Francisco está nervoso. Ele liga para um
conhecido seu.
-
Edgar? – pergunta ele.
-
Sou eu – responde rispidamente a voz do outro lado. – Quem é?
-
Francisco.
-
Diz aí, cara.
-
Você já tem aquilo que te pedi?
-
Tá tudo ok, amigo velho. De três horas em frente à rodoviária.
-
É negócio garantido?
-
Cem por cento. Ele já fez uns serviços pra mim. É profissional; limpeza.
-
Então me diz como ele é que é pra não ter erro.
-
Anota aí. Mas olha, esquece que falou comigo sobre isso, hem!
-
Tá certo. Fique frio. Pode falar... – Francisco anota os dados e desliga. –
Dona Zilda, eu vou dar uma saída para resolver umas coisas.
-
Espero que você esteja indo atrás de emprego. Não quero ficar a minha vida
inteira sustentando você e Leonora – Dona Zilda é a sua sogra e faz jus a
alcunha de “jararaca”.
-
Olha como a senhora fala comigo!
-
Olha o que, seu vagabundo? E não é verdade?
-
Se a senhora não fosse mãe de Leonora, eu ia lhe mostrar quem é o vagabundo –
disse Francisco cerrando os dentes num ódio que parecia querer explodir em
fúria sobre a sogra.
-
Eu bem que avisei pra minha filha que ela era muito nova para casar, ainda mais
com um cabra sem futuro como você. Mas ela não me deu ouvidos. Agora está aqui,
morando de favor na casa da mãe com um traste desses, trabalhando em dois
empregos enquanto você só faz vegetar.
-
Vou sair – Francisco resmunga contendo o seu ódio enquanto bate violentamente a
porta da cozinha atrás de si.
-
Aquele inútil – Dona Zilda começou a praguejar sozinha. – Mas um dia ainda me
livro dele. A batata dele está assando já faz é tempo.
Francisco vai até o bar que fica duas quadras
distante da sua casa e senta numa mesa armada na calçada.
-
João – disse ele ao dono do bar, um amigo seu das antigas. – Solta uma meiota
aí, que hoje eu mato ou morro.
-
Se você ainda não morreu de tanto tomar cachaça, Chico – era assim que ele o
chamava desde a sua adolescência, – não morre nunca mais.
-
Homem, deixe de coisa.
-
E o que foi dessa vez, meu amigo? – João lhe serve a cachaça.
-
O de sempre – Francisco está visivelmente abatido e transtornado.
-
É, velho, por essas e outras que eu nunca quis me casar. Se fosse só a mulher
tudo bem, mas também tem sogro, sogra, cunhado, a família toda se metendo. É um
inferno. Lá em casa era desse jeito. Todo dia meu pai dava uma surra na minha
mãe. E quando a sogra se metia no meio, apanhava também.
-
Sei. Mas eu não tenho coragem de fazer isso não. Vou lá – diz ele levantando-se
após despejar a cachaça toda goela a baixo.
-
Tão cedo, meu amigo? Ta doente?
-
Deixe e brincadeira, João. Vou resolver a minha vida. De hoje não passa.
-
É emprego?
-
Não, mas é coisa muito melhor, mais garantida.
-
Está certo. Vá com Deus, amigo velho, e se cuida.
-
Deixa comigo. Tome aí o dinheiro.
Francisco anda mais uma quadra e entra numa
pequena Lan House. Paga uma hora de uso e senta-se para acessar a Internet,
porque em casa a sua sogra vive reclamando e ela mesma não sai do computador,
atrás de receitas, diz ela. Ele entra num site de relacionamentos e espera que
alguém apareça para conversar com ele. Deve ser alguém muito especial, pois
pela primeira vez naquele dia ele sorri. Os seus olhos brilham como quem
encontra uma enorme pepita de ouro.
-
Oi, meu amor – teclou alguém com o apelido “Raio de sol.”
-
Estava esperando por você – respondeu ele. O seu apelido era “o Vingador.”
-
Quando você vai me deixar ver o seu rosto, meu amado?
-
Quando você deixar eu ver o seu.
-
Não. Eu já lhe disse que só mostrarei meu rosto quando nos conhecermos
pessoalmente.
-
Eu sei.
-
E por falar nisso, você já fez o que tem de fazer?
-
Vai ser hoje, eu prometo.
-
E o seguro?
-
Eu fiz no nome dela. É de R$ 50.000,00. Já é um começo.
-
Tem certeza de que é isso que você quer?
-
Claro que sim. Não aguento mais aquela megera. Mas não posso sair dessa com as
mãos abanando. Eu mato ela, recebo o seguro e saio de casa. Daí podemos começar
a nossa vida noutra cidade. Já está tudo planejado.
-
E a sua esposa?
-
Ela que fique sozinha. Não temos filhos, não vou fazer falta.
-
Eu te amo, meu Vingador.
-
Eu também te amo. Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Acho que
se não fosse por você eu não estaria aguentando passar por tudo isso, todas as
humilhações.
-
Sou muito feliz com você e sei que seremos felizes para sempre.
-
Espero que sim, meu amor. Não consigo imaginar a minha vida sem você. Você é a
minha razão de existir. Não vejo a hora de irmos embora juntos.
-
Tenha calma, meu amor.
Enquanto Francisco encontrava o seu oásis
naquela conversa pela Internet, com um amor que ele conhecera há cinco meses e
que havia tomado conta completamente da sua vida e do seu coração, a sua
esposa, Leonora, chegava em casa com uma sacola de compras nas mãos.
-
Mamãe, a senhora está em casa? – ela não ouve resposta e entra na sala. –
Mamãe, de novo na frente da televisão?
-
Qual o problema, Leonora? Já que eu não saio de casa, pelo menos posso assistir
um filme sossegada.
-
Está certo, mamãe. Fiz umas compras básicas
-
Que bom minha filha – Dona Zilda sai da frente da TV e volta para a cozinha,
onde Leonora já está guardando na geladeira as compras que fez. – Aquele inútil
do seu marido já saiu de novo. Aposto como ele foi beber.
-
Mãe, a senhora precisa parar de pegar no pé de Francisco. Se já não bastasse
ele não arranjar emprego, ainda precisa ficar ouvindo a senhora chamando ele de
vagabundo o tempo todo.
-
Minha filha, você acha que alguém que vive bebendo todo santo dia está atrás de
trabalho? Eu bem que te disse...
-
Mãe, por favor, chega! Eu mesma já não estou mais aguentando isso.
Enquanto a conversa entre Leonora e Dona Diva
se acalorava, Francisco sai da Lan House em direção à rodoviária. Ele vai a pé,
fumando um cigarro após o outro, sem se importar com o mal que está causando
aos seus pulmões. Não tinha dinheiro para o ônibus, o que tinha havia deixado
no bar e na hora que gastou falando com o seu grande amor. Na rodoviária, um
homem aparentando ter uns cinquenta anos o esperava inquieto. De braços
cruzados olhava para todos os lados encostado ao seu carro, um fusca preto com
películas bem escuras. Parecia mais um daqueles carros de funerária. De longe,
pelas suas características, Francisco já deduziu que fosse ele mesmo.
-
Você que é Francisco? – perguntou o homem com um olhar sinistro.
-
Sim.
-
Está tudo certo? – indagou o homem assim que Francisco encostou também no carro.
-
Está. Precisa ser esta noite.
-
Mas escuta aqui, seu amigo combinou comigo dois mil. Não vá dar pra trás.
-
Tenha paciência. Assim que eu receber o seguro eu lhe dou.
-
Não pense em me passar a perna – diz o homem mostrando a Francisco um revólver calibre
38 que carrega preso na cintura.
-
Fique frio. Agora faz conforme o combinado. Tudo precisa parecer um assalto. Se
alguém desconfiar de assassinato eu vou me dar muito mal. Tome aqui o endereço.
-
Sou um profissional, meu amigo – diz o matador pegando um pedaço insignificante
de papel com o endereço de Dona Zilda. – Depois eu desapareço e fico esperando
o seu contato. E lembre-se: do mesmo jeito que ela vai, você pode ir também.
-
Deixa comigo.
Francisco acende mais um cigarro e volta para
a sua casa. Está nervoso, mas feliz o suficiente para conseguir disfarçar. Era
preciso manter-se firme, afinal, não é todos os dias que se contrata um matador
profissional para dar cabo de alguém. Ele pensava se conseguiria viver o resto
da sua vida com essa morte na consciência, mas todas as vezes que se lembrava
das humilhações a que a sua sogra o sujeitava, sentia que não seria tão difícil
assim. Outra coisa que o confortava e o encorajava era o amor do seu “Raio de
sol”, uma mulher carinhosa e meiga que ela havia conhecido na Internet. Ela sim
o tratava bem, elogiava-o e não vivia condenando-o por ser como era. Eles
tinham planos. Iriam ser muito felizes. Só faltava tirar aquela pedra do seu
caminho.
-
Onde você esteve, Francisco? – pergunta Leonora assim que ele entra em casa.
-
Fui procurar emprego. Tenho a impressão que em breve a nossa vida vai mudar, e
para melhor.
-
Por quê? – indaga com um tom bastante zombeteiro Dona Zilda – Você pretende se
matar?
-
Humf! – Francisco engoliu seco. Faltava muito pouco, não valia à pena a
discussão.
Após o almoço, Leonora foi para um de seus
dois empregos como diarista na casa de uma médica no centro da cidade. Há dois
anos ela sustentava a casa com a ajuda da pensão que a sua mãe recebia, desde
que Francisco foi mandado embora do emprego que tinha de vigia noturno. Foi
acusado de tentar estuprar uma moça enquanto estava de serviço, mas nada ficou
provado. Francisco aproveita a tarde para dormir e sonhar, sonhar com a
liberdade e com o seu grande amor, que em breve estaria para sempre em seus
braços. Dona Zilda, sem imaginar o que lhe esperava, pegou uma revista de
artistas de novelas e tranca-se no seu quarto para ler. Não suportava a
presença do genro.
Quando a noite cai, Francisco já está
acordado e toma um forte café preto. Aproxima-se da porta do quarto da sogra e
encosta o ouvido para ver se ouve alguma movimentação. Ela estava roncando.
“Roncando como uma grande porca”, pensa ele. Antes de sair, apaga todas as
luzes e deixa a porta apenas encostada. Não haveria problema algum se tivesse
que explicar isto, porque normalmente esquecia mesmo a porta sempre aberta.
Isto era mais uma das coisas que enlouqueciam Dona Zilda. Tão logo sai, vai
mais uma vez até a Lan House, onde poderia conversar com o seu amor enquanto o
matador fazia o serviço.
-
Oi, meu grande amor – disse “Raio de sol” assim que ele abriu o site.
-
Falta muito pouco, meu amor, para eu me ver livre daquele problema e podermos
viver a nossa vida juntos.
-
Se não fosse porque nos amamos tanto, não sei se eu concordaria com isso. Mas
se você diz que é o único jeito.
-
É o único jeito.
-
Eu sei. Também quero muito sair daqui dessa casa. A minha vida aqui não tem
sido muito boa.
-
Você nunca me contou direito o que se passa aí. De repente eu poderia dar um
jeito.
-
Não se preocupe, meu Vingador, nossos problemas em breve acabarão. O passado
será passado.
-
Fico feliz. Fiz uma poesia para você, meu amor. Quer que eu escreva aqui para
você ler?
-
Com certeza, meu amado!
-
Lá vai:
O
meu mundo era só ilusão
Eu
vivia triste e sozinho
Nada
para mim dava certo
Até
que você surgiu no meu caminho.
Então
vivi um sonho
Sem
querer um dia acordar
Agora
e para sempre eu sei
Estarei
a te amar.
-
Nossa, que linda, meu amor! Espere, acho que ouvi alguém chegando...
Francisco
esperou durante um minuto, dois, cinco, dez...
-
Meu amor, você está aí? Meu amor? – ele tecla várias vezes chamando o seu “Raio
de sol”, mas não obtém mais resposta. A janela dela continua aberta, mas onde
ela estará? A única hora que ele tinha pagado aos poucos foi acabando, mas a
sua amada não voltou. – O que terá acontecido? – pensa ele enquanto volta para
casa apressadamente. Àquela hora o serviço já deveria ter sido feito.
-
Você não pode passar, meu amigo. Fique detrás da faixa – avisa um policial que
barra a sua entrada em casa. Havia várias viaturas e uma ambulância
estacionadas. Algumas pessoas iam chegando e se aglomerando, perguntando o que
estava acontecendo.
-
Mas eu moro aqui – diz Francisco esboçando um ar de desespero.
-
Francisco, o que está havendo? – pergunta Leonora que acabara de chegar de mais
um dia de trabalho. – Cadê a mamãe?
-
A senhora também mora aqui? – indaga o policial.
-
Claro que sim. Cadê a minha mãe?
-
Acalme-se, minha senhora.
-
Eu quero ver a minha mãe! – Leonora tenta furar o bloqueio, mas é barrada pelos
policiais.
O policial acompanha Francisco e
Leonora até o interior da casa. Está tudo muito bagunçado, os móveis foram
revirados. Deitada no chão, próximo à geladeira, Dona Zilda está morta, com
três tiros, dois no tórax e um na nuca. Leonora vomita ali mesmo e depois entra
num choro estridente e desesperado. Francisco tenta consolá-la em seus braços
afetuosos. A cena é muito forte, há sangue espalhado por todo o chão da
cozinha.
-
Boa noite – cumprimenta-lhes outro policial que se aproxima. – Eu sou o
detetive Romualdo e gostaria de lhes fazer algumas perguntas.
-
Pois não, doutor. – Francisco e Leonora sentam-se no sofá. O detetive senta-se
numa cadeira bem na frente deles. Parecia mais um interrogatório.
-
Até aqui parece que foi um assalto, mas precisamos trabalhar com todas as
hipóteses.
-
Como assim, doutor? Minha sogra não tinha inimigos. É claro que deve ter sido
um assalto.
-
Calma, meu amigo. Vamos averiguar todas as possibilidades. Onde o senhor estava
há mais ou menos uma hora atrás, seu Francisco? – pergunta lendo o nome de Francisco
numa caderneta que traz consigo.
-
Eu? Bem, eu estava atrás de emprego, como todos os dias faço – a voz de
Francisco quase engasgou.
-
Não é muito tarde para procurar emprego, seu Francisco? E você, senhora – lê o
nome na caderneta – Leonora?
-
Bom, eu estava no centro da cidade. Trabalho de diarista na casa de uma médica.
Mas por quê? Por acaso vocês acham que eu matei a minha mãe? – Leonora esta
muito transtornada, quase fora de si. Francisco a abraça ainda mais
afetuosamente. Quase se pode ver uma lágrima rolar dos seus olhos.
-
Mantenha-se calma, minha senhora. Não estamos aqui para acusar ninguém. São
apenas perguntas de praxe. Vocês têm conhecimento se ela possuía algum tipo de
relacionamento com alguém?
-
Minha mãe? Jamais! Ela é viúva há cinco anos e nunca foi de ficar namorando
ninguém.
-
Ela era uma senhora jovem ainda, de boa aparência – diz o detetive. – Tem
certeza de que não sabem de ninguém que ela podia estar namorando ou coisa
parecida?
-
Coisa parecida? O que significa coisa parecida? – Explodiu Leonora. A minha mãe
está morta e o senhor fica querendo saber da vida pessoal dela? Por que não vai
atrás do monstro que fez isso?
-
Calma, meu amor. Assim ninguém resolve nada – Francisco tenta acalmar a sua
mulher. Quer demonstrar equilíbrio, pois ele mesmo está muito nervoso.
-
Acompanhem-me, por favor, até a sala.
-
O que foi? – pergunta Leonora acompanhando o detetive, abraçada por Francisco,
que não a larga um só minuto. Ele era bastante solidário.
No meio do caminho um policial chega
com um insignificante pedaço de papel dentro de um saco de evidências.
-
Detetive – diz o policial – achamos esse papel caído na entrada da casa. Está
escrito o endereço daqui. – O coração de Francisco acelera.
-
Guarde junto com as outras evidências. Pelo jeito quem veio aqui sabia para
onde estava vindo.
-
E o que iria fazer – completa o policial e sai.
-
Quando a viatura da polícia foi acionada por vizinhos que ouviram o barulho dos
disparos, os policiais encontraram a sua mãe caída na cozinha. Mas também
encontraram isto – o detetive Romualdo aproxima-se do computador e vira a tela
na direção de Francisco e Leonora. – Antes de ser morta, a sua mãe estava num
site de relacionamentos conversando com alguém, provavelmente um homem – os
olhos de Francisco arregalam-se. – Ela atendia pelo apelido de “Raio de sol” –
Francisco não podia acreditar. – E seja lá quem for que estivesse conversando
com ela, atendia pelo apelido de “o Vingador.” A última mensagem bate com o
horário provável que ela foi morta. Pelo diálogo que eles vinham mantendo, eles
se amavam muito e estavam prestes a viver juntos.
-
E quem poderá ser? – perguntou Leonora.
-
Ainda não sabemos. Mas eu tenho um palpite de que se chegarmos até esse
Vingador, ficaremos muito próximos de conhecer o assassino da sua mãe. Vamos
levar o computador para a perícia.
O chão some debaixo dos pés de
Francisco, ou melhor dizendo, “o Vingador.”
Mizael Xavier
28
de outubro de 2009.
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