terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A MISSÃO INTEGRAL E O REINO QUE HÁ DE VIR


foto: internet (google imagens)


ESTE ESTUDO É PARTE DO MEU LIVRO: "MISSÃO INTEGRAL: EVANGELISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA DINÂMICA SOLIDÁRIA DO REINO DE DEUS".

O Reino que há de vir

            O Reino que Jesus pregava era um reino que também haveria de vir com a parousia (cf. Mc 14:25; Mt 8:11). As duas escatologias – o reino que já é e o reino que há de vir – encontram seu termo na pregação de Jesus e dos apóstolos. Os dois Reinos se fundem em um só, pois representam a mesma realidade. No momento presente, os cristãos desfrutam das bênçãos celestiais do Reino futuro, como uma antecipação de tudo aquilo que Deus nos tem preparado e que sequer anelamos saber. Quando o Reino eterno de Cristo vier de maneira definitiva – embora ele já exista desde a eternidade – seu reinado eterno será instaurado, com sua entrada na glória e seu retorno como Juiz (At 1:8-11). Ele consistirá somente nos redimidos (Gl 5:21), que serão exaltados, serão reis e sacerdotes; eles acentar-se-ão em tronos, julgarão os anjos, reinarão com Cristo, participando de seu domínio e glória. Este reino será eterno e pleno (Lc 21:31), a Páscoa então se consumará e será feita a refeição escatológica (Lc 22:14,17). É este Reino escatológico que os fiéis são chamados a herdar (Mt 25:34). O corpo natural dos santos, então, se tornará espiritual (1 Co 15:50; cf. 6:10; Gl 5:21; Ef 5:5).
            A respeito do Reino vindouro, uma coisa nos chama a atenção. Paulo fala aos coríntios de diversos tipos de corpos: celestiais e terrestres (15:40), o natural e o espiritual (v. 44). Sobre o corpo terrestre e natural, ele usa os termos: corrupção e desonra (v. 42) e fraqueza (v. 43). Ele é alma vivente (v. 45), terreno, pois foi formado da terra (v. 47). Este corpo corruptível não pode herdar o Reino de Deus (v. 50), por isso ele será transformado (vs. 51-58). No momento em que nosso corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, a morte finalmente será tragada (vs. 54, 55). O corpo que será revestido de glória, que entrará triunfante nos céus para morar no Paraíso celestial com o Senhor é um corpo que ainda é mortal, sujeito à morte e à corrupção. Este corpo físico e mortal para nada serve no Reino dos Céus, onde só entre o corpo espiritual e sua imortalidade. Enquanto presentes neste mundo, porém, nossa alma imortal continua a habitar em nosso corpo mortal. A escatologia resolve o problema do pecado e da morte futuras – sua total erradicação – mas não pretende resolvê-lo hoje. O físico continua a existir e a fazer parte de nós, tanto no tocante à morte e o pecado, quanto às necessidades fisiológicas, psicológicas, cognitivas, sociais e espirituais deste corpo.
            O Reino de hoje nos traz esperança no amanhã; de igual modo, o Reino de amanhã nos traz esperança hoje. O pecado de Adão e Eva poderia ter frustrado a esperança, mas Deus providenciou a salvação através do seu amado Filho, Jesus Cristo (Jo 3:16), o qual se deu amorosamente para nos reconduzir ao Pai. Em Cristo temos a certeza do perdão de Deus e a oportunidade graciosa de vivermos novamente para Ele (cf. 1 Tm 2:1-7). Viver em Cristo nos faz suportar o fardo dos problemas cotidianos por sabermos que nossa luta neste mundo é passageira. Também nos dá a certeza de que nosso trabalho não é em vão, que existe um sentido eterno e escatológico em tudo o que fazemos: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na boa obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é em vão” (1 Co 15:58). A vitória de Cristo nos dá esperança no amanhã, que vai além da nossa visão limitada: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1 Co 15:19). Seja na fé para a salvação, seja na boa obra do Senhor, a nossa existência, em Cristo, aponta para o Reino eterno nos céus.
            Os críticos da Missão Integral mantêm o foco da sua pregação e do seu ministério na salvação das almas. Aprendemos aqui, porém, que a salvação da alma é apenas um dos elementos da vida cristã. O Reino escatológico se concretiza no aqui e agora da Igreja. De fato esperamos a volta do Senhor e a vida eterna nos céus. Mas o que fazer enquanto estamos esperando? Escrevendo a Tito, o apóstolo Paulo nos revela qual é a nossa obra. Paulo não era apenas salvo, mas “servo” e “apóstolo” (enviado com um propósito sob a autoridade de quem o enviou). Ele era um “promotor da fé” (1:1). Em 2:11-15 ele nos revela uma fé que envolve salvação, transformação do caráter, vida justa e piedosa, esperança escatológica, boas obras e autoridade pastoral:

Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras. Dize estas coisas; exorta, repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze (grifos nossos).

            Percebe-se que, embora a esperança do cristão esteja na vinda do Senhor, a sua vida está “no presente século”, onde ele deve ser “zeloso de boas obras”. A esperança no Reino escatológico transforma o nosso caráter e as nossas atitudes hoje. No capítulo três, novamente o apóstolo liga a salvação e a escatologia à necessidade da prática de boas obras para “os que têm crido em Deus” (3:8), derrubando de vez a teoria “sentados, salvos e satisfeitos”: “Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas [veja 3:1-7], façais afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras. Estas coisas são excelentes e proveitosas aos homens” (v. 8, grifo nosso). Interessante notar que Paulo não afirma que essas coisas são excelentes e proveitosas a Deus, mas “aos homens”. As obras feitas em Cristo são para proveito das pessoas.
Ainda outro texto paulino, Efésios 2:1-10, também apresenta a relação do sacrifício vicário de Cristo e a salvação escatológica com a prática das boas obras (v. 10). Se no v. 6 é dito que Cristo ressuscitou para que assentássemos nos lugares celestiais, no v. 10 fica bastante claro que o objetivo desta salvação ainda a se concretizar no porvir (o Reino escatológico de Deus) também é gerar boas obras na vida do cristão “hoje”. Se no v. 7 é dito que, nos “séculos vindouros” (i. é, depois da segunda vinda de Cristo), Deus há de mostrar a “suprema riqueza da sua graça em bondade para conosco, em Cristo Jesus”, no v. 10 também nos é dito que fomos criados “em Cristo” para as boas obras preparadas de antemão para que andássemos nelas. O Reino que era, o Reino que é e o Reino que há de vir fundem-se numa única realidade escatológica que demonstra a soberania de Deus desde a eternidade até a eternidade.

O Reino futuro dos céus não somente nos traz uma esperança hoje, como também nos coloca como embaixadores desta esperança para o mundo. O Reino futuro será espiritual, universal e pleno, sendo anunciado no Antigo Testamento por meio de diversas profecias (cf. Sl 72; 89:20-29; IS 11:1-9; 65:17; 66:24; Zc 14:9-11). E breve a comunhão entre Deus e os seus filhos será restabelecida e o Senhor reinará com justiça eternamente (cf. 1 Co 15:24-28; 2 Pe 3:10-13; Ap 11:15). Novamente devemos perguntar: o que fazer enquanto esperamos? Viver de maneira espiritual, universal e plena o Reino aqui na terra. Existe possibilidade de não ser espiritual o cuidado amoroso pelos os oprimidos e miseráveis? A falta deste cuidado, a indiferença e a omissão não afetam de maneira alguma a nossa espiritualidade? O amor de Deus é restrito aos convertidos ou é universal? Ele se restringe à oferta de salvação ao pecador ou também se traduz em misericórdia para com os famintos? Como falar em plenitude do Reino se só ficamos com um aspecto só, o que nos interessa? Pode-se falar de um Reino pleno enquanto a Igreja se nega a defender a justiça do Reino que tanto prega?

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