segunda-feira, 4 de maio de 2015

O CRISTÃO E A ECOLOGIA: FUNDAMENTOS ÉTICOS E MORAIS

CRISTÃO E A ECOLOGIA 
Os fundamentos da consciência ambiental cristã
Mizael de Souza Xavier 


As ações humanas sobre o meio ambiente trazem consequências devastadoras. A solução está num novo paradigma cultural e espiritual no modo como a cristandade se relaciona com o meio ambiente. Como despenseiros do Reino de Deus, os cristãos tem a obrigação moral de cuidar para que o ambiente seja preservado, o que inclui não somente uma consciência ecológica, mas uma práxis fundamentada na Bíblia, que envolva a comunidade eclesial em ações efetivas em prol do bem-estar da natureza. Mas é necessário, antes de tudo, entender até que ponto o cristianismo é o culpado pela crise ecológica. Isso dependerá da forma como ele tem enxergado o mundo que Deus criou. Compreender o mundo como um sistema criado por Deus e a mercê do homem, como algo dissociado da vida espiritual das pessoas, traz uma visão utilitarista da natureza, onde as coisas criadas estão a serviço das necessidades humanas, podendo o homem usufruir indiscriminadamente de todas elas, sem o cuidado necessário com a sua preservação.

De acordo com Jungues (2007), as religiões cristãs e judaicas são, na opinião do historiador americano Lynn White (1967), culturalmente responsáveis pelo desrespeito à natureza. Ao condenar as religiões naturais que valorizam a natureza e os seus “espíritos”, essas duas religiões não oferecem alguma alternativa para a proteção dessa natureza. Os anjos e os demônios relacionam-se exclusivamente com as pessoas, jamais com animais e plantas. Também a relação de Deus com as coisas criadas é enfatizada do ponto de vista da sua relação com o homem. A Igreja é convocada a amar as pessoas e a pregar-lhes o Evangelho da salvação. Jungues (idem) ainda afirma que, segundo White, a principal causa da crise ecológica... é uma visão centrada na humanidade. Para as religiões animistas, o ser humano está inserido na natureza como um ser a mais, ao lado de outros, sem ocupar uma posição de proeminência. Para a visão cristã, o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, ocupando um lugar de destaque e recebendo um encargo especial em relação à criação.  Esta concepção origina uma perspectiva antropocêntrica que distancia o ser humano dos restantes seres naturais. Ele se sente sujeito diante de uma natureza objeto. Esse antropocentrismo abriu as portas para a exploração da natureza em proveito dos interesses humanos.

É claro que não faz parte do pensamento cristão uma teologia antiecológica. O homem é a coroa da criação, mas isto não significa que deva subjugá-la a seu bel-prazer, mas de forma consciente. O Éden não foi entregue nas mãos de Adão e Eva para que o destruíssem, mas para que cuidassem dele. Se o mundo perfeito do paraíso de Deus inspirava cuidados, muito mais o mundo caído irá requerer do ser humano uma atenção especial. A natureza não se deteriora por si só, não se extermina a si mesma, mas mantém um ciclo perfeito onde os seres vivos seguem o seu curso de nascimento, reprodução e morte. Com a intervenção humana, esse ciclo nem sempre se fecha. A reprodução é freada pela pesca e a caça predatórias, com a poluição dos afluentes dos rios e a destruição do habitat natural das espécies, levando-as à extinção. Não era essa a ideia original de Deus ao tornar o homem mordomo daquilo que Ele havia criado.

Deus ordenou que os primeiros habitantes do planeta crescessem e se multiplicassem (Gn 1:28). Hoje, o crescimento populacional extrapola os limites sustentáveis em alguns países. Com o crescimento demográfico, urge espaços para construções de casas, indústrias, ferrovias e rodovias. Aumentando o número de habitantes no planeta, cresce na mesma proporção a carência por alimento, o que traz como consequência o desmatamento das florestas para o plantio de grãos e a criação de gado. Para acompanhar todo esse desenvolvimento, as indústrias aumentam a sua capacidade de produção e a exploração dos bens naturais, como minérios, madeira e água. Essa exploração desordenada e predatória não condiz com a ordem de Deus de sujeitar a terra e dominá-la. Em breve poderá não haver mais aves, peixes ou animais para serem “sujeitados” e “dominados”. A devastação da natureza provocada pelo homem só vem a confirmar as consequências da Queda e a comprovar que ele domina sobre tudo, mas não possui qualquer domínio sobre si mesmo, sobre as suas ações.

A degradação ambiental, porém, está muito longe de ser uma problemática judaica ou cristã. O pensamento religioso equivocado com relação ao cuidado com a natureza é apenas uma pequena parte do caos ambiental que o nosso planeta vem enfrentando ao longo dos séculos. Ainda de acordo com Junges (2007), deve-se buscar as causas da crise ecológica na história e nos efeitos da modernidade. A Revolução Francesa introduziu nas sociedades o individualismo e a autonomia. A Revolução Industrial trouxe o uso das inovações tecnológicas que jamais pararam de inovar e de requerer mais das pessoas e da natureza. Ele afirma que “A conjunção do capitalismo e a democracia possibilitaram a industrialização e a urbanização, o crescimento da riqueza e da população, a apropriação privada dos recursos e a exploração dos recursos naturais. Esses elementos estão presentes também em países que não são de tradição cristã. Eles são os verdadeiros causadores da degradação ambiental”.

A crise ecológica está mais ligada ao liberalismo e ao capitalismo, que impulsionaram a ciência e a tecnologia. A missão do cristianismo está em desenvolver um pensamento ecológico coerente com a Bíblia, que não somente conscientize as pessoas – principalmente os cristãos – da maneira correta de lidar com as questões ambientais, mas que, também, aponte os meios, as práticas de um cristianismo ecologicamente responsável e, por que não dizer, militante. Essa intervenção inicia-se na exegese, buscando uma teologia compatível com o anseio da natureza por cuidados. Devemos nos perguntar: haveremos de esperar que a criação ser redimida escatoligicamente para que haja um equilíbrio ecológico? Essa pergunta é respondida quando pensamos na eco-Missão como uma intervenção positiva baseada no amor às criaturas e aos filhos de Deus que povoam o planeta. A vida em abundância que Cristo nos dá aponta para a eternidade, mas inicia-se neste mundo, através da conversão e da adoção divina. Essa vida abundante inclui o mundo em quê vivemos e tudo o que podemos usufruir dele de bom. Se o destruímos, pouca abundância teremos.

Faz-se necessário compreender o papel do ser humano na criação, o que passa necessariamente por uma releitura da Bíblia; não uma nova leitura, mas uma leitura que desconstrua a visão equivocada de espiritualidade e missão e traga-nos de volta o compromisso de amor e obediência com o mundo que Deus nos deu para administrar. A nossa visão de Deus e da sua Palavra afeta não somente a nossa relação com ambos, como também a nossa relação com as pessoas e o planeta em que vivemos. O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, não para ser senhor sobre todas as coisas e sujeitá-las aos seus pés. A sua função é cuidar daquilo que Deus criou. O cristão pode desenvolver os atributos morais de Deus, com os quais lidará de maneira coerente com a natureza criada: bondade (Sl 145:9), amor (Jo 3:16; 1 Jo 4:8), santidade (Êx 15:11; 1 Sm 2:2; Is 57:15; Os 11;9), justiça (Ne 9:8; Dn 9:14; Jo 17:25; 2 Tm 4:8; 1 Jo 2:29; Ap 16:5). E consciência ecológica cristã é uma demonstração de amor a Deus, ao universo por ele criado e às pessoas que dele dependem. Cuidar da natureza é ser bondoso para com a criação e as pessoas que precisam dela para se manter vivas e saudáveis. Agir assim é uma demonstração de santidade, de respeito a Deus, à sua Palavra e às pessoas. E o que é a eco-Missão senão a demonstração e a busca por justiça?


A degradação ambiental é moralmente errada

De acordo com Nicodemus (2012) acredita que “a fé cristã-reformada, como cosmovisão, provê os fundamentos epistemológicos, morais, espirituais e éticos para que possamos lutar pelo meio ambiente e em prol do nosso planeta, fazendo ecologia de forma coerente e integral”. Se a preocupação da missio Dei e com as pessoas integralmente, pensar o ambiente onde essas pessoas vivem torna-se parte desse missão. Muito mais que questões lógicas, a eco-missão envolve pressupostos éticos e morais que merecem ser esclarecidos. O ambiente é o lugar onde as pessoas vivem, logo, todo crime contra o ambiente é um crime contra as pessoas. O pecado contra o ambiente torna-se um pecado pessoal: ódio pelas coisas criadas e pelas pessoas que dependem delas. Odiar é um pecado em si, mesmo se direcionado a coisas (plantas, animais, atmosfera, mananciais). Quando Jesus ordena que nos amemos uns aos outros, está implícito o bem que devemos fazer e o mal de devemos deixar de fazer. Qualquer atentado contra o ambiente é um atentado contra a dignidade da pessoa humana.

Numa visão ainda mais profunda, todo pecado é contra Deus. Pecar contra si mesmo, contra o homem e a natureza é um pecado contra Deus. segundo Geisler (1996, p. 217), na raiz da poluição está o egoísmo. O homem tira muito da natureza e coloca pouco de volta, usando os recursos naturais com ganância, de maneira indiscriminada e predatória, requerendo os fanhos para si mesmos, sem qualquer preocupação com os outros, com as gerações futuras. De acordo com 1 Timóteo 6:10, “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”. Aqueles que assim se servem da natureza e prejudicam o seu semelhante pecam contra Deus, escolhendo amar as riquezas. O Senhor Jesus afirmou em Mateus 6:24 que não podemos servir a dois senhores: ou servimos a Deus ou servimos às riquezas, à Mamom. Ambos são excludentes. O problema do amor ao dinheiro não está no objeto “dinheiro” em si, mas àquilo que ele proporciona. Quem ama às riquezas deste mundo, não tem o seu coração em Deus, por isso não se importa em destruir o ambiente e as pessoas que Deus criou.

Tanto Nicodemus quanto Geisler levantam como primeiro fundamento para uma ética da eco-missão o valor da criação. Todas as coisas que Deus criou são reais, distintas do ser humano e foram consideradas boas. Ao contrário da mentalidade grega, o Antigo Testamento deixa bastante claro que a natureza física criada a partir da Palavra de Deus é essencialmente boa, não sendo uma manifestação do mal, mas um reflexo da glória de Deus (GEISLER, op. cit., p. 213). Durante o registro da criação, Deus considerou boas as obras de suas mãos (cf. Gn 1;4,20,12,18,20), firmando no fim que tudo era muito bom (1:31). O ser humano é a cora da criação, tendo como missão cuidar daquilo que Deus fez de maneira responsável. Com certeza não estava nos planos de Deus o desmatamento, o assoreamento dos rios, a dizimação de inúmeras espécies de animais, a poluição das águas, do solo e do ar. Deus não criou o mundo para que fosse destruído, mas para que servisse ao homem, ao seu sustendo e bem-estar. Se a Queda não tivesse ocorrido por causa da desobediência do primeiro casal, a terra provavelmente não estaria sendo devastada pela maldade humana. A ecologia é, portanto, uma questão de abandono dos princípios morais da criação, da forma como Deus planejou para que todas as coisas fossem. A remissão do homem é a remissão da própria natureza.

Ao contrário do animismo e das religiões naturais, bem como algumas crenças orientais, o judaísmo e o cristianismo enxergam Deus na criação, mas não como parte dela. Deus não é a natureza e a natureza não é Deus. Ainda assim, o pecado contra a natureza permanece como um pecado contra Deus. todas as coisas criadas refletem a glória do seu Criador (cf. Sl 19:1; 8:3,4). Por meio de um tipo de teofania, Deus manifesta a sua aparência em todos os lugares (cf. Sl 139:7-12). Numa sociedade eminentemente capitalista, ainda que afirmem crer em alguma divindade, as pessoas geralmente atentam contra a natureza em ações que parecem ser direcionadas contra Deus. O homem parece manifestar a sua descrença e o seu desprezo por Deus destruindo a natureza que Ele criou. O apóstolo Paulo afirma em Romanos 1:20: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis”.

A Missão Integral como eco-missão de Deus deve se preocupar em dar uma resposta a este mundo despreocupado em preservar aquilo que Deus criou. As organizações não governamentais de proteção ao meio ambiente possuem seus próprios pressupostos éticos para a proteção ambiental, pressupostos que não levam em conta a natureza como uma criação divina ou tampouco afirmam a existência de Deus. E se o mundo desprovido da graça de Deus está militando as causas ambientais, preocupado com a natureza e as pessoas que nela vivem, qual deverá ser a posição da Igreja de Cristo? A visão dualista oriental que difere a matéria do espírito e que equipara a matéria à desordem, afirma que essa é essencialmente má e pecaminosa. Segundo Nicodemus (2012), “Nem religiões dualistas e nem formas de Cristianismo que separam natureza e graça podem nos dar alguma esperança com relação a achar soluções para nossos problemas ambientais”. A solução está na Missão Integral, numa forma de viver o cristianismo bíblico, capaz de integralizar espírito e matéria, corpo e alma; passado, presente e futuro.

O problema ético da eco-missão repousa, então, sobre o caráter de Deus e a singularidade da sua criação. A poluição tanto afeta diretamente o ambiente, como direta e indiretamente as pessoas que nele vivem e dele dependem. O mundo físico foi criado para o homem cuidasse dele, não que o destruísse. Destruí-lo é antiético e imoral. Na lei mosaica existem diversos preceitos relacionados à poluição, com medidas preventivas contra a contaminação (cf. Dt 23:13; Lv 11; 7:26). Poluir o ambiente e o próprio ser humano que nele vive é moralmente errado. Além disso, a poluição viola as leis de Deus, porque ao afetar as outras pessoas, a poluição demonstra falta de amor. A degradação ambiental é a expressão máxima da maldade humana. Destruindo o ambiente e a sua biodiversidade, o homem não está apenas contribuindo para o extermínio de uma geração, mas também de gerações futuras. A água poluída por dejetos não tratados de indústrias despejada nas afluentes dos rios pode prejudicar gerações de ribeirinhos. O problema é estrutural e requer uma transformação de mentalidade e de cultura.

Este é o trecho de um capítulo do livro: MISSÃO INTEGRAL: EVANGELISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA DINÂMICA SOLIDÁRIA DO REINO DE DEUS.

Clique aqui e adquira o e-book na Amazon: MISSÃO INTEGRAL E-BOOK

Conheça outros livros meus que podem ser do seu interesse. Basta clicar sobre os títulos a seguir:








Conheça e adquira o devocional DESAFIO DIÁRIO, com uma mensagem para cada dia do ano. Clique aqui: DESAFIO DIÁRIO E-BOOK

Venha fazer parte do meu facebook: MEU FACEBOOK


Um comentário:

  1. Boa reflexão. Felicidade na publicação do livro.
    Rev. Carlos Flávio Póvoa

    ResponderExcluir

Por favor, jamais comente anonimamente. Escrevi publicamente e sem medo. Faça o mesmo ao comentar. Grato.