1 INTRODUÇÃO
Ao falarmos a respeito de ética, política e o
envolvimento do cristão na política devemos responder a algumas questões.
Primeira: o que é ética? Em se tratando da Igreja, este conceito precisa estar
impregnado dos valores da Palavra de Deus. A ética bíblica nem sempre encontra
eco na ética secular. A ética de Deus é baseada em princípios absolutos e
soberanos, enquanto a ética do mundo é relativista e está em constante estado
de mutação. Segunda: sobre o que estamos falando quando nos referimos à
política? A política tanto é um conceito filosófico como também corresponde à
prática a partir desse conceito. Mesmo o indivíduo que se declara apolítico tem
a sua política: a de ser apolítico. O sistema de crenças e práticas envolvendo
o conceito de política leva à formação da política partidária, uma forma de
fazer político. Logo, a política não é necessariamente partidária. Terceira:
qual o nível de envolvimento da Igreja com as questões políticas? Questiona-se
a respeito da participação do crente na política, se é correto ou não o seu
envolvimento político-partidário. Mas questiona-se, também, a natureza
(motivação) e a qualidade desse envolvimento, o que envolve muitas questões
éticas pertinentes.
2 O QUE É ÉTICA?
A ética é um conceito que serve a
diversas práticas. De acordo com o
Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, ÉTICA é "o estudo dos juízos de
apreciação que se referem à conduta humana susceptível de qualificação do ponto
de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modo
absoluto”. Então podemos pensar em várias éticas, cada uma voltada para uma
cultura diferente, ainda que carregadas de valores gerais, como o ideal de
justiça e equidade. A ética, contudo, não tem a ver com o campo da especulação,
mas é um conjunto de valores e princípios que norteiam a conduta humana na
sociedade. A diversidade humana pede uma diversidade ética, padrões morais
diferentes e que variam de acordo com a cultura, os costumes e as épocas. Na
verdade, os princípios éticos são universais, enquanto que as variantes
culturais nós chamamos de “normas morais”, variando os “atos morais” de pessoa
para pessoa.
3 O GOVERNO É
ORDENADO POR DEUS
É impossível negarmos o fato de que
vivemos numa sociedade regida por formas de governo. Essas formas variam de
acordo com cada país: governos absolutistas, monárquicos, democráticos,
patriarcais, entre outros. Esses governos, eleitos ou não pelo povo, são
responsáveis por comandar a nação, manter a ordem, criar e aplicar as leis,
promover o crescimento individual e coletivo. No caso do Brasil, vivemos um
governo eleito democraticamente, o que envolve a nossa responsabilidade para
com aqueles em quem votamos. A existência de governo é determinada por Deus em
sua Palavra, o que podemos ver na presença de líderes que comandavam o povo,
como Abraão e Moisés, e nas formas de governo posteriores (juízes, profetas e
reis). Vemos explícitos na teocracia mosaica os poderes do governo (cf. Êx
21:23-25; 1 Sam 8:7,22; 10:24; 23:1), como também o domínio de Deus sobre as
nações gentílicas (Dn 4:25; 2:7). Se Deus organizou a sociedade de maneira a
haver sempre a presença do governo, significa que isso é essencialmente bom e
precisa ser valorizado. Levanto em conta que ter aqueles que governam significa
ter aqueles que são governados, o governo não é uma via de mão única, mas chama
à responsabilidade ambas as partes de construir um governo justo e democrático.
Quando não pensamos dessa forma, deixamos de fazer a nossa parte e permitimos
que os governos exerçam o seu poder da forma como bem entenderem.
O Novo Testamento repete a mesma
ideia de governo do Antigo Testamento. Na época em que os seus livros foram
escritos, a sociedade do ambiente bíblico vivia sob o domínio do Império
Romano, que era o governo vigente. Vemos em vários textos que Deus ordenou o
governo (cf. Mt 22:21; Jo 19:11; 1 Tm 2:2; Tt 3:1; 1 Pe 2:13,14). Havia, ainda,
as autoridades religiosas que comandavam o povo, os fariseus, com todas as suas
normas de fé e de conduta. É interessante notar quem em momento algum Jesus ou
os seus discípulos ensinam que não se deve obedecer as leis ou que os governos
devem ser desprezados. Quando Jesus foi questionado a respeito do pagamento de
impostos à César, Ele não se negou a fazê-lo, mas afirmou que o que era de
César, era de César (Mt 22:17-22). Com relação à autoridade dos fariseus,
entretanto, o Senhor levantou diversos questionamentos.
A Bíblia nos ensina a obedecer às leis e os
magistrados porque eles são ministros de Deus; também não devemos temê-los, a
não ser que pratiquemos o mal, conforme lemos em Romanos 13:1-7. Quando a
Bíblia fala de autoridade, certamente não se está referindo às pessoas que
exercem essa autoridade, mas à própria autoridade em si. A autoridade é
constituída para criar leis, executá-las e julgá-las. Essas leis não devem
promover desigualdades nem devem ser aplicadas de forma injusta, mas
igualitária. Os governos totalitários, as ditaduras, não estão a serviço da
justiça, mas dos seus próprios interesses. Governantes eleitos de forma
corrupta, incluindo compra de votos, que agem corruptamente em seus cargos não
estão praticando a justiça. Eles estão em um cargo de autoridade, mas não são
“a autoridade”. A autoridade está no cargo e não na pessoa. A justiça está nas
leis e não nos magistrados, que são pessoas falhas, pecadoras e podem se
corromper, se vender, se enganar, usar da máquina do Estado para promover seus
interesses espúrios. Pela lógica, os próprios magistrados devem ser os
primeiros a estarem sujeitos à autoridade. Eles devem ser os primeiros a fazer
o bem para obter louvor dela.
4 O CRISTÃO E A
POLÍTICA
A realidade expressa no parágrafo anterior
demonstra a importância do envolvimento cristão na vida política do seu país. É
impossível a existência de um indivíduo apolítico, pois, como já dissemos, a
própria decisão pelo não envolvimento em questões de natureza política já é uma
decisão política. O próximo passo é definirmos: 1) se é moralmente certo o
envolvimento do crente nas questões políticas; 2) como deve ser e ética
desse envolvimento. Ao se falar em política, é interessante que nos desapeguemos,
por hora, do seu aspecto negativo perpetrado por indivíduos inescrupulosos que
se utilizam da política para seu próprio benefício. A política é uma realidade
e é necessária. A Igreja do Senhor está totalmente envolvida nela, ainda que
não queira nem aceite. Qualquer decisão política do país afeta a Igreja,
podendo ser na área econômica, social e até mesmo religiosa. Somos guiados pela
Bíblia e regidos pela Constituição Federal. As nossas ações neste mundo não dizem
respeito apenas àquilo que Deus espera de nós, mas também àquilo que as leis
esperam que cumpramos. Toda decisão política é do interesse da Igreja e deve
ser levada em conta. Quando o Congresso Nacional aprova uma Lei, a Igreja não
está isenta de cumpri-la. Quando o crente desobedece uma Lei, não está
isento de sofrer as devidas penalidades. As leis são justas, mesmo sendo
contrárias à Palavra de Deus, porque são equânimes.
Se a política é algo que afeta a vida de
todas as pessoas - para o bem ou para o mal - é moralmente correto o
envolvimento da Igreja nas questões políticas. Embora não fazer política já
seja um ato político, o não envolvimento é uma declaração de indiferença com
relação a algo que afeta tão profundamente a vida dos cidadãos. Isto significa
que quando deixamos de nos envolver nas questões políticas, aceitamos as coisas
como eles são de maneira conformista e fatalista, o que demonstra, no mínimo,
falta de amor próprio e pelas pessoas que são afetadas por uma política mal
intencionada. Não discutir política nem se importar com os rumos do país
e moralmente errado. A ética cristã tem como base fundamental o amor. Se não
amamos, todos os nossos atos serão contaminados pelo egoísmo, incluindo os atos
políticos. Seja desenvolvendo uma consciência política sadia ou envolvendo-se
ativamente na vida política do país por meio de cargos eletivos, o crente é
chamado a se importar, a erguer uma voz santa e profética em meio a uma geração
perversa e corrupta. Se a Igreja não fizer a diferença, quem a fará?
5 O AMOR COMO ÉTICA
SUPREMA
Como vimos, fazer política e
envolver-se em questões políticas é moralmente certo, porque envolve a prática
do amor. Se amamos as pessoas, importamo-nos com elas.
As discussões sobre fazer ou não o bem ao próximo, mesmo aos que não são
cristãos, não pode girar em torno de debates sobre a corruptibilidade do mundo
ou a iminente volta triunfal do Senhor Jesus Cristo. Isto é diminuir o valor do
Evangelho e limitar o alcance do Reino de Deus. O ideal de Deus para a
humanidade é bem mais abrangente e pode ser visto em toda a extensão das
Escrituras. O Evangelho de Mateus nos mostra um embate teológico entre os
fariseus e Jesus Cristo acerca de qual seria o grande mandamento da Lei
(22:34-40). Segundo comentário da Bíblia Shedd para a inquirição dos fariseus,
eles haviam abstraído do Antigo Testamento nada menos que 248 preceitos
afirmativos, além de 365 negativos. Talvez a resposta do Senhor Jesus aos
fariseus em sua dialética racional deva responder à dialética teológica que
gira em torno da ética da Igreja com relação à política: a igreja deve se
preocupar apenas com a salvação da alma ou precisa levar em conta, em sua
evangelização, o corpo onde essa alma habita? Isso nos levará ao ideal de
Missão Integral, onde o fazer político está totalmente inserido.
A resposta contundente
dada pelo Senhor a respeito do amor a Deus e ao próximo como os pilares nos
quais se sustentam a Lei e os Profetas, é também a chave de entendimento da
veracidade da vivência política que a igreja deve praticar. O mandamento é o
amor e é o amor que nos identifica como discípulos de Cristo, como filhos de
Deus e seus servos (cf. Jo 13:34; 14:15; 1 Jo 2:3-7). O apóstolo João escreveu:
“E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este mandamento,
como ouvistes desde o princípio, é que andeis nesse amor” (2 Jo 6). O versículo
4 fala a respeito de andar na verdade “de acordo com o mandamento que recebemos
da parte do Pai”. E este mandamento é o amor. Logo, obedecer aos mandamentos
significa praticar o amor. Se amamos, nossos atos serão atos de amor e esses
atos serão legitimados pela Palavra de Deus como atos de justiça. Assim, tanto
o agir político quanto a prática da política partidária estarão alicerçados
sobre o valor absoluto e imutável do amor. Todas as nossas ações políticas
devem ser baseadas no amor e m tudo aquilo que lhe diz respeito.
O Senhor Jesus Cristo nos
deixa bastante claro que a prática do amor extrapola as barreiras de fé e se
estende mesmo àqueles que para nós são dignos de desprezo. Ele enfatizou:
“Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu,
porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem...
Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os
publicanos o mesmo?... Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai
celeste” (Mt 5:43-48). Vale salientar que a expressão “odiarás o teu inimigo”
não pertence ao Antigo Testamento, mas à tradição popular dos judeus. Em
contraponto ao amor segregacionista dos judeus, Jesus mostra a forma perfeita
de amar: sendo perfeitos iguais a Deus, cujo amor é universal. Quem é de Cristo
não limita a prática do seu amor aos que fazem parte do seu círculo familiar e
de fé, mas tem no amor universal sua fonte de piedade. Isso redimensiona o
fazer político e a ética cristã: a nossa visão é bem mais abrangente que
imaginamos e, juntamente com ela, a nossa responsabilidade diante das causas
sociais, que envolvem invariavelmente questões políticas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pode concluir parcialmente diante do que foi
exposto é que e Igreja possui uma ética superior à ética vigente no mundo e que
é justamente esse o fator motivador maior para o envolvimento dos cristãos nas
questões que afetam diretamente a sociedade em que eles estão inseridos. Se a
ética relativista secular clama por uma sociedade justa e igualitária, muito
mais forte a ética cristã, baseada nos valores absolutos e divinos da Bíblia,
clamará. Se não estamos envolvidos diretamente em questões políticas, mas
procuramos sublimar as questões sociais à nossa volta, não estamos cumprindo o
mandamento do Senhor de amá-lo acima de todas as coisas e ao nosso próximo como
a nós mesmos. A ética cristã parte do princípio de que vivemos em comunidade e
que o bem individual não pode estar acima do bem comum nem existir em
detrimento deste. Isso está exemplificado nas palavras do Senhor Jesus: “Tudo
quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles;
porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7:12). Se queremos o bem a nós mesmos,
devemos desejá-lo a todos. Se esperamos receber a justiça, devemos agir com
justiça.
O ensino teológico nas igrejas atuais pouco envolve o
debate político. Os crentes não são ensinados sobre o valor da política e como
esta os afeta em todas as áreas da sua vida. Faz-se a dicotimização entre vida
espiritual e vida social, como se fosse possível o ser religioso abster-se do
ser político. Todavia, assim como a espiritualidade caminha juntamente com o
viver/fazer político, este não pode se desvencilhar da espiritualidade: todos
formam uma realidade só e presente na vida de cada crente. Desta forma, podemos
concluir que: 1) parte da falta de consciência política deve-se ao despreparo
ou a má vontade dos líderes eclesiásticos em contribuir para a construção do
pensamento político entre os seus fiéis, abstendo-se de questões que envolvam a
política em detrimento de uma vida fantasiosa e desprovida de prática; 2) essa
falta de consciência política tem levado a Igreja do Senhor a trilhar caminhos
tortuosos no que diz respeito àquilo que acontece à sua volta e que envolve
diretamente os fatos e atos políticos. Em primeiro lugar, produz analfabetos
políticos, cidadãos incapazes de pensar e viver de forma plena a sua cidadania
e de lutar por seus direitos. Em segundo lugar, promove um estado de
inconsciência capaz de permitir que crentes negociem o seu voto e se deixem
enredar por currais eleitorais e o “voto de cabresto”. Uma igreja não
politizada é um desserviço ao País e uma oportunidade para a ação de políticos
inescrupulosos. Logo, a ética cristã nos leva a crer que ser político e fazer
política é moralmente correto e é bíblico.
BIBLIOGRAFIA
BARROS,
Wilson Tadeu de Barros. Ética Cristã.
Parnamirim, 1996.
XAVIER,
Mizael de Souza. Missão Integral:
evangelismo e responsabilidade social na dinâmica solidária do Reino de Deus.
Parnamirim, 2015.
Mizael Xavier
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