Geralmente, as pessoas olham para a Igreja
como que para um espelho, esperando ver refletir nela a sua imagem: sua
personalidade, seus interesses e suas expectativas. Procuramos na igreja aquilo
que somos ou que reflita quem esperamos ser e ter. De igual modo, tendemos a
nos afastar quando somos confrontados com aquilo que somos e convocados a
mudar, ou quando vemos que os interesses da instituição não são condizentes com
os nossos. Devemos avaliar, à luz da Palavra de Deus, quem está certo nesse
caso. Se o nosso interesse for pela nossa vontade sendo suprida enquanto
vivemos uma vida cristã desregrada e sem compromisso, podemos nos frustrar ao
nos deparar com igrejas que procuram a vontade de Deus e primam por uma vida
santa e comprometida com o Reino dos céus. Por outro lado, podemos estar em
busca do genuíno Evangelho da graça de Deus, interessados em uma vida santa e
ávidos em servir, mas sair frustrados ao encontrar igrejas que só pensam em
estratégias para tirar o nosso dinheiro.
As origens de muitas novas "igrejas de
garagem" ou até grandes denominações acompanham essa tendência da busca
por interesses pessoais. Alguns líderes acabam crescendo demais nas suas
denominações e acham que já é hora de abrir o seu próprio ministério, que para
alguns significa literalmente abrir o seu próprio negócio. O mercado da fé está
crescendo e dá ocasião a esse tipo de coisa, principalmente com uma
visibilidade cada vez mais crescente através da midiatização da fé, onde
pregadores medem o seu sucesso pelo número de curtidas, acessos e comentários
às suas publicações e lives. E essa
fama toda tem ajudado a engordar o "cachê " de tantos ao serem
convidados para pregações, palestras, congressos, shows e cruzadas. O
Cristianismo dos séculos passados produziu grandes pregadores, teólogos e
missionários, como Spurgeon, Lloyd-Jones, Moody, John Wesley e o saudoso
Russell Shedd, entre tantos outros. Hoje, o que o cristianismo fast-food tem
produzido? Muitos Macedos, Soares e Santiagos. Claro, as exceções existem e
estão na Igreja verdadeira, não em empresas particulares da fé.
Um ministério particular em que o fundador é
o presidente e o administrador de toda a vida da igreja, oferece grandes
oportunidades de independência total. Se é ele o poderoso chefão da sua
denominação, está em seu poder estabelecer as doutrinas, o estilo do culto, os
usos e costumes, além de administrar todos os dízimos e ofertas. Não é
necessário consultar um corpo de ministros, muito menos a congregação para
decisões importantes para a comunidade. Se durante a noite ele sonhar com
alguma coisa, pode chegar diante da igreja e transmitir seu sonho como
revelação da vontade de Deus. Na verdade, nem é necessário esperar o sonho acontecer,
basta dizer que sentiu da parte de Deus ou que Deus lhe revelou que quem der o "trízimo"
será abençoado 30 vezes mais. Quem se levantará para contrariá-lo? Quem abrirá
a Bíblia para demonstrar que ele é um herege e que aquilo é doutrina de
demônios? Quem o fizer, pode se dirigir logo depois à porta de saída, ou será
escoltado para fora a força pelos obreiros.
Por todas essas coisas é importante que
aqueles que afirmam haver se convertido e manifestem o desejo de fazer parte de
uma igreja local tenham em mente algumas questões e doutrinas fundamentais
aceitas pelas igrejas genuinamente cristãs. São elas: a natureza do Senhor da
Igreja, a natureza da Igreja e a natureza da conversão. Esse conhecimento nos
mostrará que não estamos na igreja para termos os nossos próprios interesses
atendidos, mas para servir Àquele que é Senhor da Igreja e que, de acordo com a
sua vontade soberana, irá nos abençoar. Também aprenderemos que o apelo à
conversão só é legítimo quando enfatiza o nosso estado de perdição e a graça
salvadora de Deus em Cristo como único meio de redenção. Também teremos
consciência de que qualquer pessoa pode entrar para a igreja, mas tornar-se
membro do Corpo de Cristo é somente para aqueles que pelo Espírito Santo foram
convencidos e convertidos, sendo adotados por Deus como filhos e selados para o
Dia da salvação.
Outra preciosa contribuição do conhecimento
do senhorio de Cristo sobre a sua Igreja, da natureza desta e daqueles que
fazem parte dela, é que não existe nenhuma igreja cristã verdadeira que seja
personalista, que esteja edificada sobre a vontade e a figura de qualquer homem
ou mulher, acima de tudo aqueles e aquelas que deram para si próprios o título
de apóstolos ou "apóstolas". Sobre este tema, o reverendo Augustus
Nicodemus (2011, p. 20) escreve que os apóstolos de Cristo não se tornaram
donos, presidentes, chefes e proprietários das igrejas locais que eles mesmos
fundaram. O próprio apóstolo Paulo, o maior missionário e plantador de igrejas
do período apostólico, não requereu para si nenhuma autoridade especial
separada dos demais apóstolos, muito menos permitiu que houvesse partidarismo
entre este ou aquele ministro do Senhor. Paulo ou Apolo? Nenhum dos dois, pois
"De modo que nem o que planta é
alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento" (1 Co 3:7).
Nicodemus também escreve que aqueles homens comissionados e enviados diretamente
por Jesus eram “apóstolos da Igreja de Cristo, da Igreja universal, e não de igrejas
locais. A autoridade deles era reconhecida por todos os cristãos de todos os lugares.
Onde eles chegavam, eram reconhecidos como emissários de Cristo, com autoridade
designada por ele” (idem).
A abertura de igrejas comandadas pelos seus
fundadores é a expressão máxima daqueles que anseiam por uma igreja nos moldes
das suas necessidades, vontades, valores, projetos e caprichos. O pensamento é:
se não encontro nenhuma comunidade que se enquadre nos meus padrões, criarei
uma para mim e ela poderá satisfazer a todos os meus interesses. Todavia, nem
todos têm essa ideia ou condições financeiras de colocá-la em prática, embora
muitos comecem pequeno até se tornarem grandes empreendedores da fé. A maioria
permanece na sua igreja de origem, insatisfeita com tudo, participando de má
vontade, falando mal dos seus pastores e criticando o modo como todos os
trabalhos da igreja são realizados. Outros saem, migram para outras
denominações ou ficam em casa mesmo. A sua fé não está submissa a Cristo, não
serve ao Evangelho nem busca a vontade de Deus. É uma fé em si mesmo e na
possibilidade se ser feliz e ter os seus problemas resolvidos.
Com todo o bem que promete trazer, o
movimento dos desigrejados pode estar contribuindo para facilitar o trânsito
desses indivíduos. O que pode ser melhor que um ambiente onde você entra e de
onde você sai a hora que quiser? Não existe uma liderança autoritativa, rol de
membros, credos, regimento interno, compromisso com ministérios, disciplina
eclesiástica, prestação de contas ou qualquer outra coisa que faça com que o
crente sinta que pertence àquele grupo de pessoas. Se não me sinto bem na
reunião da igreja na casa do seu Zé, na próxima me reúno no lar da dona Maria.
E se dona Maria não gostar do meu jeito de ser ou eu não for com a cara de
alguém por lá, migro para a residência de seu João. Mas se lá em seu João não
for do jeito que eu gosto e eu não conseguir o que tanto quero, tem a casa da
dona Joana. Mas se por lá começarem as cobranças, ainda haverá muitas outras
opções. E ninguém me dirá em que devo crer, não me pedirá sujeição a qualquer
liderança, então estou livre para viver a minha fé do meu jeito. E quem poderá
dizer que estou errado se a igreja se reúne somente nos lares e tenho o direito
de estar onde eu quiser? Por tudo isso, percebemos o quanto é nocivo tentar ser
crente e membro da Igreja fora dos padrões da Palavra de Deus.
A Igreja, portanto, não é um ambiente nosso,
mas de Deus. É preciso primeiro pertencer a Ele antes de pertencer a ela. Caso
contrário, somos um corpo estranho no Corpo de Cristo, como um parasita que
suga de um organismo apenas aquilo que satisfaz ao seu apetite. E grande é o
apetite desses novos bispos, missionários e apóstolos das mega igrejas!
Conforme escreveu Salomão, a sanguessuga tem duas filhas: Dá e Dá (Pv 30:15a).
Já o crente genuíno e a igreja verdadeira pregam e vivem como o apóstolo Paulo
aprendeu do Senhor: "Mais bem-aventurado é dar do que receber" (At
20:35). Aquele que vai à igreja cultuar a Deus somente para "receber algo
dele", está indo mesmo cultuar a Deus? Aquele que mede a qualidade da
igreja que frequenta pelo seu próprio bem-estar, faz parte da Igreja? Aquele
que não quer se submeter à liderança de ministros ordenados por Deus para guiar
o seu rebanho poderá se submeter ao Supremo Pastor da nossa alma? Aquele que
usa a estrutura da igreja para encher-se de dinheiro e propriedades tem parte
no Reino de Deus? Talvez o apóstolo Pedro lhe dissesse: "Tu não tens parte
nem sorte nesta palavra, porque o teu coração não é reto diante de Deus"
(At 8:21).
Precisamos entender que a igreja não é um
local para sermos quem quisermos, mas para, em contato com outros irmãos,
termos o nosso caráter moldado através do processo de santificação que objetiva
nos tornar parecidos com Cristo. A igreja também não é um ambiente para
fazermos o que quisermos, mas existem mandamentos bíblicos (bases de fé e
doutrinas) e regras de conduta comuns a qualquer organização humana (regimento
interno). Por fim, não são os nossos próprios interesses que estão em
evidência, mas a vontade de Deus acima de tudo e os interesses dos irmãos.
Paulo declara: "Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra
qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1 Co 10:31). E também:
"Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também
para o que é dos outros" (Fp 2:4). O apóstolo Paulo também apela para a
nossa sensatez: "Pelo que não sejais insensatos, mas entendei qual seja a
vontade do Senhor" (Ef 5:17).
AUTOR: Mizael Xavier
Este texto faz parte do livro que você pode comprar pela Amazon: