sexta-feira, 19 de maio de 2017

APELO FINAL APÓS A PREGAÇÃO DO EVANGELHO




Por força da tradição evangélica protestante, toda pregação deve conduzir a um apelo final para que o pecador tome uma posição diante de Deus com relação à mensagem que lhe foi ministrada. Todavia, nem sempre foi assim. Grandes pregadores como George Whitefield, Jonathan Edwards e John Wesley jamais fizeram um apelo após um sermão para que os pecadores se manifestassem publicamente, “aceitando a Jesus”. Jesus ou os apóstolos nunca usaram esse método em seus sermões. Os pecadores eram chamados ao arrependimento, mas não havia perguntas do tipo “Quem quer aceitar a Jesus?”. De acordo com o que vemos na história da Igreja, o apelo surgiu nos Estados Unidos, através dos Metodistas por volta do século 18, obtendo um largo uso através do ministro presbiteriano, Charles Grandison Finney (1792-1875), considerado “pai do apelo”. Finney geralmente chamava os pecadores ansiosos até a frente da congregação para se sentarem no “banco dos ansiosos”, onde recebiam oração e ouviam um sermão individual. O apelo também foi uma das famosas “novas medidas” de Finney. Ele estava convencido de que os pastores poderiam produzir avivamento usando os métodos corretos e que, chamar pecadores arrependidos à frente “era necessário para tirar [os pecadores] do meio da massa de ímpios para levá-los a uma renúncia pública de seus caminhos pecaminosos” (Christian History & Biography).
Tomando pela lógica bíblica, não existe apelo a ser feito. O ideal seria permitir que cada pessoa que ouve o Evangelho tenha um encontro pessoal com Cristo no instante em que o Espírito Santo fale ao seu coração, um momento desconhecido para nós. Como, porém, o apelo está arraigado na tradição da fé evangélica, é importante que evangelistas e pregadores observem alguns cuidados que precisam tomar e adquiram um conhecimento que é relevante. Vejamos alguns:

O apelo não é do pregador, mas do Espírito Santo. Após o perdido escutar a mensagem do Evangelho, quem fala à sua mente e ao seu coração para produzir a conversão não é o pregador, não é o chamado a erguer a mão e encaminhar-se para a frente de todos. Esse é um apelo exclusivo do Espírito Santo, que faz arder o coração do pecador, que o chama de maneira irresistível para uma nova vida com Cristo. Precisamos admitir que não temos esse poder de convencimento, que a nossa única função é falar do Evangelho. A insistência de muitos pregadores na hora do apelo está em contabilizar quantas almas ganharam para Jesus. Caso o pecador vá para casa sem atender ao apelo, corre o risco de frequentar outra Igreja ou a sua pede os “créditos” pela alma que se converteu. Outra abordagem incorreta é dizer ao pecador que ele “convide o Espírito Santo a fazer morada no seu coração”. Não é o Espírito Santo que atende ao convite do pecador, mas o pecador que atende ao chamado do Espírito para se reconciliar com Deus. Deus é soberano e não espera pela nossa boa vontade para fazer a sua obra. Ele simplesmente faz.

O apelo só deve ocorrer após uma pregação evangelística. Se houver apelo, este apelo só deve ser feito após a apresentação de uma mensagem genuinamente evangelística, em que o plano de salvação foi apresentado integralmente e não restam dúvidas aos ouvintes que todos estão debaixo de pecado e precisam ser reconciliados com Deus por meio da fé em Jesus Cristo. Muitas Igrejas durante o culto ou os evangelistas em diversos ambientes, levam aos ouvintes uma mensagem que não é evangelizadora, que não confronta o homem com seus pecados nem apresenta o plano da salvação. São mensagens que falam de promessas, de vitórias, que pretendem sensibilizar as pessoas que passam por problemas, que estão tristes e que querem mudar de vida. Muitos apelos são verdadeiras barganhas entre o pregador e o pecador: “Aceite a Jesus e resolva os seus problemas”. Outros são feitos após mensagens direcionadas totalmente aos crentes, falando, inclusive, de temas que nada dizem respeito à salvação da alma, como ofertas, por exemplo. Muitos ouvintes sensibilizados, tendo sua alma tocada pela bela mensagem e ao apelo insistente do pregador, tomam a atitude de “se converter”, de seguir a Jesus em nome da ideia de que terão seus problemas resolvidos.


“Criar um clima” desvia o pecador do foco. Algumas igrejas têm o costume de, após a pregação, tocar uma música de fundo enquanto o pastor faz um apelo emocionado para que os pecadores se convertam. Geralmente, uma música triste ou triunfal, cujo objetivo é tocar o coração do ouvinte, despertar a sua emoção, evocar sentimentos de pesar, de tristeza pelo pecado ou pela sua situação financeira, emocional ou familiar delicadas. Esse “clima” pode arrancar lágrimas e até levar algumas pessoas a tomarem uma decisão, mas está totalmente equivocado. Como vimos anteriormente, é o Espírito que convence. Ele não precisa de ajuda, de um “clima”. O pecador precisa crer em Jesus como seu Salvador porque entendeu a mensagem da cruz, não porque foi sensibilizado por meio de uma música de fundo e o apelo caloroso do pregador. O apelo não deve ser para sensibilizar, pois o que torna o coração do pecador sensível é o Espírito Santo.

Conversão por insistência ou constrangimento pode não ser conversão. Em muitos cultos, o pregador não para de insistir enquanto alguém não levanta a mão. Deus tem uma forma diferente de trabalhar, tem o tempo dele. Muitas conversões se dão por constrangimento, acima de tudo quando o visitante vai à Igreja com um familiar, amigo ou parente e se sente levado a “se converter”, como se não o fizesse fosse desrespeitar alguém ou ser indelicado com quem o convidou. Em outras ocasiões, o pregador ou algum “profeta” no meio da congregação insistem apontando para aqueles que sabem que não são convertidos que Deus tem um plano na vida deles, que Deus os está chamando, que não saiam dali sem aceitar a Jesus. Por constrangimento ou até mesmo medo, muitos dizem sim, afinal, foram colocados contra a parede e não se converter deixaria claro seu mau caráter, comprovando que eles realmente eram tão horríveis quanto o pregador afirmou. Aceitar a Jesus alivia um pouco a sua situação.

Não aceitamos a Jesus, é Ele quem nos aceita. O apelo para quem alguém “aceite a Jesus” está totalmente equivocado. A princípio, ninguém quer de fato saber de Deus e de Jesus, “Não há quem busque a Deus” (Rm 3:10). Se aceitar a Jesus significa receber as bênçãos que Ele tem para dar, livrar-se da tristeza e abraçar uma vida plena e feliz, de preferência sem dores, provavelmente muitos vão querer aceitá-lo. No entanto, aceitar a Cristo para a salvação é uma obra do Espírito Santo. Quando alguém diz sim para Jesus, significa que Jesus já disse sim para ele, que já o escolheu, e predestinou para alcançar a redenção pelo seu sangue e obter a remissão dos seus pecados, segundo a riqueza da sua graça (Ef 1:3-7). Significa, também, que o Espírito Santo já o chamou, regenerou, colocou a fé em seu coração e produziu nele o arrependimento, par ser justificado, adotado como filho e santificado. Toda a obra é do Senhor.

Conversão envolve razão, não emoção momentânea. Quando a Bíblia fala de fé não está se referindo a uma emoção produzida no coração do pecador que o sensibiliza para aceitar a Jesus. A fé envolve o uso da razão. O Espírito Santo convence a nossa mente, abre o nosso entendimento para reconhecer a nossa condição pecaminosa, as suas consequências eternas e a salvação que o Senhor veio nos dar. Crer pela emoção pode significar desvio futuro da fé quando a emoção passar. É com a mente que cremos, e é com ela que também não cremos. Paulo escreveu aos coríntios: “Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que ainda está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2 Co 4:3,4). Um entendimento cego pelo diabo impede que a fé aconteça. É através do entendimento que reconhecemos a Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeira vida (1 Jo 5:20). O autor de Hebreus escreveu que pela fé “entendemos” que o universo foi formado pela palavra de Deus (Hb 11:3).

Os problemas causados pelo apelo incorreto. Quando há o apelo à conversão sem haver a pregação correta, as pessoas abraçam a fé pelos motivos errados, para vencerem seus sofrimentos ou para conquistarem as bênçãos prometidas pelo pregador. Isso traz dois problemas: 1) a igreja contará com pessoas que na verdade não se converteram verdadeiramente a Jesus, mas apenas a uma possibilidade de vencer suas dores e conquistar seus sonhos; 2) essas não serão produtivas, isto é, não estarão comprometidas com Deus e a sua obra, uma vez que não possuem o Espírito Santo e não estão ligadas a Cristo. Para algumas igrejas estas coisas não têm importância, uma vez que o “convertido” participe das suas programações e contribua financeiramente com seus dízimos e ofertas. Mas aqui estamos falando de uma Igreja genuína que prega o Evangelho verdadeiro. Logo, a atenção ao conteúdo da pregação antes do apelo é imprescindível.

Oração e orientação. Em observando essas coisas, quando o apelo é feito e o pecador se converte, o evangelista pode levá-lo a fazer uma oração formal de entrega a Jesus. Se houve de fato uma conversão, o Espírito Santo já habita nele, de modo que essa oração é simbólica. Quando a conversão ocorre na Igreja local, esta se torna responsável por fornecer ao novo convertido o seu crescimento espiritual, por meio do ensino e do discipulado. Caso a conversão se dê em outro local, como, por exemplo, em outra cidade após uma ação evangelística, o convertido não deve ser constrangido à frequentar a denominação que o evangelizou, mas se sentir a vontade para ir para a igreja que preferir. Deve-se, todavia, orientá-lo sobre o cuidado com as seitas. É preciso lembrar que o objetivo do evangelismo não é institucional, mas cristocêntrico.

Mizael Xavier

OBSERVAÇÃO: Este estudo é parte integrante da apostila CURSO DE FORMAÇÃO DE EVANGELISTAS, do ministério AÇÃO MISSIONÁRIA POR UMA IGREJA PENSANTE, que você pode encontrar na Amazon.com.br para venda em formato e-book:



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