ESTE TEXTO FAZ PARTE DO MEU LIVRO "MISSÃO INTEGRAL: EVANGELISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA DINÂMICA SOLIDÁRIA DO REINO DE DEUS".
As discussões
sobre fazer ou não o bem ao próximo, mesmo aos que não são cristãos, não pode
girar em torno de debates sobre a corruptibilidade do mundo ou a iminente volta
triunfal do Senhor Jesus Cristo. Isto é diminuir o valor do Evangelho e limitar
o alcance do Reino de Deus. O ideal de Deus para a humanidade é bem mais
abrangente e pode ser visto em toda a extensão das Escrituras. O Evangelho de
Mateus nos mostra um embate teológico entre os fariseus e Jesus Cristo acerca
de qual seria o grande mandamento da Lei (22:34-40). Segundo comentário da
Bíblia Shedd para a inquirição dos fariseus, eles haviam abstraído do Antigo
Testamento nada menos que 248 preceitos afirmativos, além de 365 negativos.
Talvez a resposta do Senhor Jesus aos fariseus em sua dialética racional deva
responder à dialética teológica que gira em torno da Missão Integral: a igreja
deve se preocupar apenas com a salvação da alma ou precisa levar em conta, em
sua evangelização, o corpo onde essa alma habita?
A resposta
contundente dada pelo Senhor a respeito do amor a Deus e ao próximo como os
pilares nos quais se sustentam a Lei e os Profetas, é também a chave de
entendimento da veracidade da Responsabilidade Social que a igreja deve
praticar. O mandamento é o amor e é o amor que nos identifica como discípulos
de Cristo, como filhos de Deus e seus servos (cf. Jo 13:34; 14:15; 1 Jo 2:3-7).
O apóstolo João escreveu: “E o amor é este: que andemos segundo os seus
mandamentos. Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis
nesse amor” (2 Jo 6). O versículo 4 fala a respeito de andar na verdade “de
acordo com o mandamento que recebemos da parte do Pai”. E este mandamento é o
amor. Logo, obedecer aos mandamentos significa praticar o amor. Se amamos,
nossos atos serão atos de amor e esses atos serão legitimados pela Palavra de
Deus como atos de justiça.
Até aqui podemos
perceber que a vida cristã não é um conjunto intricado de doutrinas e
definições eruditas da fé. Ela não é também construída com base em pressupostos
humanos de santidade ou práticas meramente litúrgicas. Como se verá em todo
percurso deste estudo, o cristianismo verdadeiro não é um cristianismo de
debates teológicos, como era a religiosidade dos fariseus, mas da prática dos
mandamentos de Deus que encontram no amor a sua mais perfeita legitimação. A
teologia que a igreja tanto tem esquecido e que deveria perseguir ferrenhamente
é a teologia prática, cujo sustentáculo é o amor.
Mas que amor?
Ao lermos os textos bíblicos sugeridos anteriormente, nos deparamos com a
expressão “uns aos outros”, o que é uma referência aos cristãos para os quais
os textos foram primariamente direcionados. Isto poderia sustentar a tese de
que o bem social deve ser feito apenas aos irmãos na fé. O amor de Deus, porém,
demonstra-se incondicional. Quando a Bíblia fala de oprimidos, não deixa claro
que eram oprimidos judeus ou cristãos; quando ela fala em socorrer o
estrangeiro, está claro o cuidado de Deus com aqueles que não faziam parte do
seu povo. Aprofundando ainda mais nas Escrituras, descobriremos que o povo de
Deus, a princípio, era para ser muito mais abrangente que aquele que formava a
nação de Israel e que se intitulavam judeus. Deus não disse a Abraão: “Em ti
será bendito o povo que escolhi”. Ele disse: “Em ti serão benditas todas as famílias
da terra” (Gn 12:3). Embora Deus tenha escolhido um povo para Si, esse povo
deveria ser obediente e fonte de bênção para todos os outros povos. Da mesma
forma que os judeus se fecharam em si mesmos, muitas igrejas tem-se fechado à
necessidade de ser sal e luz no mundo, abençoando as pessoas com o amor que
emana do coração daquele que se entrega a Jesus.
O missiólogo
Larry. D. Pate (1994, p. 8) escreve: “O Senhor mostrou favor para com o povo
judeu, em parte por causa da fé que Abraão, o patriarca fundador dessa nação,
possuía. Mas, o que é ainda mais importante, ele escolheu os israelitas para
que participassem de modo especial de seu plano de redimir toda a humanidade”.
A promessa feita a Abraão de através dele tornar benditas todas as nações
encontrou sua concretização em Cristo. Por meio dele, todas as nações são
abençoadas, todos os povos e etnias podem alcançar a salvação. Com a história
do patriarca do povo judeu, aprendemos como Deus age sobre a história, como
conduz os acontecimentos na vida do seu povo para o alcance de objetivos
divinos definidos na eternidade. E com a vinda do Messias, com a redenção
efetuada na cruz, Ele nos mostra que continua a agir na história, não somente
“na” vida do seu povo, os cristãos convertidos pela fé a Jesus Cristo, mas
também por meio deles, influenciando a vida das pessoas, sendo bênção a todos
os povos por meio do mesmo amor com o qual Ele nos amou.
O Senhor Jesus
Cristo nos deixa bastante claro que a prática do amor extrapola as barreiras de
fé e se estende mesmo àqueles que para nós são dignos de desprezo. Ele
enfatizou: “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu
inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem... Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não
fazem os publicanos o mesmo?... Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o
vosso Pai celeste” (Mt 5:43-48). Vale salientar que a expressão “odiarás o teu
inimigo” não pertence ao Antigo Testamento, mas à tradição popular dos judeus
(SHEDD). Em contraponto ao amor segregacionista dos judeus, Jesus mostra a
forma perfeita de amar: sendo perfeitos iguais a Deus, cujo amor é universal.
Quem é de Cristo não limita a prática do seu amor aos que fazem parte do seu
círculo familiar e de fé, mas tem no amor universal sua fonte de piedade.
Está claro que
aquilo que deve mover o cristão na busca pela Missão Integral e pela prática da
Responsabilidade Social não é a crença na predestinação, na degeneração total
da humanidade, no triunfo final de Jesus Cristo ou em teorias milenaristas, mas
a prática do amor de Deus. Então não importa quando Jesus voltará e como Ele o
fará; não importa se as pessoas que forem os alvos da ação amorosa da igreja
aceitarão ou não o Evangelho para terem sua alma salva; não importa se esta
ação transformará ou não o mundo num paraíso terrestre. Importa apenas que os
filhos de Deus, os discípulos de Cristo, os templos do Espírito Santo têm um
dever moral de se importarem com o sofrimento dos outros, movidos simplesmente
pelo amor, pela insatisfação diante das injustiças que no mundo há, diante das
lágrimas de pais e mães de famílias que choram ao verem seus filhos minguarem
de fome e de doenças, de famílias inteiras destruídas pelas drogas e devoradas
pela criminalidade. Se o coração do cristão iluminado por Deus não arder de
amor por essas pessoas, o de quem arderá?
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