quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A MISSÃO INTEGRAL E O AMOR COMO PRESSUPOSTO




ESTE TEXTO FAZ PARTE DO MEU LIVRO "MISSÃO INTEGRAL: EVANGELISMO E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA DINÂMICA SOLIDÁRIA DO REINO DE DEUS".

As discussões sobre fazer ou não o bem ao próximo, mesmo aos que não são cristãos, não pode girar em torno de debates sobre a corruptibilidade do mundo ou a iminente volta triunfal do Senhor Jesus Cristo. Isto é diminuir o valor do Evangelho e limitar o alcance do Reino de Deus. O ideal de Deus para a humanidade é bem mais abrangente e pode ser visto em toda a extensão das Escrituras. O Evangelho de Mateus nos mostra um embate teológico entre os fariseus e Jesus Cristo acerca de qual seria o grande mandamento da Lei (22:34-40). Segundo comentário da Bíblia Shedd para a inquirição dos fariseus, eles haviam abstraído do Antigo Testamento nada menos que 248 preceitos afirmativos, além de 365 negativos. Talvez a resposta do Senhor Jesus aos fariseus em sua dialética racional deva responder à dialética teológica que gira em torno da Missão Integral: a igreja deve se preocupar apenas com a salvação da alma ou precisa levar em conta, em sua evangelização, o corpo onde essa alma habita?
A resposta contundente dada pelo Senhor a respeito do amor a Deus e ao próximo como os pilares nos quais se sustentam a Lei e os Profetas, é também a chave de entendimento da veracidade da Responsabilidade Social que a igreja deve praticar. O mandamento é o amor e é o amor que nos identifica como discípulos de Cristo, como filhos de Deus e seus servos (cf. Jo 13:34; 14:15; 1 Jo 2:3-7). O apóstolo João escreveu: “E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis nesse amor” (2 Jo 6). O versículo 4 fala a respeito de andar na verdade “de acordo com o mandamento que recebemos da parte do Pai”. E este mandamento é o amor. Logo, obedecer aos mandamentos significa praticar o amor. Se amamos, nossos atos serão atos de amor e esses atos serão legitimados pela Palavra de Deus como atos de justiça.
Até aqui podemos perceber que a vida cristã não é um conjunto intricado de doutrinas e definições eruditas da fé. Ela não é também construída com base em pressupostos humanos de santidade ou práticas meramente litúrgicas. Como se verá em todo percurso deste estudo, o cristianismo verdadeiro não é um cristianismo de debates teológicos, como era a religiosidade dos fariseus, mas da prática dos mandamentos de Deus que encontram no amor a sua mais perfeita legitimação. A teologia que a igreja tanto tem esquecido e que deveria perseguir ferrenhamente é a teologia prática, cujo sustentáculo é o amor.
Mas que amor? Ao lermos os textos bíblicos sugeridos anteriormente, nos deparamos com a expressão “uns aos outros”, o que é uma referência aos cristãos para os quais os textos foram primariamente direcionados. Isto poderia sustentar a tese de que o bem social deve ser feito apenas aos irmãos na fé. O amor de Deus, porém, demonstra-se incondicional. Quando a Bíblia fala de oprimidos, não deixa claro que eram oprimidos judeus ou cristãos; quando ela fala em socorrer o estrangeiro, está claro o cuidado de Deus com aqueles que não faziam parte do seu povo. Aprofundando ainda mais nas Escrituras, descobriremos que o povo de Deus, a princípio, era para ser muito mais abrangente que aquele que formava a nação de Israel e que se intitulavam judeus. Deus não disse a Abraão: “Em ti será bendito o povo que escolhi”. Ele disse: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3). Embora Deus tenha escolhido um povo para Si, esse povo deveria ser obediente e fonte de bênção para todos os outros povos. Da mesma forma que os judeus se fecharam em si mesmos, muitas igrejas tem-se fechado à necessidade de ser sal e luz no mundo, abençoando as pessoas com o amor que emana do coração daquele que se entrega a Jesus.
O missiólogo Larry. D. Pate (1994, p. 8) escreve: “O Senhor mostrou favor para com o povo judeu, em parte por causa da fé que Abraão, o patriarca fundador dessa nação, possuía. Mas, o que é ainda mais importante, ele escolheu os israelitas para que participassem de modo especial de seu plano de redimir toda a humanidade”. A promessa feita a Abraão de através dele tornar benditas todas as nações encontrou sua concretização em Cristo. Por meio dele, todas as nações são abençoadas, todos os povos e etnias podem alcançar a salvação. Com a história do patriarca do povo judeu, aprendemos como Deus age sobre a história, como conduz os acontecimentos na vida do seu povo para o alcance de objetivos divinos definidos na eternidade. E com a vinda do Messias, com a redenção efetuada na cruz, Ele nos mostra que continua a agir na história, não somente “na” vida do seu povo, os cristãos convertidos pela fé a Jesus Cristo, mas também por meio deles, influenciando a vida das pessoas, sendo bênção a todos os povos por meio do mesmo amor com o qual Ele nos amou.
O Senhor Jesus Cristo nos deixa bastante claro que a prática do amor extrapola as barreiras de fé e se estende mesmo àqueles que para nós são dignos de desprezo. Ele enfatizou: “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem... Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos o mesmo?... Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5:43-48). Vale salientar que a expressão “odiarás o teu inimigo” não pertence ao Antigo Testamento, mas à tradição popular dos judeus (SHEDD). Em contraponto ao amor segregacionista dos judeus, Jesus mostra a forma perfeita de amar: sendo perfeitos iguais a Deus, cujo amor é universal. Quem é de Cristo não limita a prática do seu amor aos que fazem parte do seu círculo familiar e de fé, mas tem no amor universal sua fonte de piedade.

Está claro que aquilo que deve mover o cristão na busca pela Missão Integral e pela prática da Responsabilidade Social não é a crença na predestinação, na degeneração total da humanidade, no triunfo final de Jesus Cristo ou em teorias milenaristas, mas a prática do amor de Deus. Então não importa quando Jesus voltará e como Ele o fará; não importa se as pessoas que forem os alvos da ação amorosa da igreja aceitarão ou não o Evangelho para terem sua alma salva; não importa se esta ação transformará ou não o mundo num paraíso terrestre. Importa apenas que os filhos de Deus, os discípulos de Cristo, os templos do Espírito Santo têm um dever moral de se importarem com o sofrimento dos outros, movidos simplesmente pelo amor, pela insatisfação diante das injustiças que no mundo há, diante das lágrimas de pais e mães de famílias que choram ao verem seus filhos minguarem de fome e de doenças, de famílias inteiras destruídas pelas drogas e devoradas pela criminalidade. Se o coração do cristão iluminado por Deus não arder de amor por essas pessoas, o de quem arderá?

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