TEXTO ÁUREO: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a
toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, quem, porém, não crer será
condenado” (Marcos 16:15,16).
1. INTRODUÇÃO
O Senhor Jesus deu à
sua Igreja uma tarefa que outrora era confiada aos profetas: a de pregar ao
mundo o seu Evangelho. Essa tarefa tem sido realizada com brilhantismo no
decorrer da história cristã, mas também carrega alguns momentos de obscuridade.
Nem sempre o que foi pregado foi a mensagem que o Senhor deixou. Atualmente,
acima de tudo no cristianismo neopentecostal à moda brasileira, a mensagem
evangélica tem sido deturpada, cedendo o seu lugar a uma proclamação
triunfalista do ideal humano de felicidade plena e prosperidade financeira. A
humildade de Jesus, o seu sacrifício na cruz e a salvação que é oferecida por
meio desse sacrifício estão sendo desprezados. Não existe mais espaço para
pregações que envolvam a fé e o arrependimento, os dois elementos básicos da
conversão, muito menos a santidade de vida consequente dessa conversão.
2. PERGUNTA DE TRANSIÇÃO
Quando pensamos em
missão, a qual missão nos referimos? Se a nossa missão é pregar o Evangelho,
sabemos ao menos qual o conteúdo do Evangelho que deve ser pregado? As nossas
pregações estão alinhadas com a mensagem da cruz? Entender isso nos ajudará e
compreender a nossa posição como missionários e o nosso real papel como
embaixadores do Reino de Deus.
3. DEFININDO A MISSÃO DA IGREJA
A missão da Igreja é
a glorificação do Nome de Deus por meio de ações coerentes com os valores do
seu Reino, tendo como base sólida a sua Palavra e como fator motivador o amor,
vivendo debaixo da sua graça e na dependência total do Espírito Santo. Deus é
glorificado quando aquilo que somos, pensamos, sentimos, falamos e fazemos
reflete o seu caráter santo e justo e está submisso à sua soberana vontade.
4. A GRANDE COMISSÃO
Compreender a missão
e o nosso papel como ministros do Evangelho de Cristo significa, antes de mais
nada, compreender a natureza da Grande Comissão. Para alguns ela se mostra
bastante simples, uma tarefa evangelística de anunciar as boas-novas aos povos.
Para outros ela é impraticável, uma vez que, de acordo com algumas teologias, o
Evangelho não precisa ser pregado. Ainda outros veem nas missões um problema
sério e incompatível com o pensamento mundano do politicamente correto, onde
cada um tem a sua crença e devemos respeitar a todas. Pregar o Evangelho
significaria ir contra a liberdade religiosa humana ou um proselitismo que visa
impor uma crença sobre as outras.
4.1 Um chamado: Ide
A quem o Senhor Jesus
dirige quando ordena que o seu evangelho seja pregado? A quem Ele está
chamando? Um grupo de elite de crentes munidos das armas espirituais corretas
para divulgar as boas-novas? Este é um chamado para a Igreja. Se a Grande
Comissão é para toda a Igreja, precisamos compreender como esta deve se
comportar diante do chamado do Senhor, não como um indivíduo apenas, mas como
um corpo.
·
A
Igreja é o corpo de Cristo, logo, todos os seus membros devem estar envolvidos
na tarefa da evangelização. Cada crente é um evangelista, um missionário.
Embora exista o dom de evangelismo, que capacita pessoas de forma especial e
extraordinária para o serviço da evangelização, todo crente é por natureza um
evangelizador, um fazedor de discípulos.
·
O
termo grego para “ide” é proteuthentes,
que significa “indo”, o que mostra uma Igreja que está a caminho. Muito mais
que uma comunidade reunida em torno de si mesma para cultuar a Deus, a Igreja
se mostra itinerante, envolvida com a tarefa de levar a Palavra de Deus ao
mundo. Quando aprendemos que culto não é aquilo que de presta a Deus dentro de
um templo, mas um estilo de vida santo e obediente, entendemos que o nosso
culto envolve todo o nosso ser, todos os momentos e aspectos da nossa vida.
Logo, onde estivermos Deus deverá estar sendo cultuado. Onde estivermos seremos
membros do seu corpo atuante. Não fomos salvos para ficar, mas para ir. A nossa
vida cristã é dinâmica, militante, transformadora.
·
A
Igreja Caminhante é aquela que está a caminho, de porta em porta, de vida em
vida, de necessidade em necessidade, de amor em amor, de luta em luta, de
Palavra em Palavra, de fé em fé. Ela não está estagnada, não cultua a Deus a
partir de si mesma, mas a partir da verdade Bíblica que lança o cristão num
relacionamento horizontal (pessoas-pessoas; Igreja-mundo) como fruto de um
relacionamento vertical (Igreja-Deus). Estar a caminho, fora das quatro paredes
do templo e da prisão invisível do nosso ego significa que entendemos o chamado
de Jesus. Nenhum profeta ou servo do Senhor, ao ser chamado, permaneceu onde
estava. Até mesmo Jonas saiu do seu lugar, embora em direção oposta àquela
designada por Deus. Jamais poderemos ficar indiferentes ao chamado de Deus. A
própria estagnação é uma resposta, todavia negativa, mas que prestaremos contas
a Deus.
4.2. Uma direção: por todo o mundo
A direção da Igreja
comissionada por Jesus é o mundo inteiro. O Senhor disse em Atos 1:8: “mas
recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos
confins da terra”. A Igreja não pode se limitar àquilo que acontece nas suas
quatro paredes. Hoje temos uma Igreja ensimesmada, que vive somente para si,
suas programações e eventos, sem se preocupar com os que estão fora das suas
quatro paredes e precisam ouvir o Evangelho. Isso tem a sua raiz numa teologia
que convence o indivíduo de que o centro da sua adoração é ele mesmo e seus
problemas, não colocando a sua fé a serviço do Reino, do irmão, do próximo, mas
tão somente das suas necessidades e sonhos. Precisamos ir até as pessoas, não
esperar que elas venham até nós. Estratégias para atrair o pecador para ouvir a
Palavra no templo estão equivocadas. Coloca-se nas mãos do pastor o poder de
pregar e converter almas e exclui-se o restante da Igreja dessa tarefa. A
pregação é onde o pecador estiver.
O fato de Jesus
delimitar a área de atuação dos discípulos a partir do local onde eles se
encontravam, mostra uma preocupação doméstica. Os primeiros a ouvirem a
mensagem do Evangelho deveriam ser os judeus, depois os seus vizinhos
samaritanos, até que a mensagem se estenderia por todas as partes. Nós já
fazemos parte dos “confins da terra”, somos povos longínquos alcançados pelo
Evangelho. A nossa missão deve começar aqui mesmo, na nossa rua, no nosso
bairro. Muitas vezes nos preocupamos com o que acontece do outro lado do mundo
e não enxergamos o que acontece logo ali na esquina. Treinamos e enviamos
missionários para a África ou a Ásia, enquanto existem pessoas sedentas do
Evangelho aqui mesmo. Isto não significa que não se deve enviar missionários
para longe, mas que precisamos priorizar o nosso quintal, a nossa casa antes de
cuidarmos da casa dos outros. Vemos aqui a grande importância do discipulado,
do treinamento de evangelistas nesses países, para que eles alcancem seu
próprio povo e possam atuar na sua própria área, sem depender da força-tarefa
de outros países.
4.3. Uma missão: e pregai
A missão da Igreja é
a glorificação do Nome de Deus, sendo a proclamação do Evangelho um elemento
essencial dessa missão. Somos chamados a pregar, a proclamar, a falar. A palavra proclamação vem do
termo grego kerygma e também pode
significar pregação (Mt 12:41; Mc 16:8). Nem sempre é isto que está
acontecendo. Quando olhamos certas denominações, percebemos que o kerygma está muito longe de ser a sua
alma. Exalta-se a liderança, expulsa-se demônios, opera-se milagres, pratica-se
uma fé sincrética e supersticiosa, promete-se bênçãos de prosperidade
financeira e felicidade total, faz-se campanhas de oração de todos os tipos,
utiliza-se objetos sagrados e mantras, mas não se proclama mensagem alguma.
Como fazer discípulos sem o Evangelho que gera discípulos? Como os pecadores
serão convencidos do pecado se até mesmo a própria palavra “pecado” já foi
erradicada dos púlpitos? As mensagens modernas assemelham-se ao conteúdo dos
livros de autoajuda, que colocam o homem em busca de si mesmo, não de Deus.
Muitos pregadores têm trocado o conteúdo do Evangelho por palestras sobre temas
psicológicos, apresentando as grandes descobertas das ciências da mente como
soluções simples para os problemas da humanidade, não fazendo mais menção ao
poder de Deus e a atuação do Espírito Santo na vida do crente. Tudo se resolve
com terapia e força de vontade, que alguns traduzem como fé.
A proclamação verdadeira do
Evangelho genuíno envolve:
·
A
pregação verbal do Evangelho, anunciando a Cristo e mostrando o plano da
salvação (1 Pe 2:9).
·
O
discipulado: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os
em nome do Pai, e do filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas
as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a
consumação do século” (Mt 28:19,20). Após a conversão, o crente precisa ser
ensinado quanto àquilo que Deus espera dele e que está expresso na Bíblia. O
objetivo desse discipulado, além de fortalecer a fé e desenvolver a santidade
do discipulando, deve levá-lo a fazer novos discípulos.
·
O
ensino: “ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (cf. 2
Tm 2:2). O ensino na Igreja tem um conteúdo: a mensagem de Jesus. Nada que
ultrapasse esta mensagem deve fazer parte do ensino da Igreja.
·
Cuidado
com os pobres (Gl 2:10). A Igreja tem uma tarefa social, a de cuidar dos pobres
que estão no seu meio e daqueles que não fazem parte do seu rol de membros.
Essa tarefa social é uma resposta positiva ao amor de Deus em nós, que nos leva
a amar a nós mesmos e ao próximo.
4.4. Uma mensagem: o Evangelho
Eis o conteúdo do
“pregai". Este é o ponto central do chamado da Igreja, da sua missão. A
mensagem errada nos levará a práticas erradas. Que Evangelho temos pregado? Que
palavra temos ensinado? Que tipo de discípulos estamos fazendo? A mensagem que
o Senhor nos enviou a pregar não foi outra senão o seu Evangelho. A palavra
“evangelho”, do grego euangelion,
significa “boa notícia”, ou “boa-nova”. Mas que boas novas são essas? É uma
mensagem essencialmente de salvação, como podemos atestar ao ler toda a Bíblia.
O evangelho que tem sido pregado hoje é um evangelho mentiroso, de facilidades
e prosperidade, que retiram Jesus do centro da mensagem para colocar o homem e
as suas necessidades e projetos. Não se fala mais em salvação, arrependimento
de pecados, conversão, céu ou inferno. A mensagem da missão da Igreja é a cruz
de Cristo. Se não estamos pregando sobre a cruz, não estamos fazendo missão,
mesmo que estejamos de casa em casa, cidade em cidade, país em país. João
resumiu o seu Evangelho da seguinte maneira: “Estes, porém, foram registrados
para que creias que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome” (Jo 20:31). A mensagem bíblica é uma mensagem de arrependimento
e conversão:
·
Antigo Testamento: “Todos nós andávamos
desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez
cair sobre ele a iniquidade de todos nós” (Is 53:6).
·
Os anjos: “eis aqui vos trago
boa-nova de grande alegria, que o será para todo povo: é que hoje vos nasceu,
na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2:10,11).
·
João Batista: “Naqueles dias
apareceu João Batista pregando no deserto da Judeia e dizia: Arrependei-vos,
porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3:1).
·
Jesus: “O tempo está
cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”
(Mc 1:15).
·
Pedro: “Arrependei-vos,
pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados, a fim de que, da
presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que
já foi designado, Jesus” (At 3:19,20).
·
Paulo: “Ora, não levou Deus
em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos,
em toda parte, se arrependam” (At 17:30).
·
João: “Se confessarmos os
nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar
de toda injustiça” (1 Jo 1:9).
·
Apocalipse: “Eu repreendo e
disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te” (Ap 3:19).
4.5. Um público: a toda criatura
O Senhor Jesus não
determinou um grupo de pessoas específico para ouvir a mensagem da salvação.
“Toda criatura” significa todas as pessoas da face da terra, independente de
sua condição social, cultura, etnia, nível de escolaridade, filosofia política,
vícios ou qualquer outro fator. Todos precisam ouvir as boas-novas de salvação.
Alguns cristãos chamados de “calvinistas radicais” entendem que a salvação é
somente para os eleitos e que eles de alguma forma serão salvos, pois não podem
perecer. Então não é necessário pregar o Evangelho. Mas não é isso que a Bíblia
ensina. Mesmo aos próprios eleitos a salvação está condicionada ao ouvir da
Palavra de Deus. A fé vem pela pregação e a pregação pela Palavra de Cristo (Rm
10:17). Esse público está lá fora, no mundo. A Igreja não pode deixar de sair e
pregar o Evangelho. Todavia, a grande maioria das nossas programações são
voltadas para nós mesmos: cultos e campanhas diversos, festividades, jejuns,
eventos (mulheres, jovens, adolescentes, crianças, casais).
Outro problema
envolvido nessa questão é que, conforme alguns pastores e pregadores crescem em
seus ministérios e alcançam certa proeminência, já não se contentam mais com
públicos pequenos, dando preferência às grandes multidões. Pregar em uma
“igrejinha” já não é para eles, porque eles são muito grandes para tão pouco.
De pastores passam a conferencistas, palestrando apenas em grandes eventos ou
grandes igrejas, e isso a um preço alto. O fato de cobrarem por uma pregação
demonstra que o que está em vista não é o Reino de Deus nem a glorificação do
seu santo Nome, mas a exaltação do pregador. Embora os grandes sermões de Jesus
tenham sido direcionamos a poucas pessoas (como os seus discípulos) ou apenas a
uma pessoa (como Nicodemos e a mulher samaritana), os pregadores modernos acham
desperdício de tempo e talento preparar um sermão para meia dúzia de crentes
escutarem.
4.6. Uma promessa de salvação: Quem crer e for batizado
será salvo
A mensagem do
Evangelho traz uma viva esperança: a certeza da salvação em Cristo, o perdão
para os pecados, a comunhão reatada com Deus, a filiação divina, o selo do
Espírito Santo. Essa mensagem tem sido trocada por uma esperança meramente
terrena, por bênçãos passageiras que não levam à salvação nem produzem
compromisso com o Reino de Deus. Estamos escondendo das pessoas a mensagem
principal do Evangelho, apresentando uma proclamação equivocada que não coloca
ninguém no céu. De certa forma, estamos fechando as portas do céu a quem deseja
entrar. É preciso dizer abertamente que Cristo salva (Jo 3:16), que Ele nos
liberta do pecado e nos livra da ira de Deus e do seu juízo (Jo 3:18; 5:24). O
Evangelho é poder de Deus para a salvação (Rm 1:16). Falando aos presbíteros de
Éfeso a respeito do seu ministério naquela importante cidade, Paulo fala sobre
o conteúdo do seu ensino: “jamais deixando de vos anunciar coisa alguma
proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa,
testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé
em nosso Senhor Jesus Cristo (At 20:20,21). Arrependimento e fé são as bases da
verdadeira conversão. Muitas “conversões” são produzidas sem essas duas bases,
o que gera crentes insinceros, isto é, que jamais se converteram de verdade.
4.7. Uma promessa de condenação: Quem, porém, não crer
será condenado
A Palavra de Deus é a
verdade (Jo 17:17). Ela não é uma meia-verdade. Quando a proclamamos, não
podemos ocultar absolutamente nada. Se existe uma promessa de salvação para
aqueles que crerem no Evangelho, também existe uma promessa de condenação para
os que não crerem (Rm 3:9,23). Estes serão condenados. Para alguns, a nossa
mensagem é cheiro de vida, mas para outros, cheiro de morte (2 Co 2:14-17).
João 3:36 junta estas duas realidades: a vida eterna para quem crê no Filho de
Deus e a ira para aqueles que permanecem rebeldes contra Ele. Apocalipse 21
também expressa essas duas situações: as delícias do paraíso celestial para os
crentes em Cristo Jesus e a danação eterna no inferno para os ímpios (Ap
21:1-8). Se existe a vida, existe a morte e a segunda morte; se existe a
salvação, existe a condenação; se existe o céu, existe o inferno; se existe o
perdão, existe o castigo. A pregação que não apresenta os dois lados da moeda,
não é o Evangelho. Assim como não podemos apenas falar do céu sem nos
referirmos ao inferno, também não podemos falar somente do inferno sem qualquer
alusão ao céu.
5. CONCLUSÃO
A missão da Igreja é
a missio Dei, isto é, a missão de
Deus. Nesta missão, conhecer a natureza de Deus, da sua mensagem e da Igreja é
essencial. Fora da Palavra de Deus, não existe cristianismo genuíno. Aquilo que
se sente, pensa, fala e prega acerca de Deus deve estar bem firmado na sua Palavra,
sendo prático, impactante, transformador e capaz de alcançar as almas de Jesus
(cf. Rm 1:16,17; Cl 1:28,29).
Mizael Xavier
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