O cristianismo está em crise. Sem
correr o risco de uma fria generalização, o que se pode perceber é que a fé
cristã parece se distanciar cada vez mais dos fundamentos bíblicos que a
sustentaram desde a Igreja primitiva. Em se tratando do Protestantismo, as
igrejas reformadas vêm lutando para manter-se firme diante das investidas
constantes de uma teologia liberal, que tirou da Bíblia o seu lugar de destaque
na vida dos cristãos, apresentando alternativas mundanas e carnais, baseadas
nos ideais gananciosos de poder de pregadores populares. O neopentecostalismo
trouxe à luz o que há de pior na mente dos falsos mestres e dos falsos
profetas, de modo que até mesmo as igrejas históricas, consideradas ortodoxas,
estão-se deixando impregnar por essa teologia egocêntrica, sensacionalista,
triunfalista e demoníaca chamada Teologia da Prosperidade. Aquelas que ainda se
mantém firmes na fé, enfrentam outro grave problema: a falta de amor e zelo
pelo estudo da Bíblia, fruto de uma nova fé, pautada no imediatismo e no
individualismo, onde o tempo gasto em ler a Palavra de Deus é tempo perdido em
lutar para ser feliz e para alcançar a vitória tão almejada.
O que precisamos
atualmente é de uma Igreja pensante, capaz de questionar aquilo que entra pelos
seus ouvidos e que se diz Palavra de Deus. Uma Igreja que se debruça sobre as
Escrituras e toma uma posição enérgica contra as heresias. Uma Igreja que
possui uma fé crítica, com fundamento bíblico, prática e transformadora. É
preciso que o cristão entenda as razões da sua fé e as razões porque não deve
crer em certas inverdades. Isto só pode ser alcançado por meio do amor à
Palavra de Deus, da leitura devocional e do estudo sistemático e aprofundado
das suas doutrinas. Em suma, podemos definir a igreja pensante como aquela que atua como agente de reflexão a
partir da leitura da realidade, de forma organizada ou sistemática, com o
intuito de interagir com ela, questioná-la, buscando uma verdade bíblica e
propondo mudanças para transformar aquilo que for necessário. Muito mais
que filosófico, esse pensar a realidade é enxergá-la do ponto de vista de Deus
e da sua Palavra, analisando todas as coisas biblicamente, sob a direção do
Espírito Santo.
Em lugar disso,
porém, tem-se incentivado mais a fé pelo testemunho pessoal e pelas
experiências. A participação dos cristãos em seminários de teologia não é
estimulada, com a desculpa de que ninguém precisa saber teologia para
testemunhar da sua fé, basta abrir a boca e contar o que Deus operou em sua
vida. O testemunho pessoal de uma vida salva e transformada pela graça de Deus
é algo essencial, mas até mesmo aqueles que não creem em Jesus como Senhor e
Salvador podem testemunhar grandes transformações que ocorreram em suas vidas
por meio da sua fé em Deus ou daquilo que eles creem ser fé. E ainda, nem
sempre os testemunhos que ouvimos dizem respeito à salvação alcançada pelo
arrependimento e conversão, mas do livramento de uma situação financeira
delicada ou da cura de uma enfermidade. Esse testemunho pode ser bastante
questionável, uma vez que não apresenta a cruz de Cristo como o caminho de Deus
para o céu, mas como um hospital ou uma espécie de caça ao tesouro.
A
fé que salva o pecador e lhe dá a vida eterna vem por meio da Palavra de Deus.
O apóstolo Paulo escreveu aos romanos (10:5-16):
Porque
Moisés escreve que o homem que pratica a justiça que vem da lei viverá por ela.
Mas a justiça que vem da fé diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao
céu? (isto é, a trazer do alto a Cristo;) ou: Quem descerá ao abismo? (isto é,
a fazer subir a Cristo dentre os mortos). Mas que diz? A palavra está
perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé, que
pregamos. Porque, se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em
teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será
salvo; pois é com o coração que se crê para a justiça, e com a boca se faz
confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Ninguém que nele crê será
confundido. Porquanto não há distinção entre judeu e grego; porque o mesmo
Senhor o é de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele
que invocar o nome do Senhor será salvo. Como pois invocarão aquele em
quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como
ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?
Assim como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam coisas boas!
Mas nem todos deram ouvidos ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem deu
crédito à nossa mensagem? Logo a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra
de Cristo.
Aquele que despreza
a Palavra de Deus, despreza o Deus da Palavra. Somente a volta às Escrituras é
capaz de devolver ao cristianismo a sua verdadeira identidade, tirando o homem
do centro da pregação para colocar a cruz de Cristo. Cremos que Jesus é Senhor
da Igreja e esta não será jamais abalada nem as portas do inferno prevalecerão
contra ela (Mt 16:18). Ele é Soberano e está no controle de todas as coisas.
Tudo o que vivemos hoje já está previsto na Bíblia, como escreveu Paulo a
Timóteo (2 Tm 4:1-5):
Conjuro-te diante de Deus
e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo
seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende,
exorta, com toda longanimidade e ensino. Porque virá tempo em que não
suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis,
ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só
desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas. Tu, porém, sê
sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu
ministério.
A
admoestação de Paulo a Timóteo é a mesma para nós nos dias de hoje, tendo em
vista que estamos vivendo esse tempo descrito pelo apóstolo: “Tu, porém, sê
sóbrio em tudo”. O que precisamos é de crentes sóbrios e preparados para pregar
a Palavra em todo tempo, admoestar, repreender, exortar e ensinar. É impossível
fazermos isso, porém, sem uma fé pensante, questionadora, atuante, fervorosa.
Quando falamos sobre questionar, não estamos nos referindo a colocar em xeque o
conteúdo das Sagras Escrituras, mas em avaliar os ensinos e as pregações que ouvimos
e que se dizem fundamentados nela. Os crentes precisam ser orientados a
respeito da ciência da hermenêutica, aprendendo o que é e como fazer a exegese
de um texto bíblico. O café com leite dado nas escolas dominicais e nos cultos
de doutrina não prepara o povo de Deus para os grandes debates teológicos.
Alguns afirmam que o crente não deve debater teologia, pois não foi para isso
que Cristo o chamou, o que não é verdade. Jesus debatia teologia, da mesma
forma Pedro e Paulo. A carta aos hebreus é um debate teológico. Esse tipo de
informação equivocada não prepara os cristãos para dar respostas da sua fé, o
que pode deixá-los à mercê de falsos mestres e seus falsos ensinos, uma vez
que, como não possuem base bíblica sólida, estão passíveis de acreditarem em
qualquer coisa que se afirme ser uma verdade bíblica.
O
resultado do desprezo pelo ensino sólido das Escrituras e a preferência por
movimentos e eventos de celebração e exaltação ao cristão é o esvaziamento dos
seminários, das escolas dominicais e dos cultos de doutrina. Não existe Igreja
sem Bíblia. Precisamos de uma Igreja pensante, questionadora, reflexiva, estudiosa,
debatedora, inteligente, racional. E tudo isso não pode ser um fim em si mesmo,
mas deve servir para moldar e aprimorar o nosso caráter, deve se transformar em
prática de vida e deve nos levar a amar ainda mais e servir ainda melhor a
Deus. Vamos concluir este breve artigo com algumas características principais
dessa Igreja pensante que tanto carecemos. Ela é uma Igreja que:
1.
Entende as razões da sua fé e por isso pode prestar um culto racional a Deus e
dizer as razões daquilo que crê com fundamento bíblico (Rm 12:1; 1 Pe 3:15; 2
Tm 3:15).
2. É aprovada como obreira por manejar
bem a Palavra da verdade (2 Tm 2:15; 3:17).
3. Está apta para discernir os falsos
mestres e as suas falsas doutrinas, agindo prontamente contra a sua má
influência (Mt 7:15-20; 1 Ts 5:20,21; Rm 16:17,18; 1 Tm 6:3-5; 1 Jo 4:1; 2 Pe
2:1-3; Mq 3:5-7).
4. Não se deixa levar por todo vento
de doutrina, mas submete qualquer pregação ao crivo da Bíblia (At 17:11; Gl
1:6-9; Ef 4:14).
5. Ama a Palavra de Deus e a coloca
acima da experiência (Hb 10:15-17; Sl 42:1,20; 119:127;
6. Entende que deve obedecer à Palavra
de Deus como Igreja salva e santificada por essa Palavra (Jo 1:1-14; 17:17; 1
Pe 1:22,23; Gl 5:24; 1 Ts 5:23; Rm 1:16; 10:17).
7. Possui uma fé inabalável em Deus e
persevera na Palavra da verdade (Hb 4:2; At 2:42).
8. Deixa-se ensinar, corrigir,
repreender e educar pela Palavra de Deus e possui autoridade espiritual e
teológica para promover o ensino e a correção entre os irmãos (Hb 4:12; 1 Tm
4:13; 2 Tm 3:16,17; Jo 15:3).
9. Está alerta contra o pecado,
deixando-se moldar pelo Espírito Santo e por meio da Palavra de Deus (Sl
119:11; 19:11; 2 Tm 2:2; 1
Co 10:10-12).
10.
É uma Igreja repleta de alegria, gozo, sabedoria e
entendimento (Jr 15:16; Sl 19:7-10; 2 Pe 3:18).
Deus
abençoe a todos!
Mizael
de Souza Xavier
07
de outubro de 2016.
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