Currais novos é uma cidade situada no interior do Rio
Grande do Norte, numa região semi-árida chamada de Seridó. Por isso ela é conhecida
como “a princesinha do Seridó”. Fica depois de Santa Cruz, Campo Redondo,
Maxixe, Ubaeira. É uma típica cidade do interior, muito conhecida por suas
minerações e pela festa de Santana, que atrai muita gente todos os anos. E
antes mesmo de chegar à cidade propriamente dita, existem vários povoados. Um
deles é o povoado São Luis, com o famoso “barracão” logo na entrada.
Em
São Luis existem muitas fazendas. E é numa delas que acontece esta história. É
a Fazenda Santa Rita. Esta é uma fazenda muito conhecida na região, de família
tradicional, dividida entre Gomes, Cortez, Pegado, Dantas e Xavier. Seu Mizael
e dona Alice, patriarcas da minha família, meus avós paternos, já faleceram,
mas seus filhos, netos e bisnetos estão sempre lá, cuidando de tudo,
aproveitando aquele cantinho do paraíso. De tempos em tempos uma grande festa é
organizada para reunir todos os parentes, com muita comida típica, alegria e
confraternização. É um momento para que todos podem se rever, brincar,
conversar e fazer aumentar a comunhão entre todos.
No
mês de julho de 2006, entrei de férias do trabalho. Já no primeiro dia parti
com minha filha, Milena, para a fazenda. Durante as festividades haveria uma
peça de teatro com os primos e eu seria o diretor. Precisava ir o mais rápido.
Foi maravilhoso rever pessoas queridas, primos, tios e moradores das redondezas
que eu não via há tempo. E o que eu nunca gostei foi de ficar parado dentro de
casa quando vou para lá, deitado uma rede sem fazer nada. O bom é caminhar pelo
roçado, ir à barragem, que com as chuvas estava cheia. A quantidade de pássaros
que há por lá é incrível! É maravilhoso observar a flora do sertão, a
diversidade de plantas e de flores. Encontrei camaleões, tetéus,
galinhas-d’água, garças, nambus, uma jararaca no banheiro de fora, calangos...
Há muito que ver e apreciar no sertão.
Desde
que cheguei à fazenda para passar um pedaço das minhas férias, a minha vontade
era subir num serrote que existe ao longe, já beirando a pista. Ele é alto e
formado por grandes rochas. A última vez que me aventurei a subir lá tinha
somente 14 anos de idade! Da casa da fazenda dá para vê-lo. E todas as vezes
que o via, desejava subir por aquelas pedras até o alto. Mas sempre havia
outras programações, passeios, tarefas, como moer o milho para preparar a
canjica e a pamonha.
Numa
certa manhã, planejei ir com minha prima Miriam até a cidade passear um pouco,
tomar sorvete, conhecer pessoas novas e resolver alguns problemas. Além de nós,
iriam outras primas e uma tia. Mas no momento em que eu ia subir na Kombi os
meus planos foram frustrados. Disseram que somente as mulheres iriam. Fiquei
bastante contrariado, porque criei muitas expectativas em torno desse passeio.
Não disse nada, apenas fui para a sala e liguei a televisão. Mas eu não queria
ver televisão! Por fim, peguei meu caderno de anotações para colocar em prática
algo que havia também programado para essas férias. Desejava repensar toda a
minha vida e anotar todos os meus erros e acertos, para meditar e ver em que precisava
mudar ou o que poderia ser aprimorado. Peguei o caderno, uma caneta, meus
óculos escuros – que havia encontrado perdido durante a viagem – e parti rumo a
um local tranquilo onde pudesse fazer as minhas meditações.
Escolhi
um lugar lindo escondido no meio da fazenda, onde existe um barreiro repleto de
vitórias-régias, aves e sossego. Ao caminhar, olhei adiante e acima e avistei o
serrote, alto, misterioso. Foi aí que pensei: Já que estou indo na mesma
direção do serrote, não me custa nada finalmente realizar meu plano de subir
até lá. Mas eu sabia que não seria nada fácil alcançar o topo do meu sonho. Ao
me aproximar do início da subida, notei que as dificuldades eram as mesmas de
quando eu ainda tinha 14 anos. A mata é bastante cerrada, repleta de uma
vegetação espinhenta, como xique-xique, jurema e coroa de frade, e não existe
uma trilha aberta para seguir. Eu teria de abrir caminho, tomando bastante
cuidado para não esbarrar nas urtigas que também se espalham por todo canto.
Mas além dessa vegetação difícil, eu teria de enfrentar o meu pior pesadelo na
fazenda: os marimbondos e sua terrível e dolorosa picada! Além, é claro, das
cobras venenosas e das abelhas que fazem suas colméias por lá. Mas eu estava
decidido a prosseguir até alcançar o topo.
Como
não havia uma trilha, teria que me embrenhar na mata. De início já topei com
uma cerca de arame farpado que atravessava um rio seco, apenas com uma poça de
água suja parada. Atravessei a cerca e caminhei entre as juremas, fugindo das
urtigas, desviando dos xiquexiques, morrendo de medo das casas de marimbondos
que já se mostravam. Alcancei o primeiro lance de pedras. Como um alpinista de
mãos nuas, fui subindo aos poucos, segurando nas pedras até alcançar o topo. Ao
chegar, senti-me realizado. Contemplei a linda paisagem ao meu redor (360º) e
agitei os braços em direção à casa da fazenda, onde podia, mesmo daquela
distância, avistar meus primos jogando bola. Gritei como se alguém pudesse
realmente me ouvir. Estava feliz com a minha conquista.
Quando
achava que tinha chegado onde queria, olhei mais adiante e percebi que onde eu
estava era o ponto mais baixo do serrote. Ainda havia outro ainda maior para
escalar. Eu já havia encontrado muitas dificuldades para chegar até ali e
fiquei pensado se deveria enfrentar mais este desafio. Mas já que eu estava ali
e havia vencido as primeiras barreiras, não custava nada tentar. Pus-me, então,
a caminho. Desci pelas pedras me segurando no paredão. Minha falta de atenção
me fez queimar o joelho num pé de urtiga, o que me causou uma dor muito chata.
Com a raiva que fiquei, acabei me desconcentrando mais ainda e machuquei a
perna numa pedra. Fiquei contrariado comigo mesmo. Eu deveria prestar mais
atenção por onde andava! Mas não desisti e continuei, subindo o outro lance de
pedras.
Cheguei
logo ao topo. Os machucados da subida anterior me fizeram tomar mais cuidado,
ser mais cauteloso. Aos poucos estava diante de mais uma conquista: mais um
topo do serrote. Repeti, então, os gestos anteriores: abri os braços e gritei
feliz com a minha conquista. Mas quando eu pensava que já havia terminado a
minha jornada, que aquele ali era o meu ponto final, mais adiante havia o
último lance de pedras, o mais alto e o mais difícil de escalar. Olhei para
trás, vi tudo que já havia conquistado e percebi que não tinha nada a perder. Logo
vi que não seria nada fácil mesmo, pois no único lugar onde o acesso até o topo
era razoavelmente fácil de subir, havia uma enorme casa de marimbondos de fogo.
O perigo estava ali bem na minha frente e era tão real quanto à vontade que eu
tinha de continuar. Eu teria de tomar uma decisão: escolher parar por ali,
contentar-me com o que já havia conquistado, ou seguir em frente, enfrentando
aquele medonho obstáculo. Decidi enfrentar aqueles “monstros” e seguir com meu
sonho. Com a habilidade que eu já havia conquistado ao escalar os outros dois
lances de pedras, consegui driblar os marimbondos e me lançar rumo a uma última
e bem mais complicada escalada.
Aos poucos fui
subindo, tomando muito cuidado para não cair das pedras. Sempre que ia dar mais
um passo, firmar as mãos ou os pés em algum lugar, eu me certificava primeiro
de que era suficientemente firme para suportar o meu peso. Qualquer passo em falso poderia me lançar
serrote abaixo e me machucar muito ou matar. E em poucos minutos lá estava eu,
no topo, feliz, abrindo os braços para tentar abraçar o mundo inteiro. O vento
soprava sobre mim. Sentia o ar puro, admirava a paisagem. Logo que cheguei,
dois gaviões saíram voando, talvez fugindo da minha presença estranha. Tanta
beleza e tanta paz eram as recompensas pelo meu esforço. Eu mereci estar ali.
Como desde pequenino
tive esse espírito aventureiro, explorador, comecei a explorar o local, as
entranças das pedras, a vegetação. Não demorou para que eu tivesse uma grande
surpresa. Entre as pedras havia uma colméia nova, ainda com os favos brancos,
com quase nenhum mel. Pelo meu pouco conhecimento, identifiquei com sendo de
abelhas Europa, muito comuns naquela região. Seu mel é delicioso, o que mais
aprecio. Mas ao notar a minha presença invasora, as abelhas começaram a se
alvoroçar. Imaginei o que seria de mim se fosse atacado por aquele enxame, como
poderia escapar de lá de cima. Com certeza seria uma preza fácil e acabaria me
desequilibrando e caindo. Mas eu sabia dos riscos antes de subir até lá a
precisava pensar rápido no que fazer diante daquela dificuldade inesperada.
A minha única
escapatória daquela armadilha da natureza era descer o mais calmo que eu
pudesse, sem fazer barulho, sem alarde. O caminho que escolhi foi aquele que eu
havia seguido até lá. Eu já o conhecia bem, já sabia como fazer para descer com
segurança. Mas eu não estava pronto para o inesperado. A natureza havia me
reservado um elemento surpresa! De repente me vi cercado por um número
incontável (pois não parei para contar!) de marimbondos! De alguma forma eu
havia esbarrado na casa deles. Estava com tanta pressa para fugir das abelhas
que me esqueci de prestar atenção por onde estava indo. Todos vieram para cima
de mim. Entrei em pânico. Eu estava carregando uma pedra que havia pegado para
levar de lembrança e a lancei fora durante a minha fuga desesperada. Fui picado
na cabeça, na perna e no pé. Desci das pedras com uma velocidade
impressionante, de qualquer jeito, sem me preocupar com altura, urtiga ou
qualquer outra coisa. Meus óculos escuros caíram e acabei cortando a mão
esquerda nas pedras.
Não consegui descer.
Apenas me distanciei o máximo que pude. Estava todo dolorido pelas picadas e
com a mão sangrando, com um corte profundo. Mas eu não podia deixar meus
despojos para trás; precisava recuperar os meus óculos. Todavia, para
recuperá-los teria de me aproximar do local onde havia sido atacado. O que
fazer? Seguir em frente enfrentando o risco de um novo ataque? Recuar e buscar
segurança? Mais uma escolha a fazer. Escolhi criar coragem e recuperar meus
óculos. Com muita cautela e as pernas tremendo de pouca coragem, vasculhei o
mato e as pedras até encontrá-los. Decidi, então, porque já era hora de voltar
para casa.
Em
cima das rochas olhei para o caminho pelo qual eu havia chegado até ali.
Lembrei das agruras que passei, dos marimbondos, e decidi trilhar um novo
caminho, voltar pelo outro lado, onde alcançaria a BR, evitando o que deixai
para trás. Desci e segui em frente. Aos poucos fui percebendo que o caminho
escolhido não era tão fácil quanto parecia. A mata continuava serrada, repleta
de obstáculos e espinhos das juremas e xiquexiques que me feriam
constantemente. Eu ouvia ao longe o barulho dos carros passando velozes, mas
quanto mais eu caminhava na sua direção, mas a pista parecia se distanciar. Mas
eu sabia que caminho seguir, a direção a ser tomada e não desistiria tão fácil.
Quando
achei que já estava próximo da rodovia, que faltavam poucos metros para
alcançar a minha liberdade daquela selva sertaneja, deparei-me com uma cerca
feita de arame farpado e xiquexique. Eles eram dispostos de tal forma a impedir
a passagem de qualquer pessoa ou animal. Não havia como pular nem passar por
debaixo. Impossível! Eu estava completamente encurralado. O que fazer diante de
tão intransponível obstáculo? Voltar e tentar seguir o outro caminho? Decidi
caminhar na extensão da cerca a procura de uma passagem, uma falha, uma
porteira, mas não havia. As dificuldades aumentavam, as juremas me atacavam, os
espinhos perfuravam minha carne. E agora?
Como
não sou um exemplo de paciência, comecei a ficar nervoso, desesperado, ansioso.
Já não prestava muita atenção nos obstáculos nem tomava cuidado com meus
inimigos em potencial. Foi este o meu maior erro. Não tardou para que outro
marimbondo investisse contra mim, picando-me na minha mão direita. A dor foi
ainda maior que a anterior, pois eu já estava debilitado. Veio a vontade de
chorar, de desejar nunca mais voltar ali. Senti um grande arrependimento por
ter me metido naquela aventura insólita, insana. E quanto mais eu caminhava,
agora em estado de desespero, menos possibilidades eu via de transpor aquela
cerca. O que fazer? Como passar por um obstáculo impossível de ser vencido?
Eu
estava exausto. As picadas de marimbondo pelo corpo todo doíam lancinantes. O
sangue escorria da ferida na minha mão. Sem conseguir dar mais um passo, parei
e olhei para aquela cerca. É bem provável que a porteira estivesse muito
distante, próxima a umas casas que eu avistava ao longe. Seria um caminho muito
longo para ir e voltar. Olhei para a cerca e decidi enfrentá-la. O que é uma
cerca instransponível comparada com a minha vontade de seguir em frente? Reuni
as últimas forças que me restavam, peguei um pedaço de pau e comecei a arrancar
alguns xiquexiques da cerca para tentar abrir uma passagem, por menor que ela
fosse. Depois e muito trabalho e dificuldade, finalmente consegui. Ainda tive
de limpar do chão alguns espinhos pontiagudos que ficaram espalhados. Rastejei
por debaixo do arame farpado me sujando, arranhando mãos, joelhos, cotovelos,
mas consegui escapar.
Já do
outro lado, feliz por ter vencido aquele obstáculo e ansioso por voltar para
casa, caminhei na direção da rodovia. Conforme caminhava, ia tirando os
espinhos que ficaram grudados no meu chinelo, espetando os meus pés. A cada
passo dado, meu alívio aumentava. Já na BR, em direção à fazenda, eu só pensava
em chegar, tomar um banho e descansar. Passei no barracão, comprei um
refrigerante e prossegui até a fazenda de carona com um primo. As lembranças da
minha aventura ainda estavam em minhas mãos e no meu corpo inteiro. Imaginei-me
como que saído de uma guerra.
Cheguei
à fazenda e fui logo para o banho. Depois...
SAIBA COMO ESTA HISTÓRIA ACABOU NO E-BOOK:
CONHEÇA E ADQUIRA OS MEUS E-BOOKS COM TEMAS TEOLÓGICOS, ESPIRITUAIS, POESIA, TEATRO, CONTOS E MUITO MAIS! ACESSE O SITE OU O APLICATIVO DA AMAZON E ADQUIRA OS SEUS. VEJA ALGUNS TÍTULOS QUE ESTÃO DISPONÍVEIS:
Mizael achei interessante ler sua história vivida porque como morador não conheço o pé do serrote muito menos o cume do serrote mais a vegetação espinhenta os moradores natos do lugar a cerca de arame com Xique-Xique esses conheço bem, então lendo me dei conta de que passei por isso sem ter ido lá. Muito bom
ResponderExcluirQue aventura hein .Coragem essa sua admiro muito você.Quem dera eu tivesse um espírito aventureiro também.
ResponderExcluir