quarta-feira, 19 de novembro de 2014

NÓS, OS FEIOS

             



           Nós, os feios, habitamos na terra dos lindos. Somos como estrangeiros de um país distante invadindo a normalidade desses seres tão especiais. Nós somos diferentes de todos e somos considerados estranhos; alguns definem a nossa aparência como exótica, porque é politicamente incorreto nos chamar de feios. Por nossa causa foram cunhadas célebres frases, como “quem vê cara, não vê coração.” O escritor do livro O pequeno príncipe disse: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.” Mas as pessoas lindas não enxergam o nosso essencial porque diante dos seus olhos desfila a beleza que todos amam ver. Ora, quem olha para alguém se depara imediatamente com a sua imagem física e se existe algo de bom ou ruim dentro desse alguém, isso só será visto mais tarde. Mas no momento do encontro, o exterior é o que chama a atenção.
            Nós, os feios, nos esforçamos constantemente para nos parecermos com os lindos, cuidando da nossa aparência, do nosso visual. Os lindos apenas se preocupam em manter a sua lindeza ou em ficar cada vez mais lindos. Eles não são como nós, não se espelham em nós ansiando por serem feios. Os lindos olham para nós com uma falsa compaixão e tentam nos animar, dizendo que temos um cabelo bonito, olhos bonitos: detalhes mínimos em um quadro desolado. E eles suspiram do mais alto da sua beleza e nos invejam porque não precisamos nos preocupar com tantos produtos de beleza, porque nosso cabelo e nossa pele – feios e maltratados – não querem tantos cuidados como a sua cútis. Mas qual deles deseja trocar de lugar conosco. Acha que minha feiúra é conveniente, pega para você!
            Nós, os feios, não temos um “salão de feiúra”, não temos um mercado de produtos que nos tornem ainda mais feios. Todos os cosméticos fabricados são contra nossa estética enfeada: eles querem nos embelezar, porque é feio ser feio. Ou como indagava Batoré, personagem humorístico da TV: “Você acha que é bonito ser feio?”. O belo é admirado, comentado, imitado, desejado; o que é feio é discriminado. Ninguém recebe um elogio por ser feio: “Parabéns, Mizael, hoje você está mais feio do que nunca.” Nem recebe um troféu pela sua feiúra: “E o vencedor do concurso de Mr. Feio de 2011 é... Mizael!”. “Oh, meu Deus! Eu quero agradecer primeiramente ao meu pai e a minha mãe por terem me feito do lado do avesso...”.
            Nós, os feios, mas somente os feios que não são famosos, ricos ou jogadores de futebol – que é a classe onde mais tem gente feia – não aparecemos nas capas de revistas nem somos estrelas de programas de TV. Alguém já reparou que eles colocam as mulheres mais lindas nas cadeiras da frente nos programas de auditório? Quando alguém muito feio aparece num desses programas é para “pagar mico” em shows ridicularizantes de calouros ou para “ se virar nos 30” por alguns trocados. Apresentador e platéia se divertem e riem à custa dos pobres coitados que se esforçam para aparecer como mais que um ser bizarro, como aqueles que eram exibidos nos circos.
            Nós, os feios, somos objetos de piadas constrangedoras: “Ele era tão feio, mas tão feio...”. Alguém já ouviu uma piada que comece: “Ela era tão linda, tão maravilhosa...”? Como feios que somos, lutamos mais por um lugar ao sol do que os lindos. Para uma mulher alta, loira e linda as portas se abrem sem muitos problemas, mas a coitada da feia entra pela porta de serviço. Nós não temos músicas exaltando a nossa feiúra: “Olha que coisa mais feia, totalmente sem graça, é aquela criatura que vem desengonçada, e fica mais feia por causa do amor...”. Mas alguém já cantou: “Se for gatinha eu levo, se não for, chama a SAMU”, como uma ode contra a mulher “jaburu”.

            Nós, os feios, fugimos completamente aos padrões dos lindos. Nossa altura (anão de jardim), nossas formas corporais (em forma de barril), nosso jeito de vestir (brega). Não temos olhos azuis como os mares do caribe nem cabelo loiro-dinamarquês. Temos feições simples que só impressionam por nossa feiúra. Os lindos nos olham do alto da torre inacessível da sua divina beleza e nós nos abrigamos sob a sua sombra. Eles toleram a nossa presença ao seu lado por causa do poder do contraste: a nossa feiúra realça mais ainda a sua beleza. Ao lado de uma mocinha de corpo escultural parece sempre existir alguma acima do peso e das medidas. Isso acontece muito com irmãs ou irmãos. Ao contrário dos muitos lindos, como feios não somos paquerados com a mesma facilidade e precisamos suar muito a camisa para chamar a atenção de alguém, normalmente de alguém tão feio quanto nós. Se esse alguém for de uma classe superior – a dos lindos – o esforço é redobrado. É claro que existem felizes exceções. Uma delas é se o cara tiver dinheiro. Sejam sinceros, se alguns jogadores de futebol, de aparência desprivilegiada, de repente caíssem na miséria, continuariam a ter uma legião de tietes lindas que gritam das arquibancadas: “Lindo! Lindo! Lindo!”? Respondam sem demagogia ou falso moralismo.

Um comentário:

  1. Pela primeira vez leio um texto sobre NÓS, OS FEIOS (kkkkkkkk) me encaixo perfeitamente nesse assunto, nunca pertenci ao padrão ditado, sofri bullying de todas as formas, mas assunto já superado. Excelente texto pra ler para minhas turmas de 9º ano.Parabéns, amigo. Deus o abençoe.

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