sexta-feira, 7 de outubro de 2016

POR UMA IGREJA PENSANTE



       O cristianismo está em crise. Sem correr o risco de uma fria generalização, o que se pode perceber é que a fé cristã parece se distanciar cada vez mais dos fundamentos bíblicos que a sustentaram desde a Igreja primitiva. Em se tratando do Protestantismo, as igrejas reformadas vêm lutando para manter-se firme diante das investidas constantes de uma teologia liberal, que tirou da Bíblia o seu lugar de destaque na vida dos cristãos, apresentando alternativas mundanas e carnais, baseadas nos ideais gananciosos de poder de pregadores populares. O neopentecostalismo trouxe à luz o que há de pior na mente dos falsos mestres e dos falsos profetas, de modo que até mesmo as igrejas históricas, consideradas ortodoxas, estão-se deixando impregnar por essa teologia egocêntrica, sensacionalista, triunfalista e demoníaca chamada Teologia da Prosperidade. Aquelas que ainda se mantém firmes na fé, enfrentam outro grave problema: a falta de amor e zelo pelo estudo da Bíblia, fruto de uma nova fé, pautada no imediatismo e no individualismo, onde o tempo gasto em ler a Palavra de Deus é tempo perdido em lutar para ser feliz e para alcançar a vitória tão almejada.
O que precisamos atualmente é de uma Igreja pensante, capaz de questionar aquilo que entra pelos seus ouvidos e que se diz Palavra de Deus. Uma Igreja que se debruça sobre as Escrituras e toma uma posição enérgica contra as heresias. Uma Igreja que possui uma fé crítica, com fundamento bíblico, prática e transformadora. É preciso que o cristão entenda as razões da sua fé e as razões porque não deve crer em certas inverdades. Isto só pode ser alcançado por meio do amor à Palavra de Deus, da leitura devocional e do estudo sistemático e aprofundado das suas doutrinas. Em suma, podemos definir a igreja pensante como aquela que atua como agente de reflexão a partir da leitura da realidade, de forma organizada ou sistemática, com o intuito de interagir com ela, questioná-la, buscando uma verdade bíblica e propondo mudanças para transformar aquilo que for necessário. Muito mais que filosófico, esse pensar a realidade é enxergá-la do ponto de vista de Deus e da sua Palavra, analisando todas as coisas biblicamente, sob a direção do Espírito Santo.
Em lugar disso, porém, tem-se incentivado mais a fé pelo testemunho pessoal e pelas experiências. A participação dos cristãos em seminários de teologia não é estimulada, com a desculpa de que ninguém precisa saber teologia para testemunhar da sua fé, basta abrir a boca e contar o que Deus operou em sua vida. O testemunho pessoal de uma vida salva e transformada pela graça de Deus é algo essencial, mas até mesmo aqueles que não creem em Jesus como Senhor e Salvador podem testemunhar grandes transformações que ocorreram em suas vidas por meio da sua fé em Deus ou daquilo que eles creem ser fé. E ainda, nem sempre os testemunhos que ouvimos dizem respeito à salvação alcançada pelo arrependimento e conversão, mas do livramento de uma situação financeira delicada ou da cura de uma enfermidade. Esse testemunho pode ser bastante questionável, uma vez que não apresenta a cruz de Cristo como o caminho de Deus para o céu, mas como um hospital ou uma espécie de caça ao tesouro.
            A fé que salva o pecador e lhe dá a vida eterna vem por meio da Palavra de Deus. O apóstolo Paulo escreveu aos romanos (10:5-16):

Porque Moisés escreve que o homem que pratica a justiça que vem da lei viverá por ela. Mas a justiça que vem da fé diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu? (isto é, a trazer do alto a Cristo;) ou: Quem descerá ao abismo? (isto é, a fazer subir a Cristo dentre os mortos). Mas que diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé, que pregamos. Porque, se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo; pois é com o coração que se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Ninguém que nele crê será confundido. Porquanto não há distinção entre judeu e grego; porque o mesmo Senhor o é de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como pois invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Assim como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam coisas boas!  Mas nem todos deram ouvidos ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem deu crédito à nossa mensagem? Logo a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo.   

Aquele que despreza a Palavra de Deus, despreza o Deus da Palavra. Somente a volta às Escrituras é capaz de devolver ao cristianismo a sua verdadeira identidade, tirando o homem do centro da pregação para colocar a cruz de Cristo. Cremos que Jesus é Senhor da Igreja e esta não será jamais abalada nem as portas do inferno prevalecerão contra ela (Mt 16:18). Ele é Soberano e está no controle de todas as coisas. Tudo o que vivemos hoje já está previsto na Bíblia, como escreveu Paulo a Timóteo (2 Tm 4:1-5):

Conjuro-te diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda longanimidade e ensino. Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério.   

            A admoestação de Paulo a Timóteo é a mesma para nós nos dias de hoje, tendo em vista que estamos vivendo esse tempo descrito pelo apóstolo: “Tu, porém, sê sóbrio em tudo”. O que precisamos é de crentes sóbrios e preparados para pregar a Palavra em todo tempo, admoestar, repreender, exortar e ensinar. É impossível fazermos isso, porém, sem uma fé pensante, questionadora, atuante, fervorosa. Quando falamos sobre questionar, não estamos nos referindo a colocar em xeque o conteúdo das Sagras Escrituras, mas em avaliar os ensinos e as pregações que ouvimos e que se dizem fundamentados nela. Os crentes precisam ser orientados a respeito da ciência da hermenêutica, aprendendo o que é e como fazer a exegese de um texto bíblico. O café com leite dado nas escolas dominicais e nos cultos de doutrina não prepara o povo de Deus para os grandes debates teológicos. Alguns afirmam que o crente não deve debater teologia, pois não foi para isso que Cristo o chamou, o que não é verdade. Jesus debatia teologia, da mesma forma Pedro e Paulo. A carta aos hebreus é um debate teológico. Esse tipo de informação equivocada não prepara os cristãos para dar respostas da sua fé, o que pode deixá-los à mercê de falsos mestres e seus falsos ensinos, uma vez que, como não possuem base bíblica sólida, estão passíveis de acreditarem em qualquer coisa que se afirme ser uma verdade bíblica.
            O resultado do desprezo pelo ensino sólido das Escrituras e a preferência por movimentos e eventos de celebração e exaltação ao cristão é o esvaziamento dos seminários, das escolas dominicais e dos cultos de doutrina. Não existe Igreja sem Bíblia. Precisamos de uma Igreja pensante, questionadora, reflexiva, estudiosa, debatedora, inteligente, racional. E tudo isso não pode ser um fim em si mesmo, mas deve servir para moldar e aprimorar o nosso caráter, deve se transformar em prática de vida e deve nos levar a amar ainda mais e servir ainda melhor a Deus. Vamos concluir este breve artigo com algumas características principais dessa Igreja pensante que tanto carecemos. Ela é uma Igreja que:

1. Entende as razões da sua fé e por isso pode prestar um culto racional a Deus e dizer as razões daquilo que crê com fundamento bíblico (Rm 12:1; 1 Pe 3:15; 2 Tm 3:15).
2. É aprovada como obreira por manejar bem a Palavra da verdade (2 Tm 2:15; 3:17).

3. Está apta para discernir os falsos mestres e as suas falsas doutrinas, agindo prontamente contra a sua má influência (Mt 7:15-20; 1 Ts 5:20,21; Rm 16:17,18; 1 Tm 6:3-5; 1 Jo 4:1; 2 Pe 2:1-3; Mq 3:5-7).

4. Não se deixa levar por todo vento de doutrina, mas submete qualquer pregação ao crivo da Bíblia (At 17:11; Gl 1:6-9; Ef 4:14).

5. Ama a Palavra de Deus e a coloca acima da experiência (Hb 10:15-17; Sl 42:1,20; 119:127;

6. Entende que deve obedecer à Palavra de Deus como Igreja salva e santificada por essa Palavra (Jo 1:1-14; 17:17; 1 Pe 1:22,23; Gl 5:24; 1 Ts 5:23; Rm 1:16; 10:17).

7. Possui uma fé inabalável em Deus e persevera na Palavra da verdade (Hb 4:2; At 2:42).

8. Deixa-se ensinar, corrigir, repreender e educar pela Palavra de Deus e possui autoridade espiritual e teológica para promover o ensino e a correção entre os irmãos (Hb 4:12; 1 Tm 4:13; 2 Tm 3:16,17; Jo 15:3).

9. Está alerta contra o pecado, deixando-se moldar pelo Espírito Santo e por meio da Palavra de Deus (Sl 119:11; 19:11; 2 Tm 2:2; 1 Co 10:10-12).

10. É uma Igreja repleta de alegria, gozo, sabedoria e entendimento (Jr 15:16; Sl 19:7-10; 2 Pe 3:18).

Deus abençoe a todos!

            Mizael de Souza Xavier


            07 de outubro de 2016.

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