terça-feira, 23 de maio de 2017

ÉTICA CRISTÃ E POLÍTICA




1 INTRODUÇÃO

Ao falarmos a respeito de ética, política e o envolvimento do cristão na política devemos responder a algumas questões. Primeira: o que é ética? Em se tratando da Igreja, este conceito precisa estar impregnado dos valores da Palavra de Deus. A ética bíblica nem sempre encontra eco na ética secular. A ética de Deus é baseada em princípios absolutos e soberanos, enquanto a ética do mundo é relativista e está em constante estado de mutação. Segunda: sobre o que estamos falando quando nos referimos à política? A política tanto é um conceito filosófico como também corresponde à prática a partir desse conceito. Mesmo o indivíduo que se declara apolítico tem a sua política: a de ser apolítico. O sistema de crenças e práticas envolvendo o conceito de política leva à formação da política partidária, uma forma de fazer político. Logo, a política não é necessariamente partidária. Terceira: qual o nível de envolvimento da Igreja com as questões políticas? Questiona-se a respeito da participação do crente na política, se é correto ou não o seu envolvimento político-partidário. Mas questiona-se, também, a natureza (motivação) e a qualidade desse envolvimento, o que envolve muitas questões éticas pertinentes.


2 O QUE É ÉTICA?

            A ética é um conceito que serve a diversas práticas. De acordo com o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, ÉTICA é "o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modo absoluto”. Então podemos pensar em várias éticas, cada uma voltada para uma cultura diferente, ainda que carregadas de valores gerais, como o ideal de justiça e equidade. A ética, contudo, não tem a ver com o campo da especulação, mas é um conjunto de valores e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. A diversidade humana pede uma diversidade ética, padrões morais diferentes e que variam de acordo com a cultura, os costumes e as épocas. Na verdade, os princípios éticos são universais, enquanto que as variantes culturais nós chamamos de “normas morais”, variando os “atos morais” de pessoa para pessoa.


3 O GOVERNO É ORDENADO POR DEUS

            É impossível negarmos o fato de que vivemos numa sociedade regida por formas de governo. Essas formas variam de acordo com cada país: governos absolutistas, monárquicos, democráticos, patriarcais, entre outros. Esses governos, eleitos ou não pelo povo, são responsáveis por comandar a nação, manter a ordem, criar e aplicar as leis, promover o crescimento individual e coletivo. No caso do Brasil, vivemos um governo eleito democraticamente, o que envolve a nossa responsabilidade para com aqueles em quem votamos. A existência de governo é determinada por Deus em sua Palavra, o que podemos ver na presença de líderes que comandavam o povo, como Abraão e Moisés, e nas formas de governo posteriores (juízes, profetas e reis). Vemos explícitos na teocracia mosaica os poderes do governo (cf. Êx 21:23-25; 1 Sam 8:7,22; 10:24; 23:1), como também o domínio de Deus sobre as nações gentílicas (Dn 4:25; 2:7). Se Deus organizou a sociedade de maneira a haver sempre a presença do governo, significa que isso é essencialmente bom e precisa ser valorizado. Levanto em conta que ter aqueles que governam significa ter aqueles que são governados, o governo não é uma via de mão única, mas chama à responsabilidade ambas as partes de construir um governo justo e democrático. Quando não pensamos dessa forma, deixamos de fazer a nossa parte e permitimos que os governos exerçam o seu poder da forma como bem entenderem.
            O Novo Testamento repete a mesma ideia de governo do Antigo Testamento. Na época em que os seus livros foram escritos, a sociedade do ambiente bíblico vivia sob o domínio do Império Romano, que era o governo vigente. Vemos em vários textos que Deus ordenou o governo (cf. Mt 22:21; Jo 19:11; 1 Tm 2:2; Tt 3:1; 1 Pe 2:13,14). Havia, ainda, as autoridades religiosas que comandavam o povo, os fariseus, com todas as suas normas de fé e de conduta. É interessante notar quem em momento algum Jesus ou os seus discípulos ensinam que não se deve obedecer as leis ou que os governos devem ser desprezados. Quando Jesus foi questionado a respeito do pagamento de impostos à César, Ele não se negou a fazê-lo, mas afirmou que o que era de César, era de César (Mt 22:17-22). Com relação à autoridade dos fariseus, entretanto, o Senhor levantou diversos questionamentos.
A Bíblia nos ensina a obedecer às leis e os magistrados porque eles são ministros de Deus; também não devemos temê-los, a não ser que pratiquemos o mal, conforme lemos em Romanos 13:1-7. Quando a Bíblia fala de autoridade, certamente não se está referindo às pessoas que exercem essa autoridade, mas à própria autoridade em si. A autoridade é constituída para criar leis, executá-las e julgá-las. Essas leis não devem promover desigualdades nem devem ser aplicadas de forma injusta, mas igualitária. Os governos totalitários, as ditaduras, não estão a serviço da justiça, mas dos seus próprios interesses. Governantes eleitos de forma corrupta, incluindo compra de votos, que agem corruptamente em seus cargos não estão praticando a justiça. Eles estão em um cargo de autoridade, mas não são “a autoridade”. A autoridade está no cargo e não na pessoa. A justiça está nas leis e não nos magistrados, que são pessoas falhas, pecadoras e podem se corromper, se vender, se enganar, usar da máquina do Estado para promover seus interesses espúrios. Pela lógica, os próprios magistrados devem ser os primeiros a estarem sujeitos à autoridade. Eles devem ser os primeiros a fazer o bem para obter louvor dela.
                       

4 O CRISTÃO E A POLÍTICA

A realidade expressa no parágrafo anterior demonstra a importância do envolvimento cristão na vida política do seu país. É impossível a existência de um indivíduo apolítico, pois, como já dissemos, a própria decisão pelo não envolvimento em questões de natureza política já é uma decisão política. O próximo passo é definirmos: 1) se é moralmente certo o envolvimento do crente nas questões políticas; 2) como deve ser e ética  desse envolvimento. Ao se falar em política, é interessante que nos desapeguemos, por hora, do seu aspecto negativo perpetrado por indivíduos inescrupulosos que se utilizam da política para seu próprio benefício. A política é uma realidade e é necessária. A Igreja do Senhor está totalmente envolvida nela, ainda que não queira nem aceite. Qualquer decisão política do país afeta a Igreja, podendo ser na área econômica, social e até mesmo religiosa. Somos guiados pela Bíblia e regidos pela Constituição Federal. As nossas ações neste mundo não dizem respeito apenas àquilo que Deus espera de nós, mas também àquilo que as leis esperam que cumpramos. Toda decisão política é do interesse da Igreja e deve ser levada em conta. Quando o Congresso Nacional aprova uma Lei, a Igreja não está isenta de cumpri-la.  Quando o crente desobedece uma Lei, não está isento de sofrer as devidas penalidades. As leis são justas, mesmo sendo contrárias à Palavra de Deus, porque são equânimes.
Se a política é algo que afeta a vida de todas as pessoas - para o bem ou para o mal - é moralmente correto o envolvimento da Igreja nas questões políticas. Embora não fazer política já seja um ato político, o não envolvimento é uma declaração de indiferença com relação a algo que afeta tão profundamente a vida dos cidadãos. Isto significa que quando deixamos de nos envolver nas questões políticas, aceitamos as coisas como eles são de maneira conformista e fatalista, o que demonstra, no mínimo, falta de amor próprio e pelas pessoas que são afetadas por uma política mal intencionada.  Não discutir política nem se importar com os rumos do país e moralmente errado. A ética cristã tem como base fundamental o amor. Se não amamos, todos os nossos atos serão contaminados pelo egoísmo, incluindo os atos políticos. Seja desenvolvendo uma consciência política sadia ou envolvendo-se ativamente na vida política do país por meio de cargos eletivos, o crente é chamado a se importar, a erguer uma voz santa e profética em meio a uma geração perversa e corrupta. Se a Igreja não fizer a diferença, quem a fará?


5 O AMOR COMO ÉTICA SUPREMA

Como vimos, fazer política e envolver-se em questões políticas é moralmente certo, porque envolve a prática do amor. Se amamos as pessoas, importamo-nos com elas. As discussões sobre fazer ou não o bem ao próximo, mesmo aos que não são cristãos, não pode girar em torno de debates sobre a corruptibilidade do mundo ou a iminente volta triunfal do Senhor Jesus Cristo. Isto é diminuir o valor do Evangelho e limitar o alcance do Reino de Deus. O ideal de Deus para a humanidade é bem mais abrangente e pode ser visto em toda a extensão das Escrituras. O Evangelho de Mateus nos mostra um embate teológico entre os fariseus e Jesus Cristo acerca de qual seria o grande mandamento da Lei (22:34-40). Segundo comentário da Bíblia Shedd para a inquirição dos fariseus, eles haviam abstraído do Antigo Testamento nada menos que 248 preceitos afirmativos, além de 365 negativos. Talvez a resposta do Senhor Jesus aos fariseus em sua dialética racional deva responder à dialética teológica que gira em torno da ética da Igreja com relação à política: a igreja deve se preocupar apenas com a salvação da alma ou precisa levar em conta, em sua evangelização, o corpo onde essa alma habita? Isso nos levará ao ideal de Missão Integral, onde o fazer político está totalmente inserido.
A resposta contundente dada pelo Senhor a respeito do amor a Deus e ao próximo como os pilares nos quais se sustentam a Lei e os Profetas, é também a chave de entendimento da veracidade da vivência política que a igreja deve praticar. O mandamento é o amor e é o amor que nos identifica como discípulos de Cristo, como filhos de Deus e seus servos (cf. Jo 13:34; 14:15; 1 Jo 2:3-7). O apóstolo João escreveu: “E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis nesse amor” (2 Jo 6). O versículo 4 fala a respeito de andar na verdade “de acordo com o mandamento que recebemos da parte do Pai”. E este mandamento é o amor. Logo, obedecer aos mandamentos significa praticar o amor. Se amamos, nossos atos serão atos de amor e esses atos serão legitimados pela Palavra de Deus como atos de justiça. Assim, tanto o agir político quanto a prática da política partidária estarão alicerçados sobre o valor absoluto e imutável do amor. Todas as nossas ações políticas devem ser baseadas no amor e m tudo aquilo que lhe diz respeito.
O Senhor Jesus Cristo nos deixa bastante claro que a prática do amor extrapola as barreiras de fé e se estende mesmo àqueles que para nós são dignos de desprezo. Ele enfatizou: “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem... Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos o mesmo?... Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:43-48). Vale salientar que a expressão “odiarás o teu inimigo” não pertence ao Antigo Testamento, mas à tradição popular dos judeus. Em contraponto ao amor segregacionista dos judeus, Jesus mostra a forma perfeita de amar: sendo perfeitos iguais a Deus, cujo amor é universal. Quem é de Cristo não limita a prática do seu amor aos que fazem parte do seu círculo familiar e de fé, mas tem no amor universal sua fonte de piedade. Isso redimensiona o fazer político e a ética cristã: a nossa visão é bem mais abrangente que imaginamos e, juntamente com ela, a nossa responsabilidade diante das causas sociais, que envolvem invariavelmente questões políticas.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O que se pode concluir parcialmente diante do que foi exposto é que e Igreja possui uma ética superior à ética vigente no mundo e que é justamente esse o fator motivador maior para o envolvimento dos cristãos nas questões que afetam diretamente a sociedade em que eles estão inseridos. Se a ética relativista secular clama por uma sociedade justa e igualitária, muito mais forte a ética cristã, baseada nos valores absolutos e divinos da Bíblia, clamará. Se não estamos envolvidos diretamente em questões políticas, mas procuramos sublimar as questões sociais à nossa volta, não estamos cumprindo o mandamento do Senhor de amá-lo acima de todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos. A ética cristã parte do princípio de que vivemos em comunidade e que o bem individual não pode estar acima do bem comum nem existir em detrimento deste. Isso está exemplificado nas palavras do Senhor Jesus: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7:12). Se queremos o bem a nós mesmos, devemos desejá-lo a todos. Se esperamos receber a justiça, devemos agir com justiça.
            O ensino teológico nas igrejas atuais pouco envolve o debate político. Os crentes não são ensinados sobre o valor da política e como esta os afeta em todas as áreas da sua vida. Faz-se a dicotimização entre vida espiritual e vida social, como se fosse possível o ser religioso abster-se do ser político. Todavia, assim como a espiritualidade caminha juntamente com o viver/fazer político, este não pode se desvencilhar da espiritualidade: todos formam uma realidade só e presente na vida de cada crente. Desta forma, podemos concluir que: 1) parte da falta de consciência política deve-se ao despreparo ou a má vontade dos líderes eclesiásticos em contribuir para a construção do pensamento político entre os seus fiéis, abstendo-se de questões que envolvam a política em detrimento de uma vida fantasiosa e desprovida de prática; 2) essa falta de consciência política tem levado a Igreja do Senhor a trilhar caminhos tortuosos no que diz respeito àquilo que acontece à sua volta e que envolve diretamente os fatos e atos políticos. Em primeiro lugar, produz analfabetos políticos, cidadãos incapazes de pensar e viver de forma plena a sua cidadania e de lutar por seus direitos. Em segundo lugar, promove um estado de inconsciência capaz de permitir que crentes negociem o seu voto e se deixem enredar por currais eleitorais e o “voto de cabresto”. Uma igreja não politizada é um desserviço ao País e uma oportunidade para a ação de políticos inescrupulosos. Logo, a ética cristã nos leva a crer que ser político e fazer política é moralmente correto e é bíblico.


BIBLIOGRAFIA


BARROS, Wilson Tadeu de Barros. Ética Cristã. Parnamirim, 1996.

XAVIER, Mizael de Souza. Missão Integral: evangelismo e responsabilidade social na dinâmica solidária do Reino de Deus. Parnamirim, 2015.


Mizael  Xavier

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