Este
é um capítulo que provavelmente ninguém gostaria de estudar, mas que faz parte
da natureza do cristão e da sua missão evangelizadora (At 5:41). Embora as
seitas neopentecostais insistam numa pregação triunfalista que coloca o crente
numa posição privilegiada diante de Deus e do mundo, isentando-o de sofrimentos
e angústias nesta vida, ao passo que lhe prometem felicidade total e
prosperidade como consequências da sua fé e dos seus dízimos e ofertas, ser
discípulo de Jesus e comprometer-se com os valores e as obras do seu Reino traz
sofrimento. Desde o início da Igreja, as perseguições por causa da pregação do
Evangelho sempre estiveram presentes, basta lermos o livro dos Atos dos
apóstolos para constatarmos isso. Ao contrário do que se pode pensar, tal
perseguição jamais freou o avanço da Igreja, muito pelo contrário: contribuiu
para a sua expansão e fortalecimento. O apóstolo Paulo é um exemplo disso. Ele
escreve aos Filipenses: “Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as coisas
que me aconteceram têm, antes, contribuído para o progresso do Evangelho” (Fp
1:12). Conhecendo as cadeias de Paulo e todas as provas sofridas por ele na
pregação da Palavra, a Igreja não desanimava, muito pelo contrário, como afirma
Paulo: “a maioria dos irmãos, estimulados no Senhor por minhas algemas, ousam
falar com mais desassombro a palavra de Deus” (v. 14).
Como servos de Deus, nós sofremos
“com” Cristo (Rm 8;17) e “por” Cristo (Fp 1:29). Paulo era um missionário
disposto não somente a sofrer, como também a morrer pelo Nome do Senhor Jesus
(At 21:13). Será que todos aqueles que pregam o Evangelho possuem essa mesma
disposição? Vejamos mais alguns detalhes a respeito do sofrimento associado ao nosso
compromisso com Cristo e o seu Evangelho.
a) A perseguição é um fato.
A Palavra de Deus deixa bastante claro que “todos quantos querem viver piedosamente
em Cristo serão perseguidos” (2 Tm 3:12). O apóstolo Paulo afirma isto após
falar das suas próprias perseguições e sofrimentos por causa do Evangelho (vs.
11,12). Escrevendo aos tessalonicenses, que estavam sofrendo tribulações, ele
lembra aos irmãos das suas próprias tribulações, afirmando: “vós mesmos sabeis
que estamos designados para isto” (1 Ts 3:1-4). Mesmo sem conhecer o que o
aguardava pela frente, a certeza que Paulo tinha no exercício do seu
ministério, dada pelo próprio Espírito Santo, é de que lhe esperavam cadeias e
tribulações (At 20:23). A perseguição e o sofrimento são consequências de um
crente comprometido com os valores a as obras do Reino de Deus. Aqueles que
vivem um cristianismo light, amigo do
mundo, certamente não sofrem com essas coisas, e muito provavelmente não vivem
uma vida piedosa. Estes podem estar entre os crentes nominais, que não fazem
diferença no mundo nem produzem frutos para o Reino de Deus. As credenciais de
muitos pregadores, evangelistas e missionários da atualidade são bastante
diferentes daquelas apresentadas pelo apóstolo Paulo em 2 Coríntios 6:4-10.
Para ele, a sua riqueza e a sua glória não estavam em conquistas terrenas, no status de grande evangelista, no louvor
dos homens, mas no cumprimento da sua carreira (At 20:24). O sofrimento de
Paulo redundava na salvação de muitas almas e na edificação das igrejas, como
ele escreve a respeito da sua abnegação: “entristecidos, mas sempre alegres;
pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo” (2 Co 6:10).
O evangelista deve contar com momentos de angústia e sofrimento quando fizer a
coisa certa, entendendo que isso possui um peso muito grande no Reino de Deus e
contribuirá para o alcance de muitas almas.
c) Prova da nossa identificação com
Cristo. Se o evangelista é perseguido ao viver e
pregar o Evangelho, isto demonstra a sua identificação com aquele que é a
encarnação do próprio Evangelho: o Senhor Jesus. Ele próprio declarou: “Sereis
odiados de todos por causa do meu nome” (Mt 10:22a; cf. 24:9; Mc 13:13; Jo
15:18,19; 1 Jo 3:13). Ao escrever a Timóteo acerca do seu tríplice ministério
de pregador, apóstolo e mestre (2 Tm 1:11,12), Paulo demonstra que a
consequência inevitável desse ministério é o sofrimento. A sua atitude diante
disso mostra claramente a sua identificação com Cristo: ele chama Timóteo a
participar dos seus sofrimentos (v. 8), a não se envergonhar, mas crer em Deus
e nele confiar (v. 12). Assim como Cristo suportou a cruz por nós, para nos
livrar dos nossos pecados, o apóstolo Paulo declara suportar todas as coisas
por amor aos eleitos, “para que também eles obtenham a salvação que está em
Cristo Jesus, com eterna glória” (2:10). Muitos evangelistas são hábeis em
contabilizar o número de almas que eles “ganham” para Jesus, mas não possuem a
mesma destreza em sofrer por amor a essas almas, como Cristo sofreu. Paulo
escreveu aos filipenses: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por
Cristo e não somente de crerdes nele, pois tendes o mesmo combate que vistes em
mim, e, ainda agora, ouvis que é o meu” (Fp 1:19,30). O sofrimento enfrentado
pelo cristão é uma prova de que sobre ele repousa o Espírito Santo (1 Pe 4:14).
Se já nos últimos dias estamos vivendo momentos de paz e somos aplaudidos pelo
mundo que deveria nos odiar, é tempo de repensarmos a nossa identificação com o
Senhor. Não podemos ligar essa identificação apenas à filiação divina, à nossa herança
nos céus e às bênçãos que a nova vida em Cristo nos proporciona, mas igualmente
ao sofrer como Ele sofreu.
c) A Igreja cresceu e se expandiu em
meio às perseguições. O livro dos Atos dos apóstolos relata
como a Igreja cresceu e se desenvolveu num ambiente de grandes perseguições. A
primeira delas surgiu logo após a morte de Estêvão, de modo que houve ali uma
grande dispersão da Igreja (At 8:1-3). O próprio apóstolo Paulo foi um grande perseguidor
da Igreja antes da sua conversão. Aqueles que migravam para outras regiões por
conta das perseguições, iam levando a mensagem do Evangelho, de modo que o
número de convertidos aumentava e a Igreja se fortalecia (At 11:19-21). No ano
64 d.C., ocorreu a primeira grande onda de perseguição geral contra a Igreja,
durante o reinado do imperador Nero. A História da Igreja relata a forma cruel
como os cristãos eram tratados, torturados e assassinados. Segundo relatos da
tradição, Tiago morreu apedrejado e Pedro foi crucificado de cabeça para baixo.
Em 97, Timóteo foi morto por uma população idólatra. Paulo morreu decapitado em
Roma, João foi exilado na ilha de Patmos. Muitos cristãos foram devorados pelas
feras nas arenas romanas. Nada disso, porém, impediu que a Igreja avançasse até
chegar ao que conhecemos hoje como religião cristã. O Senhor prometeu que as
portas do inferno não prevaleceriam contra a Igreja (Mt 16:18), e assim tem
sido. O cristianismo no Brasil goza de paz e não enfrenta a mesma perseguição
sofrida pelos cristãos que residem em países comunistas ou muçulmanos. Ainda
assim ela precisa enfrentar outro tipo de perseguição: dela contra ela mesma,
na pessoa dos falsos profetas que deturpam o Evangelho de Cristo, denigrem a
imagem do povo de Deus e deturpam a visão bíblica de fé e de Igreja.
d) Paulo sofreu na sua missão.
O ministério do apóstolo Paulo já nasceu com uma promessa de sofrimento
proferida pelo próprio Senhor: “pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer
pelo meu nome” (At 9:16). Esse sofrimento não lhe seria um castigo, mas uma
consequência da sua nova identidade: de fariseu perseguidor a cristão
perseguido, além de essencial ao seu ministério e ao avanço da Igreja (Cl 1:24;
2 Co 11:23ss). O sofrimento, então, não era algo a ser evitado, mas uma
realidade necessária ao seu ministério e que possuía uma razão de ser: Cristo
ressuscitou! O Cristo ressurreto era a motivação da fé de Paulo e o estímulo da
sua pregação. Ele afirmou: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa
pregação, e vã a nossa fé” (1 Co 15:14). Assim, valia a pena expor-se dia após
dia ao perigo e à morte (v. 30,36). As credenciais de muitos evangelistas e
“apóstolos” atuais são uma lista de grandes conquistas, milagres, conversões e
bens, que demonstram seu poder e sucesso. O apóstolo Paulo, todavia, apresenta
uma lista e sofrimentos por amor ao Evangelho como as suas credenciais
apostólicas (2 Co 11:16-33). Para ele, o sofrimento não era um pesar, mas fruto
do seu amor a Cristo e aos irmãos (2 Co 2:4,13). Assim, ele podia animar outros
crentes que também enfrentavam problemas em sua vida cristã e ministerial,
escrevendo: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não
somente de crerdes nele” (Fp 1:29). O próprio apóstolo enxergava o seu
sofrimento como uma sentença para a morte, como cristãos na arena esperando
serem devorados pelos leões (1 Co 4:8-13). Todavia, isso não lhe importava,
porque o seu viver era Cristo, e morrer seria lucro (Fp 1:21). Paulo podia
abandonar a fé, mas se manteve firme. Embora ansiasse pelo céu, ele compreendia
o seu chamado, e o amor por Cristo, pelos irmãos e pelos perdidos fazia com que
ele permanecesse vivo e atuante, a despeito de tudo o que sofria (Cl 1:24).
e) O sofrimento cristão é
escatológico. O objetivo do sofrimento na vida do cristão
jamais será prejudicá-lo, ou aniquilá-lo, mas aperfeiçoá-lo e trazer testemunho
do Evangelho da graça e do poder de Deus que opera na sua Igreja. Os apóstolos
jamais negaram a presença do sofrimento na sua vida ministerial, muito pelo
contrário. Em 2 Coríntios 4:7-18, Paulo demonstra essa verdade. Ele se vê
diante da tribulação, da perplexidade, da perseguição, do abatimento sabendo
que seu corpo carrega o morrer de Cristo. Somente o morrer de Cristo é capaz de
trazê-lo à vida. Ninguém pode viver sem antes morrer para Jesus. Além de não
considerar o sofrimento desnecessário ou sinônimo de falta de fé, o apóstolo
entendia que tudo o que sofria o identificava com Cristo (v. 10). Ele
enfrentava o seu sofrimento com esperança na ressurreição (v. 14). E declara:
“Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de
glória, acima de toda comparação” (v. 17). O interesse de Paulo não estava
naquilo que ele podia ver, mas nas coisas invisíveis e eternas (v. 18). Ele não
aspirava recompensas eternas, mas a sua habitação celestial (5:1-4). Como
filhos de Deus, somos seus herdeiros e co-herdeiros com Cristo. Se com Ele
sofremos, também com ele seremos glorificados (Rm 8:17). Temos uma glória
reservada para nós no céu! O inevitável sofrimento do cristão revela Cristo nele
e lhe dá uma esperança escatológica. Paulo escreve: “Porque por mim tenho por
certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a
glória a ser revelada em nós” (Rm 8:18). E acrescenta: “Porque, na esperança,
fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê,
como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos” (vs.
24,25).
Essa verdade também é repetida pelo apóstolo
Pedro em sua primeira epístola aos cristãos da Dispersão que estavam sofrendo
tribulações. Pedro escreve para fortalecê-los e identificá-los com Cristo
(1:1,2). Eles, assim como nós hoje, eram os eleitos de Deus, santificados pelo
Espírito Santo, separados para a obediência e a purificação. A perseguição
sofrida por aqueles irmãos tinha uma causa (seu compromisso com Cristo) e uma
consequência: “uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada
nos céus para vós outros” (v. 4). Eles eram guardados pelo poder de Deus
“mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (v.
5). Então eles podiam exultar com alegria indizível (v. 6) na viva esperança
conquistada por Cristo na cruz. Essa é a esperança do evangelista: a sua
salvação está garantida no céu. Pedro escreveu: “alegrai-vos na medida em que
sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação
de sua glória, vos alegreis exultando” (1 Pe 4:13).
f) O sofrimento pelo Evangelho deve
gerar alegria. A perseguição por causa do Evangelho deve
ser sinônimo de alegria e júbilo para o evangelista (Mt 5:10-12; Tg 1:2-4).
Assim como os apóstolos, ele deve regozijar-se por ser digno de sofrer pelo
Senhor (At 5:41). Como já dissemos, muitos evangelistas contabilizam o número
de almas que “ganham” para Jesus, expondo ao mundo o sucesso do seu ministério.
Paulo, todavia expunha o êxito da sua missão através das perseguições e
tribulações que sofria por amor ao Evangelho e aos perdidos. Aquilo que hoje é
considerado motivo de tristeza e prova da falta de fé do crente em Deus, para
Paulo era motivo de grande alegria. Na sua vida, a fraqueza era uma
oportunidade para Deus manifestar o seu poder. Quando o evangelista se acha
forte por causa do seu preparo e sabedoria, por causa do seu tempo de conversão
e das almas que “ganhou” para Jesus, é que ele se mostra fraco, pequeno,
impotente. Mas ao contrário, quando se reconhece limitado e se reduz a nada,
ele se torna forte, porque o que opera nele é o poder de Deus (2 Co 12:10).
Tendo isso em mente, Paulo podia se gloriar nas suas fraquezas, não somente
naquelas internas, mas, também, nas externas, nas influências dolorosas
sofridas durante o seu ministério. Ele escreve; “Se tenho de gloriar-me,
gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza” (2 Co 11:30). Aos crentes
de Tessalônica, Paulo também expôs o sofrimento como motivo de alegria para o
crente: “Com efeito, vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo
recebido a palavra, posto que em meio de muita tribulação, com alegria no
Espírito Santo, de sorte que vos tornastes modelo para todos os crentes na
Macedônia e na Acaia” (1 Ts 1:6,7). A alegria do evangelista diante das
tribulações é tripla: sua identificação com o Senhor, o galardão no Reino dos
Céus e os frutos de maturidade que elas produzem.
g) O sofrimento tem uma aplicação
solidária. O apóstolo Paulo apresenta aos coríntios um
Deus que é o Pai de misericórdia e Deus de toda consolação, que nos conforta em
toda a nossa tribulação (2 Co 1:3,4). Ao falar do sofrimento cristão, ele deixa
bastante claro o caráter desse Deus, mostrando que o sofrimento não é a negação
do seu favor, como pregam os teólogos da prosperidade, mas a confirmação do seu
mover sobre a vida dos seus filhos. Além de não negar a realidade do
sofrimento, Paulo demonstra a sua grande importância no relacionamento entre os
crentes. O objetivo do conforto de Deus é para que aquele que é por Ele
consolado, console os outros com essa mesma consolação (v. 4). Aquele que
deseja se identificar com Cristo, também se identifica com o seu sofrimento,
para que por meio dele também venha a consolação (v. 5). As angústias e
tribulações sofridas pelos apóstolos redundavam em benefício para os irmãos (v.
6), de modo que ele exorta aos crentes de Corinto para que se tornem
participantes do seu sofrimento (v. 7). Em Gálatas 4:12-15, vemos que Paulo
vinha sofrendo de uma enfermidade e que esta se tornou motivo de bênção para os
gálatas, pois diante de tal situação enfrentada pelo apóstolo, tiveram a chance
de colocar em prática o amor fraternal.
É nos momentos de dor e angústia que o
verdadeiro caráter do crente é demonstrado. O cuidado com aqueles que sofrem
demonstra o amor de Deus operando na Igreja. Os gálatas não somente conheciam o
problema de Paulo, como também o receberam como ao próprio Senhor. Cooperar com
quem ministra a Palavra é cooperar com o próprio Evangelho. Um dos textos
áureos utilizados pela Teologia da Prosperidade para falar sobre a vitória do
crente é o de Filipenses 4:13, que diz: “Tudo posso naquele que me fortalece”.
O que não se leva em conta é que Paulo vem falando das dificuldades sofridas no
seu ministério (vs. 11,12). Outro ponto importante é a relação dos filipenses
com Paulo, demonstrando o seu cuidado com o apóstolo (v. 10,14; cf. 1:3-7). Nas
lutas e sofrimentos, na provação, não devemos esquecer a comunhão com os
irmãos, os conselhos, levar as cargas uns dos outros (Cl 3:16; Gl 6:2; Tg
5:12-16). Somos membros uns dos outros e devemos crescer em conjunto (Rm
12:4,5; 9-21). O ramo longe da videira não produz frutos e morre (Jo 15:1-5).
h) Deve haver mutualidade no
sofrimento. Quando falamos a respeito do sofrimento
cristão, devemos entender que não é possível a um membro do corpo de Cristo
sofrer sozinho, ou pelo menos não deveria ser do ponto de vista da Palavra de
Deus. Se um crente está sendo perseguido e morto na China, isso deve ser motivo
de dor e tristeza para os crentes em qualquer outro lugar do planeta; ou por
outro lado: devem se alegrar com ele por fazerem parte dos que são dignos de
sofrerem por Jesus. A Igreja é um corpo, uma unidade orgânica que comunga de
todas as coisas, como escreveu Paulo aos coríntios (1 Co 12:12-31). Deus
coordenou o corpo de maneira perfeita para que nele não haja divisão, muito
pelo contrário, todos os membros cooperem em favor uns dos outros (v. 25).
Assim, “se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com
ele todos se regozijam” (v. 26). O pregador da Palavra, o evangelista, está na
linha de frente do exército de Cristo. É ele quem visita os inimigos da cruz, aqueles
que odeiam a igreja e abominam os cristãos. Ele vai onde eles estão, em suas
casas, bares, bocas de fumo, hospitais, presídios. A Igreja precisa reconhecer
e honrar estes servos de Deus, cooperando em seu ministério, não apenas para
colher os frutos das almas que se convertem, mas também para lutar as suas
guerras, chorar as suas lágrimas. O apóstolo Paulo exortou seu discípulo Timóteo:
“Não te envergonhes, portanto, do testemunho do nosso Senhor, nem do seu
encarcerado, que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a
favor do evangelho, segundo o poder de Deus” (2 Tm 1:8; cf. 2:3). Quando
sofremos com quem prega o Evangelho, estamos sendo cooperadores com eles, com a
proclamação do Reino de Deus. Ao contrário, se os evangelistas e missionários
estão sozinhos no ministério, se não recebem sequer as nossas orações e apoio
espiritual, não estamos dando valor à obra áurea da Igreja de pregar a Palavra
da salvação aos perdidos.
i) O sofrimento pelo Evangelho gera
dependência de Deus. O evangelista deve viver em total
dependência de Deus. É ele quem o salva, capacita, sustenta e direciona. Todavia,
nem sempre isso fica totalmente claro. Às vezes cremos que podemos vencer por
nossa própria força, que nossos dons e talentos nos isentam de depender
constantemente do auxílio de Deus. As tribulações servem para nos colocar no
nosso lugar e nos levar a reconhecer que sem Ele nada podemos fazer (Jo 15:5). Paulo
aprendeu que toda a tribulação sofrida na sua carreira ministerial tinha um
significado: para que ele aprendesse a não confiar em si mesmo, mas em Deus que
ressuscita os mortos (2 Co 1:9). É esse sentimento de dependência total de Deus
que falta em muitos crentes, acima de tudo pregadores da Palavra que estão na
mídia. Eles creem que o seu sucesso está ligado à sua exposição nas redes de
TV, no rádio e na Internet; que é a força do seu carisma e a eloquência das
suas pregações que impactam a vida das pessoas. De fato, aqueles que estão
sedentos pelas mentiras que o falso evangelho oferece, com seus objetos
ungidos, suas promessas de prosperidade e suas supostas curas milagrosas,
deixam-se enredar por esses indivíduos. Todavia, quando se trata da pregação do
Evangelho de Cristo, o poder que opera é o de Deus. As tribulações geram ainda
mais dependência de Deus quando o evangelista percebe que o seu potencial está
totalmente sujeito à ação do Espírito Santo.
j) O sofrimento conduz à maturidade
maturidade. Os crentes maduros são aqueles que passam
pelo caminho das tribulações, que sofrem angústias e enfrentam provas, pois
somente assim podem ser aprovados. Geralmente é fácil encontrar motivos de
alegria nos momentos tranquilos, na certeza de que fomos justificados e temos
uma esperança eterna em Deus (Rm 5:1,2). Todavia, o apóstolo Paulo vai mais
além e nos chama a nos alegrarmos nas próprias tribulações (v. 3). As
tribulações produzem crescimento e maturidade na vida do crente, de modo que
ele passa a enxergar e valorizar aquilo que realmente importa: a salvação (vs.
4-11). Escrevendo aos tessalonicenses, Paulo revela que aqueles irmãos ainda
passavam por perseguições e tribulações (2 Ts 3:1-5). Semelhantemente à
primeira epístola, ele louva a Deus pela fé daqueles crentes que não
encontravam empecilho no sofrimento, mas, ao contrário, viam a sua fé aumentar
cada vez mais (v. 3). Além disso, o sofrimento que eles suportavam fortalecia
seus laços afetivos, de modo que o amor que tinham uns para com os outros
aumentava na mesma proporção da sua fé. O que para muitos seria motivo de
tristeza, contribuía para o crescimento do corpo de Cristo. Além de um sinal de
juízo contra aqueles que perseguem a Igreja, o sofrimento dos crentes demonstra
que eles são considerados dignos do reino de Deus (vs. 5,6).
O sofrimento, como nós vimos, traz
dependência maior de Deus; ele nos torna maduros e habilitados para a sua obra.
Tiago escreveu: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por
várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada,
produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que
sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tg 1:2-4). Diante das
provações, o evangelista deve se alegrar ao avaliar os lucros que elas trarão à
sua vida espiritual. Assim como o outro é apurado pelo fogo, as provações apuram
o crente (1 Pe 1:6-9). Algumas vezes, elas são a forma de Deus lidar com os
nossos erros e nos corrigir. O autor de Hebreus escreve que é para a disciplina
que perseveramos (Hb 12:7). Se estamos debaixo da disciplina de Deus, devemos
nos alegrar com o fato de sermos seus filhos e com os frutos dessa disciplina
(vs. 8-11). Não é necessário sofrer para aprender, mas todo sofrimento nos traz
aprendizado.
l) O crente sofre já vitorioso.
Muitas são as barreiras e as lutas que o evangelista encontrará no decorrer da
sua vida cristã e ministerial. Algumas teologias e mensagens pregam uma vitória
que ainda está por vir, geralmente uma bênção intencionada pelo crente e
colocada diante de Deus em oração. A Palavra de Deus, contudo, não aponta para
uma vitória que não seja a de Cristo e a sua gloriosa ressurreição. Se uma
bênção conquistada for a vitória que esperamos, não entendemos o Evangelho e
não damos o devido valor à volta de Cristo. O apóstolo Paulo nos mostra que a
vitória do crente já está presente e faz parte da sua vida, mesmo que ele não o
reconheça ou perceba. Em Romanos 8:31-39, ele deixa claro que “todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo
o seu propósito” (v. 28). O sacrifício vicário de Cristo garante a nossa
vitória acima do pecado e de todas as tribulações presentes neste mundo. O
contexto aqui é da justificação, onde o crente não pode receber acusação alguma
ou ser condenado (vs. 31-34). Em todas as coisas relatadas pelo apóstolo (vs.
31-39), somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou (v 37). O
crente sofre todas as tribulações e perseguições porque em Cristo ele já
venceu, porque entende o preço da sua salvação e os frutos gloriosos da sua
momentânea angústia. Quando o evangelista prega a Palavra de Deus, ele entende
que Cristo já venceu na vida de quem a ouvirá, que aqueles que serão salvos
ouvirão e crerão. Ele entende, também, que mesmo que sofra perseguições e até
mesmo o martírio por pregar o Evangelho, isso não representará uma derrota, mas
é parte da vitória que ele já carrega consigo como filho e servo de Deus.
m) Não devemos sofrer por fazer o que
é errado. Existe um sofrimento que não provém do nosso
compromisso com Deus, mas da prática do pecado. A Palavra de Deus nos ensina
que devemos sofrer pelo Evangelho e não por fazer aquilo que é errado. Falando
da relação entre os servos e alguns patrões perversos, o apóstolo Pedro apela à
submissão, dizendo: “porque isto é grato, que alguém suporte tristezas,
sofrendo injustamente, por motivo da sua consciência para com Deus” (1 Pe
2:19). Não existe glória alguma para o crente sofrer por praticar aquilo que é
errado (v. 20). O seu sofrimento como servo é um retrato do próprio sofrimento
do Senhor Jesus (v. 21), a quem temos como exemplo em todas as coisas. O
crente, o evangelista, não deve sofrer como aquele que faz o mal, “mas se
sofrer como cristão”, diz o apóstolo Pedro, “não se envergonhe disso; antes,
glorifique a Deus com esse nome (1 Pe 4:15,16). Muitos, porém, estão sendo
provados pelo fogo porque insistem em fazer aquilo que desagrada a Deus e
passam a sofrer as consequências disso.
Quando pecamos, distanciamo-nos de Deus e
passamos a sofrer com os resultados desse distanciamento. Todavia, isso serve
para pelo menos uma coisa: mostrar-nos o quando é ruim viver longe da verdade
do Senhor (Sl 32). Mas o que Deus quer é que permaneçamos fiéis e firmes na fé
(Sl 78:37; 1 Rs 2:4; 2 Cr 34:12; Mt 24:45; 25:21; Lc 16:10; 1 Co 4:2; 2 Tm
2:13; Tt 2:10; 3 Jo 5; Ap 2:10). A única coisa que podemos encontrar longe de
Deus é uma vida de amargura e destruição, onde nossas lágrimas não são
enxugadas nem nossas forças renovadas. Ao cairmos assim em pecado, acabamos
perdendo a esperança e o foco principal da nossa vida, que é Cristo; deixamos
de orar, de ler a Bíblia e de ter comunhão com os irmãos. Muitos acabam se
desviando, mas Deus nos garante que se nos arrependermos e confessarmos os
nossos pecados, Ele nos perdoará (1 Jo 1:9; 2 Cr 7:14). Ele tem poder para
realizar o impossível na nossa vida e transformar o nosso coração (Lc 1:37; Ez
36:26). Por outro lado, persistir na
rebeldia contra Deus pode levar o crente a um endurecimento de coração, onde
ele deixa de enxergar o Senhor e a necessidade de mudança de vida. Quando
agimos assim, fomos provados e reprovados (Hb 3:7,8; Pv 29:1).
MIZAEL XAVIER
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