). Todos esses sinais e milagres
não deixaram dúvidas de que eles estavam diante de Cristo, o Filho do Deus
vivo, como declarou Pedro (vs. 18-21). Oito dias após estes episódios, os
apóstolos Pedro, Tiago e João presenciaram a transfiguração de Jesus (vs.
29-36) e a aparição de Moisés e Elias ao lado dele. Descendo eles do monte onde
estavam, no dia seguinte, outro fato miraculoso foi presenciado; a expulsão do
demônio de um menino a pedido do seu pai (vs. 37-43). Logo depois, após
anunciar que a sua morte estava próxima, percebendo um questionamento entre os
seus discípulos de quem seria o maior, o Senhor deu-lhes um exemplo de
humildade ao chamar para perto de si uma criança, afirmando que o menor seria o
maior (vs. 46-48). Vemos quantos sinais, maravilhas e ensinamentos os apóstolos
tiveram a respeito da natureza e da missão de Jesus em tão pouco tempo. Eles
não eram apenas espectadores, mas aprendizes que viviam na prática as lições
dadas pelo Mestre. Aquilo que Jesus era e os sinais que Ele fazia haveriam de
acompanhá-los também em seu ministério. Eles eram os “escolhidos”.
Desejo
equivocado
Lucas 9:54
Como apóstolos, os doze haviam sido
chamados com a mesma autoridade daquele que os chamara e com esta mesma
autoridade eram enviados a pregar o Evangelho. Eles possuíam uma identidade com
Cristo não somente porque foram comissionados por Ele, mas porque andavam com
Ele e criam na sua natureza messiânica. Muitos são chamados, mas poucos os
escolhidos, e eles possuíam essas duas prerrogativas (Jo 15:16; Mt 4:17,19;
10:2-4; Mc 3:13-19; Lc 6:12-16). Parece-nos, porém, que nem sempre todos eles
compreenderam totalmente a natureza daquele que os chamou nem a razão do seu
chamamento. O evangelista Lucas relata algo inusitado: após Jesus ter sido
rejeitado em Samaria, por onde deveria passar em viagem a caminho de Jerusalém,
Tiago e João, tomando as suas dores, perguntam ao Senhor se Ele queria que eles
mandassem descer fogo do céu para consumir aquelas pessoas. Talvez por terem
sido escolhidos, por terem presenciado e também operado tantos sinais e
maravilhas, os dois discípulos se acharam imbuídos de um poder tal que lhes
dava autoridade para destruir quem ou o que desejassem. Como judeus, a sua
relação com os samaritanos não era nada boa, porque ambas as partes se odiavam
e se evitavam. Estava ali uma oportunidade para por fim a essa desavença
histórica, destruindo o fruto do desafeto dos judeus. Não era essa, todavia, a
natureza do Cristo, o Filho do Deus vivo. Tiago e João são chamados na Bíblia
por Jesus de “filhos do trovão” (Mc 3:7) e agora parecem querer se utilizar
disso para punir os samaritanos. Olhando para o Evangelho de João e as suas
epístolas, vemos como ocorreu uma transformação radical na maneira de enxergar
as pessoas desse apóstolo do Senhor e, com certeza, também de Tiago. João
escreve que quem ama a Deus, ama de igual forma a seu irmão (1 Jo 4:21).
A
pregação do fogo
Lucas 9:55,56
Algumas versões, como a Bíblia de
Jerusalém, omitem o conteúdo da repreensão de Jesus: “vós não sabeis de quê
espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as vidas dos
homens, mas para salvá-las” (vs. 55,56), que a ARA coloca entre colchetes, mas
que é mantida na King James. Pensa-se ser um acréscimo dos copistas, talvez
Marcion. Todavia, isso não é conclusivo. Sendo ou não um acréscimo, esta fala
de Jesus revelou aos dois discípulos uma verdade: o objetivo de Deus não era
destruir, mas salvar; não era condenar, mas oferecer-se a si mesmo como oferta
para a justificação do pecador. Os sinais que seguiam as pregações de Jesus
apontavam para o seu Reino de amor, onde os mais indignos de misericórdia
poderiam alcançá-la. Hoje encontramos muitos cristãos e muitas teologias que se
assemelham à intenção dos “filhos do trovão” de incendiarem aqueles que não
creem em Cristo. Muitas músicas evangélicas colocam o crente num patamar
superior, no palco, sendo aplaudidos pelos que estão na plateia. Prega-se que
os inimigos do povo de Deus serão destruídos e envergonhados, enquanto o crente
será exaltado. A missão de Cristo é fruto do amor de Deus (Jo 3:16) e a mesma
deve ser a missão da Igreja. O Evangelho que pregamos fala de salvação, embora
também fale sobre juízo (Jo 3:36). Deus não fará descer fogo do céu sobre o
descrente, mas enviou o seu Espírito Santo para dar poder e autoridade à sua
Igreja para pregar o Evangelho (At 1:8). Se queremos que o fogo de Deus alcance
aqueles que rejeitam a Palavra – e isto num sentido figurado – devemos arder em
amor para com eles, praticando a Missão Integral, importando-nos com o seu
sofrimento, pregando a verdade que pode libertá-los. Esse é o verdadeiro fogo:
o fogo das boas obras, da doação, da solidariedade, do testemunho, do
compromisso irrestrito com o Reino de amor.
Mizael de Souza Xavier
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor, jamais comente anonimamente. Escrevi publicamente e sem medo. Faça o mesmo ao comentar. Grato.